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Ignorando as dores de cabeça

LOCAL

O cansaço é como uma dor de cabeça prolongada. É um pedido do seu corpo, primeiro manso, depois raivoso, para que você simplesmente pare. Para um aluno de universidade, o cansaço pode não apenas irritá-lo, mas fazê-lo incapaz de aprender, ou sequer de participar integralmente das aulas, o ponto inteiro das inacabáveis horas de estudo que o trouxeram àquela instituição. 

Mas mesmo assim, ele parece inevitável. Na rotina imutável de, dia após dia, aprender cansado, voltar cansado e dormir cansado, a saúde do aluno fica de lado. Forma-se um ciclo degradante, que arruína o corpo e a mente do estudante, que todos os dias pede por apenas cinco minutos a mais de sono. 

Afetada pelo cansaço, encontramos Camila, aluna da ECA e moradora de Diadema.

Um som adentra em seus ouvidos, manso…

Todo dia, de casa para o ônibus, do ônibus para o terminal, do terminal para o metrô, do metrô para o circular, do circular para a faculdade. Nunca menos de duas horas de viagem. Como centenas de outros alunos da ECA, essa rotina se mantém: acordar às cinco da manhã, se não mais cedo, e ainda poder chegar atrasada. Porque todas as partes do caminho estão sujeitas a problemas e atrasos, cada dia diferentes, mas sempre inconvenientes. E são esses pequenos contratempos, essas pequenas irritações, que  roem a capacidade de manter, dia após dia, a inacabável rotina.

Nem todos os dias são ruins. Às vezes, as coisas ocorrem como devem. Camila pega o ônibus na hora, todos os trens chegam junto dela. Nesses dias, ela pode respirar tranquilamente, e até chegar antes da aula começar. Mas, igualmente, existem os dias em que tudo se desconcerta. Tudo atrasa, as inconveniências se amontoam. Ou, como na vez que tentou mudar de trajeto, com o objetivo de melhorar a rota, errou o ônibus, calculou o tempo errado, os cinco minutos de atraso viraram trinta, e algumas horas de seu dia foram perdidas. 

E o som não para…

Para Camila, mudar de casa não é uma possibilidade. O dinheiro já é apertado, e a região em volta da universidade é inflacionada pela demanda dos estudantes, especialmente perto das estações de trem e metrô. E não é como se morar sozinha fosse melhorar muito sua vida. O desgaste causado pelo transporte se transformaria no desgaste do dia a dia, da vida separada de todos, num apartamento apertado.

A vontade é de trocar de curso. Dia após dia perdido em aulas rasas, sem prática ou objetivo. Sente que o seu dia é completamente perdido: horas gastas no transporte, horas gastas nas aulas. Horas gastas em todos os momentos, mas horas faltando no sono. Ano que vem poderia refazer o vestibular, repensar sua vida e começar de novo… mas decidir isso agora apenas faria cada dia futuro parecer mais desperdiçado, mais inútil e mais cansativo.

Não, o jeito por enquanto é resistir, tomar tudo que pode da faculdade e voltar pra casa todos os dias mais desgastada. A realidade é simples: acostumar-se, manter-se em rotina, ou ficar para trás. Os atrasos continuam acontecendo, o transporte público continua precário, as horas do dia continuam sendo tiradas de suas mãos. O cansaço continua roendo e a dor de cabeça não para.

…De onde vem..?

As manhãs são sempre as piores. Traiçoeiras batalhas contra o próprio corpo, tentando vencê-lo, ou no mínimo iludi-lo o bastante para que tente levantar. A ideia de ter que acordar no dia seguinte tão cedo quanto no dia anterior faz da noite de sono frágil, curta e aparentemente inútil para melhorar a dor de cabeça que continua a bater. O ônibus passa às 6:00, se não pegar esse, o próximo é só às 6:30. Aqueles cinco minutinhos a mais na cama podem significar meia hora de atraso. A correria de chegar no horário, se é que isso seria mais possível, se aprofundaria, desgastando o corpo e a mente ainda mais, desde os primeiros minutos da manhã. Não. Quando acordar, não poderá esperar sequer um minuto para levantar. Esse é o único jeito de manter a rotina, de resistir mais um dia.

BZZZZZZZZZ….. BZZZZZZZZZZ…

E o alarme tocou. Acordou cansada. Nesse dia, teria que ficar na ECA até tarde. Quando o dia está mais tranquilo, consegue chegar em casa às quatro da tarde. Hoje, seria sortuda se chegasse antes das dez da noite. Já pensando na noite de sono seguinte, sai para pegar o ônibus, e voltar à rotina: de casa para o ônibus, do ônibus para o terminal, do terminal para o metrô, do metrô para o circular, do circular para a faculdade.

Esquecer, mesmo que por um minuto, as preocupações, os afazeres, a rotina do dia seguinte… Uma tarefa hercúlea, diária. Mas, no fim do dia, o que se pede é apenas poder chegar em casa e, realmente, descansar. E isso é pedir demais? Assim como Camila, diversos ecanos seguem a mesma rotina, ignorando as dores de cabeça que sentem para estudar no Olimpo acadêmico da América Latina.

João Chahad

Jônatas Fuentes

Marcelo Teixeira

Sarah Kelly

Revisão: João Chahad e Lara Soares

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Universidade de São Paulo - USP | Escola de Comunicações e Artes - ECA | Departamento de Jornalismo e Editoração - CJE | Disciplina: Conceitos e Gêneros do Jornalismo e suas Produções Textuais | Professor: Ricardo Alexino Ferreira| Secretária de Redação: Lara Soares | Editores: Nicolle Martins (Cidadania), Sofia Zizza (Ciências), Julia Alencar (Cultura), Gabriel Reis (Diversidades), Nícolas Dalmolim (Educação), Artur Abramo (Esportes) e João Chahad (Local).

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