A Última Cena: a morte é vivenciada no teatro
Gabriela Barbosa da Silva – 14614101
Giovanna Castro Pereira – 14574581
Paloma Lazzaro Saliba – 11780183
Samuel Clécio Cerri – 14607124
Introdução e ficha técnica
Parte da tetralogia dirigida por Flavia Melman, “A Última Cena” surge para discutir um assunto temido por muitos: a morte. A partir das experiências vivenciadas pelos atores (Antonio Januzelli, Janô; Nando Bolognesi; Osmair Candido, Fininho, e Thiago Amaral), ocorre a construção e desconstrução da morte feita por pessoas que estão em contato direto com a mesma. Há uma importante justaposição entre o ritmo de vida dessas personagens e o próprio fim da vida, um paradoxo comum para muitas pessoas. No entanto, ainda há uma camada de tabu cobrindo a discussão franca e orgânica da morte nas sociedades latinas, havendo quase sempre um caráter hiper-reverente ou desumanizante da questão.
A direção é de Flavia Melman, codireção de Aline Filócomo e Paula Picarelli, vídeos por Clara Lazarim, cenário e luz de Marisa Bentivegna, operação de luz por Guilherme Soares, operação de som e vídeo por Tomé de Souza, direção de produção de Aura Cunha, produção executiva por Yumi Ogino, programação visual de Larte Késsimos.
Estudo dos personagens e cenário
O cenário é simples, mas a presença de uma cadeira extra chama a atenção. Ela está ali pois houve a perda de um dos integrantes da peça enquanto ela era produzida: Tião Braga. Diagnosticado com leucemia crônica durante a pandemia, o cineasta e psicodramatista
faleceu em outubro de 2022, antes da estreia da peça. Apesar da ausência física, sua presença é mostrada através de vídeos realizados por ele mesmo em vida. Uma das reflexões feitas em um dos vídeos é sobre como ele não era o único Sebastião da família e que todos são conhecidos por morrerem cedo (ele faleceu com 37 anos).
Tião é relembrado também pelo seu viúvo, Thiago Amaral. Ao contar sobre todas as vezes em que morreu -citando experiências traumáticas, como a perda do contato com o pai após se assumir homossexual e a perda de uma amiga durante a colisão de um carro- Thiago afirma: “Eu morri quando o Tião morreu”. Durante esse momento emocionante, a morte é sentida de forma mais clara, o relato pessoal traz para a plateia uma parte dos sentimentos experienciados ao perder uma pessoa querida. Além disso, a adição de Thiago ao elenco ocorreu após a morte de Tião, o que, conforme Melman em entrevista aos membros do grupo, “trouxe uma dimensão real”, não-artificial, à obra. Flávia vê na morte algo além de uma experiência biológica universal. Em entrevista cedida ao grupo, ela explica: “a gente não é educado sobre isso. Tudo que é aquilo que não é que não é presentado, mastigado, que você não pode conversar, dá medo. Eu sinto que se, juntos, a gente compartilhasse, talvez o medo da morte seria menor. Medo esse que talvez seja o embrião de toda a nossa violência, de toda a necessidade de acúmulo de bens materiais e das diferenças sociais, que geram morte”.
Outra personagem relevante é Osmar Candido, o Fininho, um coveiro que traz para a peça o olhar da relação profissional com a morte. Ele tem contato com ela todos os dias e afirma que morrer também é um negócio. Citando a contratação de carpideiras, mulheres que choram profissionalmente nos velórios, Fininho diz que a morte não discrimina ninguém, todos serão levados por ela.
Nando Bolognesi, por sua vez, possui esclerose múltipla e é palhaço. Sua visão sobre a morte também é influenciada pela sua profissão, ele quer experienciá-la até seu último momento e cita a canção “Maria, Maria”, de Elis Regina, “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça/ É preciso ter gana sempre”. Ele afirma que possuir um velório pensado, como no seu caso que quer uma árvore plantada em seu túmulo, é um método de desdramatizar a morte. Para ele, existir já é o paraíso e, por isso, seu medo após a morte é não obter respostas. Um fato sempre questionado durante a peça é “nascemos para morrer?”
“Esse corpo tem a idade da terra”. Essa afirmação é de Janô, Antonio Januzelli, professor de teatro e o mais velho dos presentes, com 83 anos. Ao trazer sua reflexão sobre a vida e a morte, ele traz um ponto importante: a obsessão da juventude em continuar jovem, através de plásticas, e a necessidade de serem “ensinados a envelhecer”. Melman afirma “precisa ter um lugar para as histórias das pessoas mais velhas. Elas têm mais experiência com a vida” .
Diversidade na obra
“A Última Cena” mostra de forma evidente como a morte atinge a todos, sem exceção. Trazendo desde personagens mais novos, como Thiago, com 40 anos, até mais velhos, como Janô, de 83 anos, a obra também recebe um ator com esclerose múltipla e que usa cadeira de rodas e um ator negro, Nando. Também, as vivências de Thiago e sua experiência ao abordar sua sexualidade com o pai não são ignoradas.
Assim, a obra, além seu tema principal “morte” (que já é um tabu), aborda também assuntos que são renegados na sociedade, mostrando seu valor e importância na quebra dos preconceitos.
Conclusão
Ao explorar um tema que gera insegurança e é tratado como tabu por muitos, a peça “A Última Cena” consegue trazer relatos emocionantes que fazem o público rememorar vivências e questionar o que a morte pode significar. Essa resignificação da morte também evidencia sua universalidade dentro da sociedade e expõe sua culturalidade e individualidade: a morte atinge a todos, mas de formas diferentes e a forma como cada um trata seu luto ou sua iminência de morte é individual — para Osmar Cândido, a morte tinha papel mercadológico, enquanto que para Bolognesi ela possui essência dramática e o teor de um evento único a ser planejado, por exemplo.
Além disso, outro fator que permeia a morte é seu anúncio. A morte, em geral, é noticiada, seja para os familiares que ficarão de luto, ou para o coveiro que ganhará dinheiro com isso, ou para a pessoa para a qual a morte é iminente. Também é demonstrado sua versatilidade: não se morre apenas quando se perde a vida. Quando o pai de Thiago Braga por exemplo, corta relações com o filho após ele se assumir homossexual, a relação entre os dois morre, e é como se tivessem de fato morrido um para o outro.
Em paralelo, é possível compreender a morte como uma ocasionalidade muito parecida com o jornalismo. Ao atingir a todos, ela possui a mesma universalidade que um artigo noticioso decente possui e deve ter, atingindo o maior número possível de pessoas; o anúncio, noticiar a morte, também é outro elemento em comum com o jornalismo, principalmente com o jornalismo-noticioso, que busca informar a todos em poucas palavras, sendo sucinto; por fim, seu jeito versátil de se adequar a diversas formas também entra em consonância com o serviço jornalístico, ao passo que este pode ser adequado a diferentes formas e veículos a depender do tipo de informação, meio em que será veiculado e público-alvo.