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Futebol americano, swag e falta de incentivo: entrevista com jogador do São Paulo Storm

 

Leonardo Galesco, 22 anos, professor de inglês e estudante de Enfermagem, é também o camisa 81 no São Paulo Storm – time paulista de futebol americano, onde joga desde janeiro de 2015, quando passou na seletiva final. Joga na defesa, na posição de receiver. Pratica o futebol americano de grama segundo as regras da Federação Internacional de Futebol Americano (IFAF), baseadas nos códigos do futebol universitário americano, totalmente diferentes das regras praticadas pela famosa National Football League (NFL) dos Estados Unidos. Logo abaixo da entrevista acrescentamos um glossário contendo palavras e expressões em inglês comumente usadas no esporte, para facilitar a compreensão do texto e esclarecer um pouco o futebol americano.

O futebol americano consagrou-se como uma modalidade esportiva que lança “estrelas”, há quarterbacks e running backs que são considerados verdadeiras celebridades. O que você pensa sobre o lado “espetáculo”, comercial desse esporte? Você tem algum ídolo dentre os mais conhecidos – Tom Brady, Peyton Manning, Drew Brees, DeSean Jackson…?

Boa pergunta! Então, o futebol americano é um jogo muito bonito de se ver, tem jogadas incríveis, porradas fenomenais… É que futebol americano é muito swag. Se você for ver esse lado, jogador usando bíceps band – pra nada – puro swag; aquelas faixinhas que os jogadores usam no braço, na perna, na coxa, pra ser mais o estilo do jogador. E também por causa das jogadas, o handcatchs, que são coisas muito difíceis de fazer; o running back, por exemplo, quebrando a OL, passando no meio da OL, da DL, fazendo touchdown, correndo 75, 85, 100 jardas em 10 segundos. E os quarterbacks também, fazendo lançamentos de sei lá quantas jardas, 90 jardas… Chutei alto. E o jogador… na verdade tem dois jogadores que eu admiro bastante, que eu sou fã: o Odell Beckham Jr, o 13 do New York Giants e o Megatron, que é o famoso Kelvin Johnson, que eu não me recordo o time que ele joga agora… deixa eu ver aqui… Se eu não me engano é o Detroit Lions. Isso. Detroit Lions. E por coincidência ele é 81 também, que é o mesmo número que eu jogo. Só isso que vem na minha cabeça dos que eu mais gosto.

Leonardo, camisa 81 do time paulista, após partida contra os Vikings em setembro desse ano
Leonardo, camisa 81 do São Paulo Storm, após partida contra os Vikings em setembro desse ano

 

Há iniciativas pontuais, no Brasil, de inserção de jovens, crianças e adultos na prática de esportes, mas sabemos que isso ainda é muito difícil, que não há incentivos suficientes pra fazer uma pessoa crescer no esporte. Como você iniciou na modalidade e quais dicas você daria pra quem deseja começar, agora, nesse momento?

Eu conheci o esporte fora do Brasil, que eu fiz intercâmbio e acabei conhecendo o esporte no Canadá, só que lá é diferente. Algumas regras da CFL são diferentes na NFL. Aí eu conheci o esporte lá e comecei a praticar o college, mas nada muito incrível. Acabei voltando pro Brasil e de 2012 a 2015 não pratiquei esporte; só brincando com os amigos, nada voltado para campeonato. Fiquei sabendo de uma seletiva que ia ter no São Paulo Storm, que é o time em que eu jogo, através de um amigo meu, que passou na seletiva de 2014, no final de 2014. Em janeiro eu fiz a seletiva e acabei passando. Aí eu comecei a praticar o esporte e tudo. E infelizmente a gente não tem incentivo. Pra você ter uma ideia, nós não temos nem lugar pra treinar. Se eu não me engano, acho que no Brasil só tem três campos de futebol americano… Acho que dois deles ficam no Sul e um deles fica na cidade de Leme, aqui em São Paulo, que é o campo oficial de futebol americano, com as traves e tudo, desses três campos. E sem contar os acessórios, né, o helmet, o shoulderpad, calça, chuteira… Se você for querer comprar um equipamento completo hoje, chuteira, com roupa, com tudo, você vai gastar uns 3 mil reais aí. O ruim é que por enquanto a gente ainda não tem patrocínio. Nenhum time do Brasil é patrocinado por uma equipe grande de esporte.

Bom, o futebol americano a gente fala que você tem que jogar com a cabeça fria e o coração quente. Por quê? Porque o futebol americano é um jogo que não perdoa erro. Tem que pensar no que você está fazendo. Isso quer dizer o que: treinar todo dia, fazer o que os seus técnicos mandam… trabalhar a mão, a perna, a postura; então isso quer dizer o que: ir pra academia todo dia e trabalhar seu corpo pro futebol americano, se você quiser ser jogador de futebol americano. Só que tem diferença. Se você quer jogar pra ser alguém no Brasil ou se você quer falar que você joga futebol americano. ‘Ah… Eu jogo futebol americano…’. Tem esses dois tipos de pessoa que jogam. Então o que eu dou de dica é: treine sua cabeça e seu corpo pro futebol americano.

Não se pode dizer, verdadeiramente, quando começaram a praticar futebol americano no Brasil, seja ele flag, de grama ou de areia, mas certamente esse esporte começou a crescer apenas na última década. Na sua opinião, o que falta para que ele ganhe visibilidade e se consagre, tal como vôlei, handebol, futebol e natação, etc?

Deixa eu pensar… Acredito que o apoio da mídia esportiva no Brasil, em si. É… divulgar mais o esporte. Tem na ESPN, que é TV fechada. E tem muita gente que não sabe o que é futebol americano: ‘Ah, é rugby, tipo rugby?’ – a televisão brasileira precisa divulgar mais o esporte, mostrar como é o esporte, mostrar que não é violento, que é mais tático ainda que o soccer, que o futebol, que o nosso futebol; é muito mais tático que o nosso futebol, o futebol norteamericano. Tem mais jogadas. Só fugindo um pouco da sua pergunta, para você ter uma ideia: para o jogador americano virar profissional nos Estados Unidos, ele é obrigado… Por exemplo, eu estou no college, faço high school, o colégio normal, aí uma universidade vai se interessar por mim se eu sou muito bom. A universidade vai me dar bolsa de estudos pra eu jogar pela universidade. Quando eu acabar a faculdade, a NFL pode me draftar, que é me escolher do college; isso quer dizer o que, que todos os jogadores profissionais da NFL têm curso superior, eles são obrigatórios a ter curso superior. É diferente do Brasil, do nosso futebol. O moleque tem de parar de estudar para ser profissional.

O futebol americano de grama no Brasil segue as regras da Federação Internacional de Futebol Americano, baseadas no estilo de jogo das universidades americanas. Por que as regras seguidas não são da NFL?

Eu nunca tive curiosidade de perguntar por que nós não jogamos com as regras da NFL, eu acredito que porque a regra do college seria mais fácil pra gente poder jogar, seria menos politicagem, menos regra chata… Eu acredito que seja por causa disso. Mas eu não tenho certeza nessa minha resposta.

Só pra pegar o gancho dessa última pergunta, você acha que há um estilo brasileiro de competitividade? Algo próprio, individual nosso?

Você está querendo dizer em comparação? O brasileiro jogando e americano jogando? Nossa… É uma diferença enorme. Um milhão de anos luz os americanos na nossa frente. Por quê? Eles jogam desde os sete anos de idade. O que mais, vamos lá. O fato de eles jogarem desde os sete anos o esporte, alguns, que vão pro baseball, hockey, eles têm, como eu posso dizer, muito foco no que eles fazem. Por exemplo, Seleção Brasileira de Futebol Americano: os caras estão treinando.  Eles foram lá pros Estados Unidos pro final do ano. É que é assim, no futebol americano, cada OL, – há ataque e defesa –, que é a offensive line, onde jogam os receivers, os quarterbacks… Os caras falam assim: ‘ah, não vou mais treinar, já sei o que tem que fazer, treinamos ontem, a gente já sabe’. Os americanos não, os americanos vão treinar! Dez horas ontem, onze horas hoje, doze horas amanhã, eles sempre querem ser melhores do que eles foram ontem, entendeu? O problema do brasileiro é como em qualquer outro esporte. Se você está acostumado, você vai ficar sentado lá e dane-se.

Mas… Como eu posso dizer, sobre o incentivo…. Para incentivar mais o brasileiro a jogar futebol americano; lugar pra treinar, porque você não tendo lugar pra treinar você não tem o que fazer. Começar a mostrar mais o esporte nas televisões, mostrar mais como é o futebol americano no mundo, que não e só o marido da Gisele, por exemplo. Fazer um incentivo pra ter mais gente querendo jogar o esporte. Porque no Brasil, hoje, temos time no Palmeiras, time no Corinthians, time no Santos, Portuguesa… Tem muito time de futebol que tem o time de futebol americano também, e muita gente não sabe disso.

A entrevista também está disponível em áudio:

 

GLOSSÁRIO

Band: “faixa”. No caso, uma faixa de tecido usada por alguns jogadores junto com o uniforme; estão mais ligadas ao estilo pessoal do esportista

College football: modalidade esportiva praticada pelas universidades americanas

Draftar: um jogador draftado é um estudante universitário selecionado para jogar em times profissionais. O processo de seleção acontece anualmente e é organizado pelas ligas esportivas norteamericanas

Handcatchs: quando o jogador consegue pegar a bola corretamente. Quando ela é arremessada de grandes distâncias, realizar um handcatch pode ser muito difícil

Helmet: “capacete”

National Football League (NFL): fundada em 1920, essa liga é responsável por organizar os campeonatos de futebol nos Estados Unidos; atualmente, movimenta milhões de dólares com espetáculos como o Super Bowl, um dos eventos esportivos de maior audiência no mundo, durante o qual disputam uma final os vitoriosos da temporada.
CFL é a sigla para Canadian Football League, mencionada na entrevista.

Offensive line: linha do ataque

Quarterback: o cérebro da equipe. É ele quem pensará as estratégias e jogadas no calor na partida; deve ter precisão, força e grande espírito de liderança

Receiver: ou “recebedor”

Running back: jogador da linha ofensiva cuja maior qualidade é atingir altas velocidades em campo, a fim de correr o maior número possível de jardas e alcançar a linha final, marcando um touchdown

Shoulderpad: proteção para o ombro

Swag: gíria da língua inglesa que denomina um gosto, estilo pessoal. Diz-se de uma pessoa que ela “tem swag” quando possui um estilo mais despojado e irreverente e por isso, interessante e chamativo

Touchdown: principal jogada do futebol americano, o touchdown vale seis pontos. Os pontos são alcançados quando um jogador atinge a endzone ou “zona final”

(por Sophia de Oliveira)