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Atletas são mal vistos pelos professores, relata estudante-atleta da USP

Pudemos conversar com Matheus Delghingaro, que foi dirigente de Associação Atlética e praticou handebol amador durante cinco anos representando sua faculdade. Veja essa e outras questões sobre o estado do Esporte Universitário no Brasil

O esporte universitário ainda engatinha no Brasil em termos de reconhecimento como “modo” de se praticar e entreter-se com a prática esportiva. Nos Estados Unidos e em outros países do hemisfério norte, existe uma cultura de extensão universitária de maneira a incentivar a criação da figura do estudante-atleta – coisa que praticamente inexiste de maneira formal no Brasil.

Para se ter uma ideia, boa parte da delegação dos Estados Unidos nos Jogos Pan-americanos de Toronto neste ano era formada por atletas cursando a universidade. Nesse panorama, é indiscutível que faltam estímulos por parte das universidades públicas quanto ao fomento da prática de esportes – além de bastante preconceito por parte da sociedade, que praticamente desconhece a existência de campeonatos organizados e que propiciam um nível técnico interessante (sobretudo nos esportes olímpicos).

É nesse contexto que tive a oportunidade de conversar com Matheus Campanholi Delghingaro, que foi presidente da Associação Atlética da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP em 2013, membro de Comissão Organizadora dos Jogos Jurídicos Estaduais (competição que chega à sua 40ª edição neste ano) e atleta-universitário por todos os cinco anos de sua graduação. Matheus foi jogador de handebol e rúgbi e pode falar com propriedade sobre o assunto.

Tentamos nos basear em duas vertentes: as experiências (e frustrações) de Matheus como “dirigente” e também como estudante-atleta. A falta de estímulo, as pedras no caminho – como o menor número de alunos-ingressantes em comparação com os adversários que enfrentou na carreira – e também os momentos que ele lembrará com carinho findo o período como atleta amador.

P: Você tem experiência no âmbito esportivo-universitário, já tendo participado de diretoria de Associação Atlética Acadêmica e de Comissão Organizadora de jogos universitários. Considerando isso, sabe que os Jogos Universitários são eventos comercialmente rentáveis para as Atléticas – mas que não atraem público não ligado às universidades. Qual seria uma alternativa para mudar isso?

Matheus: Desde que eu adentrei o “ramo” dos Jogos Universitários, em 2011, esse é um problema bastante discutido. Acredito que o primeiro ponto a se considerar é se realmente existe o interesse do público alvo dos jogos em “abrir” esse tipo de evento para o público não ligado às universidades. Em minha experiência pessoal, vi em mais de uma situação que os universitários que frequentam os jogos geralmente não desejam e/ou não se sentem à vontade com a presença em massa do público “local”[1], o que é uma grande perda para a diversidade de público nos eventos.

Para as Comissões Organizadoras seria muito interessante que esse ponto de vista mudasse, claro. Mas acho que se trata de um trabalho a longo prazo na mentalidade de seu público alvo. Qualquer medida drástica tomada poderia afetar a adesão do público universitário e existe uma grande dificuldade na aplicação de medidas de longo prazo devido à falta de continuidade e o forte imediatismo das gestões das Associações Atléticas, colocando a solução desse problema num grande impasse.

P: Nos Estados Unidos existem incentivos para que haja o fomento do esporte universitário (como bolsa de estudos para os atletas). Existe algum “estimulo-recompensa“ para que os alunos se tornem estudantes-atletas no Brasil?

M: No contexto das universidades públicas brasileiras, ocorre exatamente o oposto. O desincentivo e o preconceito são muito presentes no meio, e quem é atleta universitário, é por amor ao esporte, tão somente.

Atletas são mal vistos pelos professores; gestores de associações atléticas então, nem se fala. A universidade diz basear-se no tripé ensino-pesquisa-extensão, pura hipocrisia. A extensão universitária é desprezada pela enorme maioria das unidades, que não oferecem qualquer tipo de suporte, e quando o fazem, fazem de forma diminuta, como migalhas aos esforçados membros de Associações-Atléticas que tentam de qualquer maneira valorizar seus atletas. É até difícil falar sobre esse ponto, pois a injustiça e o desrespeito junto aos atletas é enorme.

Time de handebol da FDRP/USP - Matheus é o número 7, acima. | Crédito: Reprodução Facebook
Time de handebol da FDRP/USP – Matheus é o número 7, acima. | Crédito: Reprodução Facebook

P: O curso de Direito é reputado como um dos mais exigentes pelo corpo discente e, especificamente na unidade da USP na qual você estudou, é integral nos dois primeiros anos. No que isso dificulta a vida de um estudante-atleta?

M: Como já dito na última pergunta, o próprio projeto pedagógico do curso é um verdadeiro desrespeito e uma prova maior de que a Universidade pouco se importa coma e extensão universitária. Com 32 horas-aula por semana, haja energia para que o aluno seja atleta. Haja força de vontade. Os treinos ocupam horário de estudo, os jogos ocorrem durante as madrugadas. Quem é atleta universitário, é porque a sensação de vestir o manto de sua faculdade é indescritível, a adrenalina e a emoção superam qualquer situação adversa criada por um sistema educacional antiquado e teimoso, que não tem interesse na criação de melhores seres humanos, e que se limita a vomitar teorias tentando criar profissionais de maneira incompleta. O que falta ao método brasileiro é perceber que o esporte não é suplementar ao ensino, mas que ambos são complementares.

P: Você foi presidente por um ano da Atlética num curso que recebe cem matrículas por ano – em comparação a 425 da FD-USP e quase mil no Mackenzie e PUC, outras universidades que integram os Jogos Juridicos Estaduais. Nesse sentido, qual foi a estratégia utilizada para combater esse “déficit” de material humano se comparado com as faculdades de São Paulo?

Antes de qualquer estratégia prática, é essencial destacarmos que dentro das quatro linhas, é sempre um time contra um time, 5 contra 5, 7 contra 7, 11 contra 11. Aí reside a beleza do esporte, dentro de quadra, de campo, são dois times iguais, e tudo pode acontecer.

A minha estratégia para combater esse déficit foi essencialmente emocional. Como não tinha possibilidades materiais de superar a demanda de atletas existente nas faculdades de maior porte, trabalhei na qualidade dos atletas e em seu emocional, a exemplo do excelente trabalho realizado pela Medicina-USP (Pinheiros), que, com muito menos material humano do que suas concorrentes, consegue ser um dos principais expoentes do desporto universitário brasileiro.

O objetivo maior era suprir todas as necessidades dos atletas, garantir a eles treinos de qualidade e incentivos diversos para treinar (haja vista a falta de incentivos diretos pela universidade). O trabalho emocional era realizado de maneira a mostrar que o tamanho da faculdade não era desculpa para resultados inferiores, no estilo “300 de Esparta”. Tivemos – e ainda estamos tendo – excelente respaldo com essa proposta.

Partida entre Direito USP/RP e Mackenzie, nos Jogos Jurídicos Estaduais 2013 | Crédito: Reprodução Facebook/Atlética Casa Sete
Partida entre Direito USP/RP e Mackenzie, nos Jogos Jurídicos Estaduais 2013 | Crédito: Reprodução Facebook/Atlética Casa Sete

P: O esporte universitário, por excelência, é de caráter amador. Assim, o maior estímulo ao atleta amador será justamente o amor pelo esporte ou pela instituição que representa. Nesses anos como pivô de handebol universitário, qual seria a primeira lembrança que você contaria para seus filhos?

M: Nunca me esquecerei de 2013, nos Jogos Jurídicos Estaduais, quando fomos, com 11 atletas, enfrentar o Mackenzie pelas semi-finais. Treinamos quatro vezes por semana durante todo o primeiro semestre, passamos semanas com treinamentos exclusivamente físicos, na areia. Sem férias, sem descanso, sempre focados em dar a eles um jogo parelho, em sairmos da partida de cabeça erguida.

Chegamos a ficar na frente do placar, mais de uma vez. Assustamos. Perdemos no detalhe, mas a superação daquele time é o que fica, a emoção da torcida e a dedicação daqueles 11 atletas, incansáveis, gigantes, é o que fica, é a memória que vou contar para meus filhos, na esperança de que eles sintam o mesmo quando também jogarem por suas faculdades.

[1] NR: Da cidade-sede dos jogos.

(Por Antony Curti)

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