Visita ao Esporte Clube Pinheiros

No Brasil, a fábrica esportiva é propriedade privada

Às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, é bom poder sentir de perto o suor dos atletas que estarão buscando o topo do pódio sob o Corcovado. A grande questão que fica: qual é o incentivo do poder público quanto a isso? Este foi o outro lado, nas entrelinhas, que pudemos refletir na visita ao Clube Pinheiros.

Notoriamente em outros países existe uma sistemática, uma rede esportiva arquitetada com o escopo dos resultados. Nos Estados Unidos a extensão universitária se faz presente com o esporte – coisa que no Brasil, como em entrevista publicada aqui no blog, está bem longe de acontecer. Seja uma universidade pública ou privada, o fomento ao esporte é intenso – não por acaso boa parte da delegação americana nos Jogos Pan-Americanos de Toronto em 2015 era composta por atletas universitários. O exemplo soviético, embora um tanto quanto caricato e torto, também é interessante de certa forma – sempre existiu um incentivo diretamente estatal para o esporte (embora esse incentivo por vezes fosse forçado e na forma de doping compulsório, como ainda sentido pela delegação russa na atualidade).

Equipe de judô do Esporte Clube Pinheiros treina em ginásio dedicado à modalidade | Crédito: Antony Curti
Equipe de judô do Esporte Clube Pinheiros treina em ginásio dedicado à modalidade | Crédito: Antony Curti

No Brasil… Bom, aqui a coisa é indireta. Na visita ao clube, ficou bem claro que existe a presença do Estado – através do “tirar o corpo da reta”. Explica-se; através da Lei de Incentivo ao Esporte – legislação criada como “resposta” à necessidade de sucesso olímpico ante a comunidade internacional – o Estado deixa de arrecadar um dado montante de impostos – estes, por sua vez, são direcionados pelo contribuinte diretamente a instituições de fomento esportivo. No caso, o Clube Pinheiros. A propaganda estava lá: placas lembrando da existência do programa – embora com a logomarca do Governo Federal apagada.

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Pista de atletismo do clube, com manutenção em dia (e perfeita). | Crédito: Antony Curti

Mas o que efetivamente estava lá?

Uma máquina privada com o esporte sendo a engrenagem e fim principal. Por meio desses incentivos fiscais – bem como de patrocínios de grandes empresas, como Sky3M e outras – o Clube Pinheiros tornou-se uma potência olímpica, guardadas as proporções. O que deveria ser objeto direto de incentivo estatal acaba operando de maneira liberal, indireta e privada no Brasil. Não que isto seja crítica ao clube – muito pelo contrário, é extremamente louvável que ao meio de uma Ditadura do Futebol exista um clube que negligencia a paixão nacional (insira outros clichês sobre o futebol aqui, caso quiser). No Pinheiros, existem equipes organizadas para todas as modalidades – menos para o esporte mais jogado no mundo.

Em outras palavras, enquanto você está assistindo um dos muitos milhares de programas esportivos comentando sobre o boato do jogador X indo para o Clube Y, outros tantos milhares de atletas estão treinando e molhando o chão de suor nas chamadas Modalidades Olímpicas. Judô, handebol, natação, atletismo – existe uma miríade de esportes que são fomentados no Pinheiros (e a bem da verdade, em outros tantos clubes). Efetivamente, como o próprio nome diz, é um Esporte Clube – e não um Futebol Clube. Na “conta olímpica”, o Pinheiros tem Gustavo Borges e César Cielo – conforme o site do clube.  E o Brasil?

Bom, só o destino poderá dizer – afinal, no estado das coisas, é difícil que nos tornemos um país de caráter “multiesportivo”. O esporte é amplamente negligenciado no Brasil pela característica do monopólio que vivemos. Da mesma forma que o monopólio econômico é prejudicial para o consumidor, o monopólio esportivo também o é para os consumidores – ou seja, para a torcida como um todo. Não é que o futebol seja chato – longe disso; a questão é que existem outros esportes tão legais quanto. O Pinheiros, nesse sentido, é uma ilha de “poliesportismo” que não existe no Brasil de forma institucionalizada (e por isso a necessidade de um incentivo estatal direto, num momento inicial).

Longe deste texto ter um caráter comunista/socialista/estatizador – não é o caso. Até porque o ideal seria, como dito, que o Estado criasse bases para o fomento – e num momento posterior a iniciativa privada injetaria investimentos. Com efeito, isso está longe de ser uma ideologia de esquerda. Em analogia, seria o mesmo realizado com os investimentos em indústrias de base que o Governo Vargas fez na década de 1930. Hoje praticamente todo esse parque é privado, embora um primeiro investimento seja estatal. No esporte a ideia pode ser aplicada de maneira análoga.

A Grã-Bretanha saltou de 19 (Pequim, 2008) para 29 (Londres, 2012) medalhas de ouro no espaço pré-sede-olímpica. Até onde o Brasil vai? Deste modo indireto, certamente não será longe. Quem sabe pelo menos a medalha de ouro no futebol masculino finalmente vem, não? Afinal, parece ser o que importa por aqui.

Por Antony Curti