Crônicas

O 1 na sala e no placar

Uma das muitas circunstâncias características de uma Copa do Mundo é a reunião em dia de jogo do Brasil. Seja um encontro entre amigos, um churrasco de família, uma ida à um barzinho, à praça. Qualquer espaço, marcado por uma coletividade de pessoas, é palco para ver a Seleção em ação. Ou também pode assistir sozinho, como foi no meu caso.

Solitariamente, assisti à estreia do Brasil na Copa da Rússia contra a Suíça. Neste final de semana, não voltei para a Aparecida, como faço costumeiramente. Fiquei em São Paulo, e, por acaso do destino, todos que dividem o apartamento comigo não estavam. Podia ter ido para qualquer lugar que tivesse um agrupamento em torno de uma TV ou telão, mas decidi ter essa experiência. Percebi que nunca tinha passado por isto.

Logo no pré-jogo, o que era exibido pela televisão era, além da chegada dos jogadores à Rostov, justamente a reunião coletiva de torcedores. Em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, repórteres acompanhavam as concentrações da massa brasileira. Sempre exaltando a animação, alegria e euforia da nossa torcida.

Estava sentado no sofá. O vento trazia pela janela o barulho na rua, nos prédios vizinhos. Antes mesmo da Seleção entrar em campo, os brasileiros já estavam comemorando. Copa do Mundo é sinônimo de clima de festa, não é mesmo?

Em casa, não seria diferente, já minha família iria se reunir para um churrasco na hora do jogo. Como mais de 200 quilômetros nos separavam, então mantinha-se o veredicto: sozinho.

Minutos antes dos jogadores adentrarem os gramados, eu estava inquieto. Com certeza, se estivesse reunido, também ficaria, mas não é a mesma sensação. A atmosfera é diferente, bastante diferente. Minha angústia aumentou ao ver os atletas no túnel, reunidos, prestes a entrar em campo. Finalmente, depois de três dias de competição, o Brasil iria jogar.

Assistir partidas de outras seleções não tem nenhuma semelhança com ver um jogo da Seleção. A atmosfera é diferente, completamente diferente. Parece não ter nenhuma responsabilidade, torcemos para os principais países perderem, mas, ante isso, esperamos uma bela exibição de futebol.

Quando o Brasil joga, espera-se exímia apresentação e resultado contundente. A Seleção precisa convencer, demonstrar seu futebol superior e triunfar com convicção. O país como um todo estava com altas expectativas para o torneio, esperando para confirmá-las em campo.

Assim que o capitão Marcelo pisou no gramado, ouvi fogos de artifício retumbando no céu. Era a contribuição de algum torcedor (ou grupo de torcedores) para com a equipe. Na hora do hino nacional, a grande parcela de brasileiros presente no estádio fizeram um coro e reforçaram o canto dos jogadores. Deram a contribuição deles.

Tite, que passara o cântico em silêncio, murmurou “Brasil” ao término do hino. Arrepiei. Antes de a bola rolar, mais fogos. O Brasil teve o pontapé inicial, e o estádio ecoou em uníssono a contagem regressiva para começar a partida. Quando Gabriel Jesus deu o primeiro toque para pôr a bola em jogo, se alguém ainda não estava em ritmo de Copa, aquele foi o momento da mudança.

Logo no começo, Marcelo estava fazendo jus à braçadeira e chamando a responsabilidade. Torcer é realmente muito diferente de assistir futebol: envolve emoção, sofrimento e paixão. Com o primeiro ataque da Suíça, isso ficou claro. A cada jogada que nossos adversários faziam, o perigo de gol era potencializado na minha cabeça, independente da real efetividade da jogada.

A postura ousada e provocativa do Neymar era bonita de se ver. Todos que estavam vendo o jogo se sentiram puxados quando um meio-campo suíço agarrou o menino pela camisa. Fiquei imaginando como seria a reação das pessoas (e a minha também) em um ambiente coletivo. Definitivamente, estar na companhia de outras pessoas faria total diferença na minha postura e modo de assistir ao jogo.

Os primeiros 10 minutos do confronto se passaram acelerados. Na primeira chance de gol do Brasil, protagonizada por Paulinho, me animei com a partida. Percebi que estivera muito quieto, totalmente o oposto se estivesse reunido em algum lugar. Meu grito pelo quase gol seria amplificado pelo de outros.

A pressão e o controle de jogo da Seleção eram envolventes. Neymar já estava abusado e sendo caçado, e Marcelo estava deslizando no campo. Depois de uma bola cruzada para a área suíça e afastada por um defensor, veio o primeiro dos momentos mais aguardados pelos brasileiros. Em um chutaço de fora da área, Philippe Coutinho guardou o primeiro gol do Brasil na Copa.

Não preciso nem comentar que minha euforia e comemoração seriam diferentes em outra situação, né? Dei o abraço característico depois de um gol na almofada que estava do meu lado. À frente no placar, o cenário parecia perfeito: Argentina tinha empatado no dia anterior, e a Alemanha, uma hora antes, tinha sido derrotada pelo México.

Mais fogos de artifício fizeram minha mente imaginar como meus conhecidos estavam naquele momento de ânimo geral. O canto da tradicional música “O Campeão Voltou” no estádio figurava a felicidade da torcida brasileira com o início da campanha. Casemiro estava tendo uma atuação impecável, e o resultado parecia promissor. Mesmo assim, qualquer possível acontecimento com o Neymar era motivo de preocupação.

Além das investidas contra o atacante em campo, a baixa umidade também era um perigo à ele. Tenho certeza de que essa preocupação de, por qualquer motivo, não contar com a estrela do time novamente, era generalizada. Entretanto, devido à situação, estava compartilhando esse pensamento apenas comigo mesmo.

Depois do gol, a partida ficou morna, com a Suíça subindo a marcação e começando a equiparar-se no jogo. O primeiro tempo acabou e decidi fazer uma pipoca para aumentar a minha lista de companhias.

Mal começada a segunda etapa, veio o lance que deixou tudo em silêncio. Não só a minha sala (que já não estava com muitos sons), como todos os ambientes que estivessem transmitindo os jogos. Como será que o gol da Suíça tinha sido recebido nos outros lugares? Fiquei conjecturando os possíveis efeitos nas infinitas reuniões pelo Brasil.

Nenhum fogo de artifício estrondou no céu quando igualaram o placar, aos cinco minutos. Sozinho, só escutava o barulho da minha mastigação. Em campo, os jogadores tentavam fazer com que o árbitro olhasse para o telão, que mostrava o lance e o empurrão do atacante suíço em Miranda. Fiquei imaginando todos os espectadores apontando, juntos, para fazer com que o juiz revisse o lance.

Eu, uma única pessoa, nem tentei me juntar à esse propósito. Que força teria?

O empate – e principalmente a ideia dele realmente se concretizar – estava me angustiando. E, aparentemente, também os jogadores. A Suíça começou a jogar de igual para igual e anular a criação do Brasil. Fiquei pensando em como estaria o clima do churrasco da minha família. Ou dos meus amigos que estavam reunidos. Ou de qualquer local, recinto ou lugar.

A postura do árbitro de não consultar o VAR (ou do árbitro de vídeo de não notificar a falta) foi na direção contrária do que se via nos outros jogos. E não apenas no momento do gol, como também em pênalti não marcado em Gabriel Jesus.

Sem dúvida, minha indignação com o fato seria diferente, comentando e adicionando minha revolta à coletiva. Sozinho, minha reclamação parecia branda, um tanto quanto debilitada e vacilante.

Apesar dos 40 minutos, mais acréscimos, que a Seleção ainda tinha para buscar a vitória, o caminho para o segundo gol não veio. Em casa, comecei a me exaltar, assistir de pé e perdi a conta de quantas vezes quase gritei gol do brasil e lamentei as chances perdidas (na verdade, foram 5 vezes, no mínimo).

As principais peças do Brasil tiveram uma atuação pouco efetiva e muito apagada na segunda etapa. O nervosismo e a aflição começaram a ganhar forças. Se sozinho já estava bastante abalado, imagina em um ambiente coletivo, naturalmente marcado por muitos sons, pairado no silêncio quase absoluto da espera por um gol. E que só era preenchido por barulho quando, em massa, os torcedores lamentavam mais uma tentativa de gol em vão.

Assim como os jogadores, terminei a partida com as mãos na cabeça. O Brasil esteve longe de uma boa atuação. Não brilhou, não resolveu, mas também não jogou a ponto de ficar com o empate. A sensação de injustiça ficou presente no estádio e em todos os pontos de reunião (e no meu apartamento também). Em maior ou menor escala, mas deixando um gosto azedo nas gargantas dos milhões de torcedores brasileiros.

O início da trajetória do hexa teve essa conturbação. Muito do desânimo com o resultado é herança da Copa passada. Advém do medo de, novamente, a Seleção não jogar conforme as expectativas. O Brasil sempre depositou todas as suas expectativas na Seleção, e o receio delas irem por água abaixo mais uma vez ficou estampado na cara dos torcedores após o jogo.

Assistir à um jogo do Brasil na Copa do Mundo, sozinho, não é apenas solitário. Devido às proporções da competição, e da atmosfera que ela cria, não testemunhar a partida inserido num grupo de pessoas parece ter um efeito muito mais retraído do que reservado.

A Copa do mundo tem a particularidade de reunir pessoas. Assemelha-se à outras festas e eventos nacionais em que a confraternização é tida como intrínseca. Do universo futebolístico, é o de maior expressão mundial.

O único gol marcado pela Seleção se assemelhava à única pessoa presente na minha sala. Em meio à minha solidão, que bom seria se realmente estivesse sozinho. Não contente com a minha situação, a Suíça decidiu marcar um também, e deixar o placar acompanhado. Tudo conspirava para, do todo, eu fosse o único só. A quantidade de pontos que o Brasil ganhou se assemelhava ao meu status: 1.

Deste primeiro jogo, não fiquei com uma má impressão da equipe. Mesmo com a atuação discreta. A trajetória da sexta estrela no uniforme canarinho, para mim, permanece da mesma forma: iminente. Só espero que, assim como um futebol contagioso e vitórias da Seleção, não tenha que repetir essa experiência de assistir sozinho.

Quero me unir à multidão de torcedores brasileiros, sentir que faço parte da futura conquista e que estou colaborando para trazer a Jules Rimet para território nacional. E eu não posso fazer isso sozinho (assim como o Neymar também). Talvez este tenha sido o retrato que confirme que futebol é, realmente, um jogo coletivo.

André Martins Gonçalves

Pesquisador PROCAD USP-UFMS-UFRN em Iniciação Científica

Título: Crônicas Esportivas - A Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Rússia 2018