Crônicas

Presságio

A subjetividade da percepção de tempo é um elemento que desperta significativamente a minha curiosidade. Fico impressionado como minha reação muda e é completamente diferente para o mesmo intervalo de tempo em situações distintas. 90 minutos podem, dependendo do seu grau de imersão, demorar uma eternidade ou transcorrer em um intervalo de dois apitos sem você nem perceber.

Realmente, intervalo. Praticamente não notei o cronômetro correndo na primeira etapa do confronto com a Sérvia. Quando me atentei ao marcador, já tinham se transcorrido 43 minutos. Quando olhei de novo, estava no intervalo. As outras duas partidas já tinham passado rápido, mas não tanto quanto esta. Dizem que quando o jogo é bom, o tempo voa.

Só que o motivo pelo qual estou escrevendo não é o tempo que passa depressa. É justamente o contrário. O problema foi 5 segundos. Cinco míseros segundos, que, na infinidade da sua duração, prenunciava toda a emoção que qualquer jogada pudesse ter. E até das que efetivamente não eram lá essas coisas, mas que pelo embalo do ato de torcer, aludiam à algum feitio notório na partida.

Os prédios vizinhos ao do apartamento em que estava aparentavam estar todos avançados. Com as televisões alinhadas, bradavam em uníssono as exclamações e clamores característicos de torcedores. Enquanto eu e meus amigos acompanhávamos esses estrépitos, pressagiando todo o espetáculo que estávamos assistindo com retardo.

Se tem uma situação na qual me sinto impotente, é quando a transmissão está atrasada. Não é nem quando meu time não consegue marcar o gol, na pressão do adversário ou na disputa de pênaltis. É quando eu fico esperando pela emoção que foi roubada de mim, furtada pelo prenúncio da iminência do gol das gargantas de outros torcedores.

A última partida da Seleção pela fase de grupos começou assim. Logo nos primeiros minutos, com as oportunidades iniciais da Seleção, as manifestações sonoras me adiantavam o suspense do confronto. O anfitrião comprovou: “Alguns jogos são assim mesmo”. Cinco segundos antes do passe, do drible ou do chute, já me indicavam que alguma coisa iria acontecer.

Isso sem falar de quando eram sucessivas chances de gol. Ouvia os primeiros gritos, enquanto na televisão nada ainda estava acontecendo. Cinco segundos de aguardo. Quando chegava no lance propriamente enunciado, outro alarido, de um lance diferente. Mais cinco segundos até ver a nova jogada antevista. Esse tipo de espera, para mim, é angustiante.

Difere-se completamente da ansiedade característica de partidas de futebol. Porque rouba o elemento surpresa, a magicidade do momento do gol, o espetacular de uma jogada singular. Por 35 minutos, foi assim. No meio de qualquer lance exibido na televisão que estava assistindo, gritos eufóricos me avisavam da iminência de uma chance de gol.

Não parecia que estava tendo a experiência de assistir ao jogo, e sim de estarem contando os acontecimentos pra mim. Só que não é a mesma coisa de quando te envolvem na narrativa, como na narração pelo rádio por exemplo. Nesta, você está munido da sua imaginação. Com o locutor potencializando todas as jogadas, claro, mas com você recriando a partida em sua mente.

E não com os olhos fixos no televisor, desiludidos por já saber que algo vai acontecer. Por 35 minutos, foi assim. Tanto é que, no gol de Paulinho, ante à clara chance de gol, pensei que não fosse se efetivar o tento. Afinal, ninguém tinha comemorado antes. Não tinham me adiantando a felicidade do Brasil inaugurar o placar.

No que vi a bola entrando, esqueci completamente desta infeliz questão. Qual a importância de cinco segundo em relação à um gol do Brasil? Após normalizado o coração, comentei com meus amigos que estava surpreso com a “surpresa” do gol. O que teria acontecido para não prenunciarem aquele que é um dos dois momentos mais comemorado da partida?

Eu estava lidando com um paradoxo muito peculiar: ao mesmo tempo em que os cinco segundos me torturavam e se delongavam, o jogo parecia estar passando muito rápido. Subitamente, saiu o gol. Tão veloz, veio o intervalo. Mais acelerado ainda, o segundo gol. Nesta hora, o atraso de cinco segundos foi na minha cabeça.

Além de estar esperando o “sinal” que me atormentava desde o começo da partida, achei que a bola tivesse ido para fora. Por isso o meu espanto quando todos os jogadores do Brasil começaram a comemorar após a cabeçada de Thiago Silva. Foi o gol menos parecido com um gol que eu já assisti.

Bem naquela hora, eu percebi. Não apenas entendi que definitivamente estava 2 a 0 para a Seleção, mas que a transmissão não estava de fato atrasada. A partir dos 22 minutos do segundo tempo, com o resultado já garantido, fiquei atento para confirmar a minha hipótese.

No final, o “aviso” característico daquele jogo se mostrou não passar de demonstrações de torcedores muito animados e um tanto quanto adiantados. Provavelmente, por desejarem e ansiarem por um gol logo no início da partida, se exaltavam precocemente. Quem não quer ver o Brasil ganhando já nos primeiros minutos? E eu, também preliminarmente, acreditei no atraso da televisão. Acontece.

André Martins Gonçalves

Pesquisador PROCAD USP-UFMS-UFRN em Iniciação Científica

Título: Crônicas Esportivas - A Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Rússia 2018