COLUNA DO MEIOCrônicas

Os Cerveira, a Lis e as amizades

Por Luciano Victor Barros Maluly

Quando cheguei em Londrina, no primeiro semestre de 1991, meu principal objetivo era ser aprovado no vestibular para Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, na Universidade Estadual de Londrina. Para isso, fui direto fazer a matrícula no cursinho preparatório do antigo Colégio Delta, uma exigência da minha mãe Maria Aparecida (Dona Cidinha) e do meu pai, Jorge.

As nossas referências em relação à instituição eram excelentes, pois minha irmã Christiane já tinha frequentado esse mesmo cursinho, com aprovação imediata no curso de medicina na Universidade de Vassouras (RJ), ligada à tradicional Fundação Educacional Severino Sombra.

Nesse período, tive o apoio de amigos conterrâneos da Estância Turística de Piraju (SP), que estavam tentando a vida na cidade grande, seja nos estudos, seja no trabalho.

Willian Vítor de Souza e Paulo Henrique Araújo sempre me recebiam de braços abertos na república montada em um apartamento localizado na Rua Hugo Cabral, bem próximo da Avenida Paraná.

Rogério Sanches Campanelli morava lá e sempre foi meu brother de coração, sendo que, depois de um ano, fomos montar a nossa república.

Meu primão Fábio Morini sempre vinha me visitar, especialmente aos domingos, quando nos buscava (a mim e ao Rogério) de moto para o almoço. Uma divertida e perigosa aventura a três.

Morava num quarto na Pensão da Dona Otila e do Seu Sílvio na Rua Sergipe, com o gentleman Fernando Ferreira e na companhia do seu inseparável fusca azul. Foi ali que conheci Seu Guilherme, uma pessoa extraordinária, com ótimos conselhos diante do meu futuro.

Logo depois, na busca por uma nova moradia, eu e Rogério perambulamos por alguns lugares até chegarmos ao Edifício Batistella e Policastro, na Rua Belo Horizonte.

Nosso prédio estava localizado bem perto da Avenida Quintino Bocaiuva, onde ficava a Panificadora e Confeitaria Lis, recém adquirida por uma tradicional família pirajuense, os Cerveira.

Uma das primeiras ações deles foi a contratação do meu parça, Rogério, como homem de confiança. Ganda, como o chamamos carinhosamente, logo virou herói do bairro. Nos primeiros dias de trabalho, foi abastecer a Kombi da Lis no posto de gasolina que ficava em frente à panificadora. De repente, o motor começou a pegar fogo e todos saíram correndo, menos ele que, calmamente, pegou o extintor e apagou o fogo. Saiu aplaudido.

Rogério Campanelli e a Kombi da Lis

Augusto (Neto), Maria Helena (Mari), Maria Angélica (Keka), Arnaldo, Maria Luísa (Isa) e José Luiz me acolheram com um filho e serei eternamente agradecido por tudo o que fizeram por mim nesses quase cinco anos de estadia em Londrina.

Também morava ali perto a nossa amiga Daniélle Guereta que sempre frequentava a Lis para compras e um bom papo.

Nossos encontros, especialmente nos finais de semana, concentravam-se na Lis e os mais divertidos eram recheados de espetáculos esportivos. Neto passava seu tempo entre o duro trabalho e as conversas com os frequentadores. Certo dia, apareceu um sujeito dizendo que era o Pagão, ex-jogador do Santos. Ficou na Lis bebendo, comendo e contando histórias. Cheguei no outro dia e perguntei ao Neto: E o Pagão? A resposta:

– Nem sei se era o Pagão, mas ele não pagou nada e tem uma conta gigante o esperando.

Rimos, mas o novo comandante da Lis ficou mais “esperto”.

Junto com o Zé Luiz e os demais frequentadores e funcionários da Lis, comemoramos os dois títulos da Copa Libertadores da América e da Copa Intercontinental, mais conhecida como Mundial Interclubes, do São Paulo Futebol Clube, em 1992 e 1993, e choramos a morte de Ayrton Senna, em 1994.

Torcíamos por times diferentes, sendo eu pontepretano, Zé Luiz são-paulino e Neto e Rogério corintianos. Como meu time não ganha títulos, deixava as rixas e brincadeiras aos demais torcedores.

Se o nosso mundo esportivo girava em torno da Lis, a cervejinha ficava, geralmente, para outros locais, ou melhor, para as “sucursais” da vida, pois trabalho e diversão não se misturam.

Foi um período muito especial, marcado por um questionamento do Neto Cerveira logo no início do meu curso de Jornalismo:

– Vai ser repórter de guerra?

Minha resposta foi simples e direta:

– Lutarei, com todas as minhas forças, pelo jornalismo esportivo.

Descobri com os Cerveira e com a Panificadora e Confeitaria Lis que o mundo é feito de anjos que nos protegem e, por conseguinte, mostram o caminho da felicidade.

PS: Uma boa parte dos protagonistas desta crônica estudou na Universidade Estadual de Londrina (UEL), mostrando o valor de uma das melhores instituições de ensino superior do Brasil: Daniélle Guereta (Letras), José Luiz Cerveira Filho (Ciências Sociais), Paulo Henrique Araújo (Administração de Empresas), Rogério Sanches Campanelli (Economia), Willian Vítor de Souza (Engenharia Civil) e este autor (Jornalismo)

Luciano Victor Barros Maluly é professor de Jornalismo na Universidade de São Paulo. E-mail: lumaluly@usp.br