A história (quase) esquecida de Horácio Baby Barioni – Parte 3: O Cronista
Por Gustavo Longo
Horácio Baby Barioni foi um atleta de respeito no cenário paulistano entre as décadas de 1920 e 1930. Entretanto, viver profissionalmente do esporte não era uma opção a quem se dedicava a praticá-lo naquela época. O amadorismo era a característica principal, obrigando os atletas a buscarem outras fontes de renda para se manterem enquanto treinavam e competiam.
Dessa forma, o jornalismo esportivo se revelou uma alternativa interessante a esta pessoas, que podiam escrever sobre suas modalidades nos principais jornais, que aumentavam cada vez mais o espaço dado aos eventos esportivos. Foi o que aconteceu com ele. Ao mesmo tempo em que competia nas pistas e quadras, ele também atuou como cronista esportivo, sendo um dos pioneiros neste ofício na cidade de São Paulo
Esta é a terceira parte do especial sobre Baby Barioni que o site Jornalismo Esportivo ECA/USP está desenvolvendo. Nas duas semanas anteriores você conheceu a história como combatente da Revolução Constitucionalista de 1932 e sua trajetória como atleta amador, principalmente no Basquete. A série, que resgata a biografia do responsável pela maior competição poliesportiva da América Latina, ainda vai contar com mais um relatos na próxima semana.
Era um recurso comum no início do século 20 e que auxiliou na divulgação de atividades que eram completamente estranhas à população. A grande maioria dos competidores, dirigentes e sócios dos clubes estabeleceram uma relação de proximidade com jornalistas, fornecendo informações de interesse a suas agremiações ou, em certos casos, eles próprios atuando como cronistas devido à influência que possuíam na sociedade da época. Como explica o jornalista André Ribeiro (2007, p. 25) sobre a consolidação do futebol nos meios de comunicação, “as redações não estavam preparadas para esse novo tema”.
Há poucas reportagens assinadas em nome de Baby Barioni, mas seu trabalho como jornalista não passou imune aos meios de comunicação da massa. Principalmente pelo seu interesse em participar e organizar eventos atléticos destinados aos profissionais da imprensa e pela tentativa de criar uma associação para os jornalistas esportivos muito antes do surgimento da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (ACEESP), em 1941.
É o caso do registro do jornal A Gazeta, de 1925, logo após a realização do evento Esportistas da Penna pelo veículo em questão. Baby era um dos integrantes que desejavam expandir a união da crônica esportiva da época. “Cogita-se nos meios dos chronistas de esporte, na fundação de uma sociedade exclusivamente constituída de elementos da imprensa. A sociedade em questão praticará todos os esportes, excluindo apenas o futebol. O novo gremio prestes a fundar-se terá o concurso dos srs. (…) Horácio Barioni, do ‘Diário da Noite’” (grafia da época).
Sabe-se que Horácio Barioni trabalhou como cronista no Diário da Noite entre 1925 e 1927, escrevendo sobre vários esportes, principalmente o basquete, sua grande paixão. Já em 1928, passou a trabalhar para o Diário Nacional, atuando não apenas na crônica esportiva, mas em outras editorias e funções dentro da empresa.
Porém, sua atuação como atleta também o fez escrever e dar depoimentos a outros meios de comunicação da época. Em 1926, foi o responsável em noticiar ao jornal A Gazeta a vitória da seleção paulista no Campeonato Brasileiro interestadual de basquete na edição de 20 de outubro. “Como se vê – continuou Baby Barioni – a victoria paulista no nacional de 1926 foi grandiosa e digna de figurar com letras de ouro no glorioso archivo esportivo paulista” (grafia da época).
Não há maiores informações que explicam a predileção de Horácio Barioni pela crônica esportiva. Contudo, é possível afirmar que herdou da família o apreço pela educação e pelas artes. Um de seus irmãos mais velhos era Walther Barioni, advogado e destacado educador, com passagem em diversas escolas do estado de São Paulo e patrono da Cadeira nº 40 da Associação Paulista de Psicologia. Ele também foi um dos incentivadores da Semana de Arte Moderna de 1922, de acordo com o perfil escrito pelo psicólogo Nelson Campos Pires (2003).
No meio dessa efervescência, Baby revelou-se um ótimo desenhista, habilidade que adquiriu na infância. De acordo com sua filha Edna Barioni, “era uma atividade de toda a família que ele sempre valorizou e, inclusive, passou para mim e meus primos”.
Ele fazia ilustrações e desenhava até fachadas para estabelecimentos comerciais, como mostra o registro feito no jornal Correio de São Paulo sobre a Casa Bueno, de Rio Preto, em 6 de junho de 1936. “Com fachada decorada pelo desenhista Baby Barioni, com suas vitrines artisticamente arrumadas por um vitrinista de renome, é uma prova eloquente do fino gosto de seus proprietários” (grafia da época).
A atuação como desenhista o fez providenciar de próprio punho os cartazes de divulgação das primeiras edições dos Jogos Abertos do Interior, um “trabalho do veterano Baby Barioni, o constante animador do certamen” (grafia da época), como mostra a revista Sport Ilustrado, do Rio de Janeiro, em 1939. Para auxiliar na divulgação do evento, também criou o almanaque oficial, que circulava anualmente e trazia resultados e fotos da edição. Ele patenteou o projeto e fez disso seu empreendimento até os últimos anos de sua vida.
Sua atuação como cronista diminuiu a partir da década de 1930. Com a profissionalização do futebol, em 1933, e a consolidação do rádio nas transmissões esportivas na mesma década, o jornalismo esportivo enquanto campo de trabalho conquistou maior espaço, permitindo aos repórteres atuarem com exclusividade nesta editoria e adotarem novas técnicas de registro dos acontecimentos. Entretanto, essa interdependência entre os jornalistas, atletas e dirigentes continuou ao longo das décadas, influenciando diretamente o processo de produção da notícia esportiva, segundo dissertação do jornalista e pesquisador Ouhydes João Augusto da Fonseca (1981).
Tanto que Horácio Barioni prosseguiu com colaborações em colunas nos principais jornais, sobretudo quando buscava defender algum ponto de vista, ou até mesmo com entrevistas após visitas às redações. Na década de 1940, chegou a escrever uma série de colunas contra a Lei 3.199 de 1941, que criou o Conselho Nacional de Desporto, no Diário da Noite, o primeiro jornal em que trabalhou.
Na edição de 10 de janeiro de 1946, o veículo justifica o espaço dado a seu antigo colaborador. “O nome de Baby Barioni como cronista esportivo, mentor e estudioso dos nossos assuntos esportivos não carece de apresentação. Nestas mesmas colunas, através de colaborações das mais interessantes ele se tem revelado uma autoridade no assunto”.
Também contou com a imprensa para realizar um empreendimento literário: escrever um livro sobre o basquete paulista em 1934. A obra “Coisas do Cestobol” buscava trazer todos os relatos estatísticos, perfis de atletas e fotografias da primeira década do basquete no estado de São Paulo, entre 1923 e 1933.
Ele fez um apelo por meio dos jornais para contar com a cooperação de dirigentes, competidores e adeptos do esporte, conforme a nota divulgada no Correio de São Paulo de 22 de junho de 1934: “Baby Barioni espera que todos os cestobolistas comprehendam o alcance deste trabalho, contando desde já com o auxílio desses mesmos moços”.
Curiosamente, sua última grande cobertura jornalística, por assim dizer, foi longe das arenas esportivas e dentro das trincheiras, atuando como correspondente de guerra do jornal A Gazeta durante a Revolução Constitucionalista de 1932. O evento histórico também pôs um ponto final na sua carreira de atleta amador. A partir dali, ele resolveu colocar em prática um sonho antigo: promover modalidades esportivas em diferentes regiões do país. O caminho que levaria a criação dos Jogos Abertos do Interior finalmente foi traçado.
Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP