A história (quase) esquecida de Horácio Baby Barioni – Parte 4: O Cartola
Por Gustavo Longo
A Revolução Constitucionalista chegou ao fim em outubro de 1932 e pôs um ponto final na carreira de atleta de Horácio Baby Barioni, mas não o afastou do esporte. Pelo contrário, ele resolveu iniciar uma nova caminhada pela qual seria nacionalmente conhecido e marcaria seu legado para sempre: promotor de competições e eventos esportivos.
Após o fim do combate, ele fez suas últimas partidas como pivô da equipe de basquete do Palestra Italia – conquistou o primeiro torneio estadual paulista naquele ano. Contudo, como a modalidade estava em profunda transformação e expansão no país, ele achou que era hora de auxiliar nos bastidores para estimular a prática em diferentes cidades.
Esta é a quarta e última parte do especial sobre Baby Barioni que o site Jornalismo Esportivo ECA/USP desenvolveu. Nas semanas anteriores, você conheceu a história dele como combatente da Revolução Constitucionalista de 1932, atleta amador e cronista esportivo. Dessa forma, a série buscou resgatar a biografia do responsável pela maior competição poliesportiva da América Latina.
A partir de 1933, Baby Barioni passou a viajar mais pelo interior do estado, seja atuando como árbitro em partidas de basquete pela Federação Paulista de Bola ao Cesto ou como convidado para falar sobre a modalidade em inaugurações de quadras e clubes. Ele era considerado um dos principais precursores desse esporte em São Paulo e reconhecidamente referência no assunto.
Cada visita a municípios menores e distantes da capital paulista o instigava a realizar um sonho que possuía desde 1927: criar uma competição aberta interiorana para estimular a prática esportiva e a troca de conhecimento entre os atletas amadores dessas localidades. É o que afirma o próprio Baby em crônica publicada no jornal Diário da Noite, de 11 de março de 1946:
“Estamos em 1927 e voltávamos do 2º Campeonato Nacional de Cestobol. Éramos igualmente cronista esportivo e, pelas colunas do ‘Diário Nacional’, mantínhamos uma secção de informes por meio da qual, certa vez, esportistas de Campinas solicitavam a nossa colaboração para a construção de uma quadra de cestobol (…) O interior já estava fanatizado pelo ‘esporte-rei’ e começava, igualmente, dar os primeiros passos nos chamados então ‘pequenos esportes’, como eram conhecidas as modalidades de cestobol, atletismo e natação. Postos à disposição do Campineiro os nossos conhecimentos, fizemos mais: para a inauguração da referida quadra, levamos para Campinas todos os componentes da seleção paulista, da qual fazíamos parte, para dar uma demonstração do nosso esporte. O entusiasmo que o ‘quinteto’ despertou naquela ocasião em Campinas pareceu-nos que, tão logo, assim como os demais esportes se orientados diferentemente haveriam de tomar grande impulso no interior, onde, a nosso ver, pululavam centenas de cidades em condições de poder proporcionar aos seus habitantes a prática de vários esportes além do futebol, já perfeitamente familiarizado em todo o nosso interior”.
A ideia, porém, encontrou resistência. Horácio Barioni tentou a todo custo envolver entidades esportivas da cidade de São Paulo na organização de um evento neste sentido. Não funcionou. Por motivos diversos, nenhuma organização se mostrava disposta a patrocinar uma competição aberta de basquete.
A última tentativa foi em março de 1936 com Miguel Panzoni, então presidente da Federação Paulista de Bola ao Cesto, mas as conversas não foram adiante. Prosseguiu a explicação na já citada crônica no Diário da Noite: “tudo quanto sugeríamos nas entidades metropolitanas em benefício dos esportes interioranos era considerado, oficialmente, ‘mais uma loucura do Baby’”.
Foi um caso de amor à primeira vista que mudou tudo.
Baby Barioni estava de passagem em Monte Alto para São José do Rio Preto quando conheceu Esther Ferreira, uma jovem de Jaboticabal (cidade vizinha). Se apaixonou no mesmo instante e a vontade de saber mais sobre aquela moça o fez perder o trem para seu destino. “Meu pai acabou ficando mais tempo em Monte Alto porque queria conhecer minha mãe”, explica Edna Barioni.
Obrigado a pernoitar na pequena cidade interiorana, resolveu apitar um jogo de basquete – e lá conheceu Manoel Carvalho de Lima, então presidente da Associação Atlética Montealtense. Comentou seu projeto ao dirigente, que logo gostou da proposta de realizar um torneio aberto a todas as cidades interioranas e o estimulou a realizar ainda em 1936.
Enquanto Carvalho de Lima mobilizava a Câmara Municipal de Monte Alto para obter recursos financeiros para o futuro evento, Horácio Barioni escreveu, de próprio punho, ofícios para prefeituras de diversos municípios do interior do país convidando para uma competição aberta de Bola ao Cesto. Cinco aceitaram: Franca, Mirassol, Olímpia e Piracicaba, todas de São Paulo, e Uberlândia, de Minas Gerais. Ao lado de Monte Alto, elas realizaram o primeiro Campeonato Aberto do Interior de Bola ao Cesto em dezembro de 1936.
O sucesso na empreitada o fez planejar a segunda edição em 1937. Inicialmente programado para Casa Branca, o Campeonato Aberto do Interior foi realizado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro (única vez em que foi realizado fora do estado de São Paulo). Além do basquete, houve a estreia de natação – o que levou à participação de Maria Lenk, já estrela do esporte brasileiro presente nos Jogos Olímpicos de 1932 e 1936.
O evento definitivamente caiu no gosto das cidades interioranas. Em 1938, Baby Barioni levou a competição para Sorocaba e conseguiu incluir provas de pedestrianismo (corridas de rua no atletismo), outra grande paixão. Em 1939, o Departamento de Educação Física e Esporte (DEFE), vinculado ao Governo de São Paulo, resolveu assumir a organização a partir daquele ano, em Campinas. Em 1940, Baby Barioni seguiu na organização, agora em São Carlos.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a entrada do governo estadual deu a estrutura necessária para suportar o crescimento do evento, Baby Barioni entrou em rota de colisão com as autoridades políticas. Os dois lados começaram a discordar sobre a melhor estratégia de participação das cidades. O poder público queria impor regras classificatórias, mas Baby Barioni tinha outros planos. “Meu pai queria que fosse uma festa grandiosa, que todos pudessem ter a chance de participar”, comenta Edna.
Dessa forma, a partir de 1941, Barioni se afastou da organização dos Jogos Abertos do Interior, não sem guardar mágoas. Ele retornou somente em 1943, 1944, 1956, 1957 e 1958 a pedido das próprias cidades organizadoras. Neste período, chegou a participar da competição como membro da comissão técnica de delegações. Em 1941, por exemplo, foi técnico de atletismo de São Carlos. Também esteve à frente de equipes de basquete em Olímpia, Sorocaba e Botucatu em diferentes oportunidades. Também se dedicou ao Almanaque dos Jogos Abertos e à publicidade da competição, projeto que ele iniciou ainda nas primeiras edições.
Aproveitou para viajar mais pelo país na promoção do basquete e de eventos esportivos, como torneios regionais em Minas Gerais e no Paraná entre os anos 1940 e 1950. Na década de 50, foi um dos promotores dos tours que o Harlem Globetrotters, famoso conjunto norte-americano que combina basquete com acrobacias, fez pelo estado de São Paulo.
Para compensar a frustração com sua ausência na organização dos Jogos Abertos do Interior, passou a estimular diversas competições ao longo da década de 1950. Criou, por exemplo, os Jogos do Obelisco, uma homenagem aos fundadores dos Jogos Abertos do Interior. Também auxiliou no desenvolvimento dos Jogos Abertos da Araraquarense, que deram origem aos Jogos Regionais (curiosamente um evento classificatório aos Jogos Abertos atualmente). Foi incentivador para a criação dos Jogos Abertos do Paraná, em 1957, e de Santa Catarina, em 1960, além de iniciativas semelhantes em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Propôs a criação dos Jogos Abertos Universitários. Nos últimos anos de sua vida, organizava eventos de automobilismo em Piracicaba.
Defendia a criação de uma organização esportiva interiorana para representar os interesses dessas cidades. Chegou a divulgar a ideia em 1938, mas a Lei 3.199 de 1941, que criou o Conselho Nacional de Desporto e obrigou a instituição de uma única federação esportiva estadual para desenvolver modalidades amadoras, implodiu a iniciativa. Discute Baby Barioni no Diário da Noite de 13 de fevereiro de 1946:
“Não tardará o dia em que, do interior, se levantará a voz para mostrar aos nossos legisladores de meia tigela que leis esportivas não se fazem de acordo com as ambições pessoais de uns trinta ‘hitleres’ e ‘mussolinis’ improvisados, mas sim obedecendo o imperativo do meio: e o interior reclama a fundação de suas entidades independentes”.
Baby Barioni não conseguiu realizar esse sonho. Hipertenso, morreu inesperadamente em 6 de novembro de 1967 devido a problemas cardíacos. “Ele passou mal de madrugada. Muitos pensavam que ele tinha morrido em acidente de carro por viajar tanto”, comenta a filha Edna. Além dela, deixou a viúva Esther Ferreira Barioni e a filha mais velha Aurea Magda (fruto de um relacionamento quando ainda era solteiro).
Um mês antes, ele tinha recebido a notícia de que seria o organizador dos Jogos Abertos do Interior de 1968, numa tentativa de reaproximação entre as autoridades políticas estaduais e o grande idealizador do evento. Não teve tempo.
Hoje, Horácio Baby Barioni tornou-se mais um ilustre desconhecido na memória esportiva nacional. Empresta seu nome à competição que criou e a um centro esportivo na capital paulista (fechado para reforma há longos seis anos). Ainda assim, foi por meio dos esforços do atleta, dirigente, cronista e combatente que muitos campeões olímpicos e mundiais puderam dar seus primeiros passos no Brasil.
Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP