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Por que falta memória ao jornalismo esportivo brasileiro?

Por Gustavo Longo

Recentemente, acompanhei com interesse as discussões nas redes sociais sobre monumentos históricos dedicados a personagens, no mínimo, contraditórios. Um grupo por aqui queria dar à estátua de Borba Gato, na capital paulista, o mesmo destino das esculturas de Edward Colston, mercador de escravos em Bristol (Reino Unido), e de Leopoldo 2º, rei belga responsável pelo extermínio de congoleses. Ou seja: o desmoronamento.

Não é o intuito se aprofundar no debate sobre a importância de tais monumentos para a história. Contudo, esta questão é significativa para mostrar a nós, cidadãos, que a História (com H maiúsculo) é um sistema vivo que não depende só do passado, mas que pode se ressignificar continuamente no presente.

O assunto veio a minha mente após assistir à live do Grupo de Pesquisa “Comunicação e Esporte”, do Intercom, no dia 23 de junho. Fiz uma pergunta aos debatedores: o que falta ao jornalismo esportivo para compreender as utopias e distopias do esporte? O colega pesquisador Rafael Venancio, também colunista do Jornalismo Esportivo ECA/USP, respondeu de forma direta: falta memória.

Sim, é preciso reconhecer: falta memória a nós, jornalistas esportivos.

No caso, não se trata de lembrar que há 10, 20 ou 30 anos houve a conquista de um título ou uma grande vitória. Não! Isso os meios de comunicação souberam explorar bem com a pandemia de covid-19 e as inúmeras reprises de eventos e matérias.

Memória, nesse caso, é o conhecimento necessário para ir além do campo de jogo e construir um imaginário em torno do assunto. É compreender as nuances que envolvem a prática esportiva e a vida dos atletas. É necessário saber que o resultado é o ponto final de uma caminhada de meses, anos e décadas.

O vôlei brasileiro multicampeão celebrado pelos mais jovens neste século só existe porque antes existiram gerações que lutavam para fazer o esporte ganhar mais espaço por aqui. Se ainda hoje o Brasil possui destaque no Salto Triplo do Atletismo é graças aos feitos de Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico na modalidade na década de 50.

Por isso, é com tristeza que constato que muitos desconhecem esse passado de glórias e lutas do esporte nacional. Muitos não sabem, mas na mesma época em que a seleção de futebol era bicampeã do mundo, o país era igualmente bicampeão mundial de basquete. Pelé e Garrincha tabelam com Wlamir Marques e Amaury Pasos. São frutos da mesma época! Assim como Maria Esther Bueno, Biriba, Éder Jofre, entre tantos outros heróis, anônimos ou não.

Não se vê estátuas, literais e metafóricas, a estes grandes personagens. Um ou outro dá nome a ginásio, ruas e complexos esportivos. Mas será que esta é uma boa homenagem?

Ao longo das últimas quatro semanas, mostrei aqui a história de Baby Barioni, ele próprio um personagem esquecido na memória esportiva nacional. Atleta, cronista e dirigente, é o responsável pela criação dos Jogos Abertos do Interior, a maior competição poliesportiva da América Latina e celeiro para inúmeros campeões olímpicos e mundiais pelo Brasil.

Contudo, sua memória, hoje, está mais ligada a um centro esportivo na região central da cidade de São Paulo, fechado desde 2014 e com previsão de uso apenas para 2021. Estivesse vivo, Baby provavelmente não estaria feliz com essa lembrança: além da inutilização, está localizado na capital e não no interior, região que ele dedicou as últimas três décadas de sua vida!

Felizmente, sendo a história um sistema vivo que muda todos os dias, é possível derrubar “estátuas” e erguer outras mais adequadas à nossa memória esportiva. Cabe aos jornalistas buscarem essas narrativas. Mais do que emprestar nomes a ruas e ginásios, os atletas buscam a valorização de suas trajetórias para servirem de espelho a crianças e adolescentes. É o mito do herói, teorizado por Kátia Rubio, professora da EEFE-USP.

Essas histórias estão aí, à espera de serem descobertas e contadas. Adhemar, Wlamir, Maria Esther, Biriba, Baby e tantos outros agradecem.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP