CrônicasOLIMPÍADA & CAIPIRA

Por que há tantas lendas e mitos em torno dos Jogos Abertos do Interior?

Por Gustavo Longo

É natural que uma competição esportiva que tenha décadas de história e exerça influência no imaginário de atletas e torcedores produza relatos que ganham proporções de lendas e mitos através do tempo. Grandes feitos e detalhes curiosos são explorados pelos meios de comunicação e, assim, são assimilados e incorporados na narrativa histórica com o passar dos anos.

Não faltam exemplos para isso: Jogos Olímpicos, Copa do Mundo de Futebol, Super Bowl do futebol americano e tantos outros eventos mundo afora. É um processo natural, uma vez que o esporte também é linguagem e depende de seus discursos para atrair mais fãs.

No cenário brasileiro, os Jogos Abertos do Interior também possuem estas características. Afinal, já foram realizadas 83 edições da competição, reunindo grandes nomes do esporte nacional e ilustres desconhecidos que representam cidades pequenas no estado de São Paulo. Um verdadeiro caldeirão de histórias à espera de ser preparado e revelado.

A questão é que, nos Jogos Abertos do Interior, os mitos e lendas se misturam com os fatos e acontecimentos. Nunca se sabe onde termina a notícia e começa a fantasia – e vice-versa. Conhecemos pouco, ou quase nada, de suas origens históricas, seus primeiros campeões e os grandes nomes que foram revelados ao longo de sua trajetória.

Sabe-se, por exemplo, que Uberlândia foi campeã das três primeiras edições do evento (1936 a 1938) e que em 1939 o Governo Paulista assumiu o controle da competição. Esses são os fatos. Mas muitos acreditam que foi a partir daí que as cidades de outros estados não competiram mais – o que é uma lenda.

Nas próximas semanas, este espaço no site Jornalismo Esportivo ECA/USP pretende esclarecer algumas histórias em torno dos Jogos Abertos do Interior. Hoje, porém, é preciso entender porque é difícil construir um relato histórico em torno da competição.

Alguns fatos ajudam a explicar:

1) O Governo do Estado de São Paulo, responsável pelo evento desde 1939 (a quarta edição), não possui o objetivo de criar uma “história única” para os Jogos Abertos. Na visão do poder público, cada edição é diferente, uma vez que é realizada em conjunto com uma cidade-sede que possui particularidades e características regionais distintas. Dessa forma, seria preciso compreendê-la em seu contexto específico.

2) Abordei este tópico anteriormente, mas é importante ressaltar mais uma vez: falta memória ao jornalismo esportivo brasileiro. Os profissionais de comunicação que eventualmente cobrem (ou cobriram) o evento não se interessam por este resgate histórico, focando suas pautas e seus esforços apenas no resultado dentro do campo de jogo.

3) A rivalidade entre cidades, que levam em conta não apenas os esforços esportivos, mas questões econômicas, sociais e territoriais, impede um trabalho em conjunto entre municípios paulistas para promover a cultura “olímpica caipira”. Santos, por exemplo, dominou as edições das décadas de 40 e 50 e, atualmente, esse domínio é do ABC e de São José dos Campos, mas não há uma movimentação para integrar estas narrativas.

A falta de coesão no discurso é um dos principais motivos para o não entendimento e compreensão de um assunto. É o que ocorre com os Jogos Abertos do Interior: o órgão responsável pela organização e realização do evento não instituiu uma narrativa centralizada, as cidades participantes estão interessadas somente em seus relatos e os profissionais de comunicação que poderiam fazer esse resgate se preocupam apenas com o imediatismo da cobertura jornalística.

Assim, estimula ainda mais o paradoxo que o Prof. Dr. Sérgio Settani Giglio (UNICAMP) comentou a mim em entrevista publicada na Revista Alterjor: ao mesmo tempo em que é uma competição extremamente importante no calendário esportivo brasileiro, é invisível aos olhos dos torcedores e da grande mídia atualmente. Sem uma construção simbólica adequada, perde espaço na preferência dos torcedores para outras estruturas esportivas que fazem isso melhor.

Afirmei na minha coluna passada que a pandemia de covid-19 pode ser o momento ideal para o Governo de São Paulo repensar formatos e estratégias dos Jogos Abertos do Interior. Uma alternativa viável passa por este resgate da história e dos valores da competição. São oito décadas de trajetória e de conquistas que não podem mais ser ignoradas pelos fãs de esporte no país.

Gustavo Longo é jornalista especializado em cobertura esportiva e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação na ECA/USP