Rivalidade entre Juventus e Portuguesa gera boas histórias do clássico dos imigrantes
Por Marcelo Cardoso
A fase de mata-mata no Campeonato Paulista Série A2 está começando e marca um momento importante para um dos times de futebol mais tradicionais de São Paulo: Associação Portuguesa de Desportos. No mês em que completou o seu centenário (fundada em 14 de agosto de 1920) a Lusa deu um passo importante para tentar retornar à elite do futebol paulista e se classificou para as quartas de final do certame.
Nesta fase oito times se enfrentam em quatro grupos com duas equipes, cada, em jogos de turno e returno, como define o regulamento. Juventus, Monte Azul, Portuguesa, XV de Piracicaba, São Bento, São Bernardo, São Caetano e Taubaté disputarão a etapa de onde sairão quatro times para as semifinais. Apenas duas equipes subirão para a divisão principal do Paulistão.
Foi no jogo contra o seu tradicional adversário, Clube Atlético Juventus, que a Portuguesa conseguiu garantir a classificação no fim do mês passado. A disputa ocorreu dentro do seu estádio, o popular Canindé cujo nome verdadeiro é Dr. Oswaldo Teixeira Duarte.
A colônia lusitana, porém, ainda não tem muito o que comemorar porque o clube ainda sofre com a sua dificuldade financeira, mas, sempre é tempo de renovar as esperanças para que dias melhores venham.
A Lusa venceu o Moleque Travesso por 2 a 0 em um estádio vazio por causa da pandemia do coronavírus. Ainda não se permite a presença das torcidas nos jogos. O cenário contrastou muito com a partida entre os dois times que presenciei, há dois anos, no estádio Conde Rodolfo Crespi, casa do rival, no italianíssimo bairro da Mooca, na zona leste da cidade de São Paulo.
Memória de um derby dos imigrantes
Era uma tarde de sol com calor moderado naquele dia 12 de setembro de 2018, uma quarta-feira comum, mas muitos torcedores juventinos se reuniam perto dos portões do estádio. Um grupo com instrumentos musicais cantava e tocava à espera de mais um clássico dos imigrantes, o derby das colônias italiana e portuguesa.
Antes da partida alguns torcedores juntaram a fome com a vontade de comer e petiscaram nos restaurantes próximos do estádio da Rua Javari. Os estabelecimentos costumam oferecer pratos que agradam em cheio: mangia che te fa bene!
Portões abertos, ingresso comprado e validado para ver um clássico pela Copa Paulista de Futebol: Juventus e Portuguesa. A Copinha, como é carinhosamente conhecida, é organizada pela Federação Paulista de Futebol para gerar renda para os times de menor porte durante o segundo semestre. O evento, porém, tem um chamariz além do financeiro: o vencedor escolhe se disputa o Campeonato Brasileiro da Série D ou a Copa do Brasil, ambos no ano seguinte. O vice-campeão opta pela vaga restante.
Eu estava acompanhado por um amigo fanático pelo futebol e suas histórias. Subimos para a arquibancada coberta e nos acomodamos para ver o espetáculo. Escolhemos um local mais alto para ter uma boa visão do campo e de parte do estádio. De lá eu avistei as torcidas organizadas do Juventus.
Os torcedores da Ju Jovem estavam atrás do gol, no lado direito do campo, e os da Setor 2 se acomodavam atrás do outro gol, ao lado esquerdo. Durante o jogo as torcidas travaram uma batalha particular. Cada uma cantava canções diferentes, no entanto, todas em apoio à camisa grená.
O jogo começa disputado e após um lance mais polêmico um torcedor juventino mais experiente grita: “se este juiz não der falta ele é um mandrake” (gíria antiga ligada ao mágico, personagem em quadrinhos com o mesmo nome. No Brasil o termo significa “malandro”, “amador”).
A bola continua sua trajetória e depois de receber um chutão, cai na arquibancada onde está a pequena torcida visitante. Os lusitanos insistem em não devolver o balão. O gandula confabula com eles, mas o diálogo se torna impossível. O jogo recomeça e, obviamente, a bola é atirada para dentro do campo que passa a ter duas redondas até que o juiz expulse uma delas.
Eis que um alto-falante anuncia público e renda: cerca de 1,5 mil pagantes para R$ 16 mil. São números interessantes para uma quarta-feira, dia de labuta. No intervalo da partida mais de 50 pessoas descem rapidamente para o pátio e entram em uma fila. Todos aguardam para comprar o doce cannolli (de baunilha ou de chocolate). É uma tradição que faz parte do espetáculo.
Já de volta à segunda etapa do jogo, o tempo, que às 15h era de sol gostoso, agora, próximo do fim da tarde, já está frio, úmido e encoberto. São os contrastes da cidade de São Paulo que acolhe duas colônias estrangeiras diferentes como se fossem suas filhas.
O jogo termina com vitória do time da casa por um a zero. No jogo de ida os dois ficaram no zero a zero no Canindé. No final do campeonato, porém, os resultados não fizeram muita diferença, afinal, o campeão da Copinha de 2018 foi o Votuporanguense, de Votuporanga, que, curiosamente, acaba de ser rebaixado para a Série A3 do Paulistão.
Para mim, porém, o mais emocionante era estar ali, bem próximo das torcidas, poder comer o cannolli, escutar os hinos e ver aquele futebol que, apesar de não ser o de tempos passados, tinha lá os seus encantos. O gostoso mesmo é o calor do espetáculo humano e presencial que só os estádios podem oferecer.
Para conhecer mais:
Guia Oficial Paulistão 2020. Dardanelos Comunicação. Federação Paulista de Futebol, 2020.
Ludopédio. Cronologia das torcidas organizadas (IX): Leões da Fabulosa. (Bernardo Borges Buarque de Hollanda; Raphael Piva Favelli Favero), 2018. Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/leoes-da-fabulosa/
Ludopédio. Cronologia das torcidas organizadas (X): CAJU – Clube Atlético Juventus. (Bernardo Borges Buarque de Hollanda; Raphael Piva Favelli Favero), 2018. Disponível em: https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/juventus/
Marcelo Cardoso é jornalista e professor universitário. Pesquisa o jornalismo, o rádio e o podcast em suas várias interfaces com o esporte – contato: Facebook, Instagram @cardosomarcelo68 e Twitter @MCardoso68