Anos 90: um vazio na Fórmula 1 com a morte de Senna
Por Sergio Quintanilha
Os anos 90 da Fórmula 1 começaram como os 80 haviam terminado: com uma guerra particular entre o brasileiro Ayrton Senna e o francês Alain Prost. Porém, com uma diferença importante: Prost cansou da briga interna na McLaren Honda e foi correr na Ferrari. Com os motores turbo proibidos desde 1989, a Ferrari voltava a apostar no V12 aspirado, sua especialidade. Foi uma aposta ousada de Prost que quase deu certo, pois ele ganhou cinco corridas. Senna, pela McLaren Honda, venceu seis.
Para ser campeão, o piloto brasileiro precisou jogar seu McLaren contra o Ferrari do francês na corrida decisiva do Japão, vingando-se do que considerou um roubo na decisão de 1989. Prost não seria campeão pela Ferrari. Sem adversário à altura, Senna ganhou seu sonhado tricampeonato em 1991, coroando uma época de ouro para o automobilismo brasileiro. Entre o GP do Japão de 1990 e o GP do Canadá de 1991, o Brasil manteve uma invencibilidade de sete meses e 12 dias na Fórmula 1, com sete vitórias consecutivas de Nelson Piquet e Ayrton Senna.
Correndo pela Benetton Ford, Piquet ganhou os dois últimos GPs de 1990, depois a F1 entrou em férias. Quando retornou, Senna ganhou as quatro primeiras corridas de 1991 e na quinta houve nova vitória de Piquet (a última de sua carreira). Apesar do ressurgimento de Piquet na Benetton e do tri de Senna na McLaren, a equipe que voltava a brilhar era a Williams. Com ela, Nigel Mansell finalmente chegou ao seu título mundial, em 1992, com nove vitórias e quase o dobro de pontos do vice-campeão, o italiano Riccardo Patrese.
Prost havia ficado de fora da F1 em 1992 e voltou em 1993, no carro que era de Mansell, para ganhar sete corridas e chegar ao tetracampeonato. O piloto francês se aposentou definitivamente com um currículo impressionante: quatro títulos mundiais e 51 vitórias em 199 GPs disputados. Senna fez um “milagre” ao ganhar cinco GPs naquela temporada, com um carro nitidamente inferior (já com o motor Ford Cosworth no lugar do Honda). Uma vitória memorável foi no GP da Europa, em Donington Park, disputado sob chuva, quando Senna cravou seu nome como o melhor piloto da história em pista molhada.
Em 1994, finalmente sem a concorrência de Prost, Piquet e Mansell – seus três maiores adversários –, e com a chance de pilotar para a Williams Renault, Senna era o favorito disparado. Mas havia uma nova estrela surgindo: Michael Schumacher. O piloto alemão ganhou as duas primeiras corridas do ano e Senna não marcou pontos. Por isso, foi ao GP de San Marino, em Imola, com a “obrigação” de vencer e diminuir a diferença. Devido à necessidade de vitória, Senna e a Williams fizeram uma adaptação na barra de direção do carro. Na prova, a peça se quebrou e Senna bateu a 240 km/h contra o muro da curva Tamburello. O maior ídolo da Fórmula 1 morreu aos 34 anos e deixou um vazio imenso na categoria – não só para o Brasil, mas para o mundo das corridas.
A chocante morte de Senna certamente facilitou o título de Schumacher, mas isso não significa que foi fácil. Promovido a primeiro piloto da Williams Renault, o inglês Damon Hill (filho de Graham Hill) passou a vencer corridas na quinta etapa, na Espanha, somando seis vitórias e cinco segundos lugares, e perdeu o título por apenas um ponto, na última prova, devido a um acidente com Schumacher. O motor Ford-Cosworth V8 voltava a ser campeão da Fórmula 1. A morte de Senna causou enorme pressão por aumento de segurança nas corridas e várias modificações foram realizadas. A partir de 1995, os motores tiveram sua cilindrada reduzida de 3500 para 3000 cm3. Mas manteve-se a liberdade de escolha quanto ao número de cilindros dos motores: assim, o Ford-Cosworth era V8, o Renault era V10 e o Ferrari era V12. Schumacher foi bicampeão sem dificuldades, mas seu Benetton agora estava equipado com um Renault V10 (motor que ganhou seis campeonatos nessa década).
Em 1996 a Ferrari contratou Michael Schumacher e aderiu ao motor V10, que era mais eficiente do que o V12, mas não havia nada que superasse o Williams Renault. Hill chegou ao seu título mundial e o estreante Jacques Villeneuve (filho de Gilles Villeneuve) foi vice-campeão. Em 1997, foi a vez de Villeneuve conquistar o título, com sete vitórias, enquanto o campeão Damon Hill sofria com um projeto da Arrows com motor Yamaha. Schumacher ganhou cinco corridas pela Ferrari e chegou a apenas três pontos de Villeneuve, mas teve o título de vice-campeão cassado pela FIA por comportamento antidesportivo na pista.
Na temporada de 1998, todos os motores da Fórmula 1 passaram a ser V10, embora os outros tipos fossem permitidos. Mas uma nova era estava iniciando: a da Mercedes-Benz como fornecedora de motores. Bom para a McLaren, que desde 1995 ajudava a Mercedes a desenvolver seu motor V10. Os motores alemães, entretanto, haviam entrado em cena em 1994, equipando os carros da Sauber. Ao volante dos McLaren MP4/13 e MP4/14, o finlandês Mika Hakkinen foi bicampeão em 1998 e 1999. Se, de um lado, Hakkinen contava com a eficiência alemã, por outro lado ele lutava contra a determinação alemã.
Cada vez mais competitivo na Ferrari, o alemão Michael Schumacher foi vice-campeão em 1998, conquistando seis vitórias, contra oito do campeão Hakkinen. A disputa Hakkinen versus Schumacher e McLaren Mercedes versus Ferrari continuou no último ano da década. Os dois se alternaram na liderança, com três vitórias para Hakkinen e duas para Schumacher, até a metade da temporada. No GP da Inglaterra, porém, Michael se acidentou com a Ferrari, quebrou as pernas e teve que se ausentar por seis corridas. O Ferrari F399 V10 era um bom carro, tanto que permitiu ao irlandês Eddie Irvine (surpreendente vencedor da primeira etapa), disputar o título até o fim.
Depois do acidente de Schumacher, Irvine ganhou mais três corridas, contra duas de Hakkinen, e perdeu o mundial por apenas dois pontos. A Fórmula 1 havia superado o vazio deixado pela morte de Senna e as aposentadorias de Piquet, Mansell e Prost com a criação de novos ídolos. Uma nova era estava começando. O Pacto da Concórdia havia dado superpoderes para as montadoras presentes na F1 e isso significava o fim para equipes como Tyrrell, Arrows e Minardi. Sem um título mundial de pilotos desde 1979, a Ferrari chegava a 20 anos de jejum mostrando que estava forte novamente, ao ganhar o mundial de construtores que não era seu desde o início dos anos 80.
ANO | PILOTO | PAÍS | EQUIPE | CONSTRUTOR |
1990 | Ayrton Senna | BRA | McLaren Honda | McLaren Honda |
1991 | Ayrton Senna | BRA | McLaren Honda | McLaren Honda |
1992 | Nigel Mansell | ING | Williams Renault | Williams Renault |
1993 | Alain Prost | FRA | Williams Renault | Williams Renault |
1994 | Michael Schumacher | ALE | Benetton Ford Cosworth | Williams Renault |
1995 | Michael Schumacher | ALE | Benetton Renault | Benetton Renault |
1996 | Damon Hill | ING | Williams Renault | Williams Renault |
1997 | Jacques Villeneuve | CAN | Williams Renault | Williams Renault |
1998 | Mika Hakkinen | FIN | McLaren Mercedes | McLaren Mercedes |
1999 | Mika Hakkinen | FIN | McLaren Mercedes | Ferrari |
Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio