ALTA ROTAÇÃOCrônicas

A arte de cobrir automobilismo

Por Sergio Quintanilha

Cobrir automobilismo é um desafio e tanto. Visto de longe, pode parecer simples. Afinal, quase toda corrida tem um pole position, uma largada, eventuais paradas nos boxes e a bandeirada final. Qual o segredo nisso? Muita coisa. Para fazer o óbvio, basta uma observação do que ocorre no fim de semana da corrida (treinos, classificação, prova e pódio) e acesso aos dados oficiais, com o resultado. Mas, para quem deseja ir a fundo na cobertura de automobilismo, é preciso estudo, disciplina e dedicação.

A primeira dificuldade para quem quer cobrir automobilismo de forma profissional é o pouco caso que a maioria dos veículos de comunicação dá ao assunto. Ao contrário da área de carros de passeio, que atrai muitos anunciantes, o automobilismo não costuma fazer anúncios. Esse é o primeiro ponto que faz muitos veículos ignorarem os acontecimentos nas pistas de corrida.

Com a popularização da internet e do YouTube, o tema ficou mais popular. Alguns portais e canais dão ampla cobertura. Afinal, com uma boa audiência, é possível faturar publicidade programática (via Google Ads ou YouTube). Financeiramente, porém, isso trouxe outro problema: com milhares de pessoas oferecendo o mesmo conteúdo, ficou muito mais difícil se destacar e, por consequência, faturar.

Então, não se iluda: é muito difícil ganhar dinheiro cobrindo automobilismo. Mas não é impossível. Para o jornalista dedicado, que estuda o assunto e treina suas habilidades jornalísticas, sempre é possível conseguir um emprego num canal de televisão, numa emissora de rádio, num jornal ou num portal.

Em primeiro lugar, é preciso saber que as corridas não são todas iguais. Existem várias modalidades, cada uma com suas regras. Uma etapa da Fórmula 1, por exemplo, tem apenas o Grande Prêmio naquele dia; uma ou outra categoria preliminar disputa sua corrida na véspera, pois sempre há o risco de danificar a pista em algum acidente. Porém, uma etapa de kart pode ter seis, sete ou oito corridas no mesmo dia. Mais do que isso: as seis, sete ou oito provas de classificação também. É muito fácil se perder na cobertura.

A hora certa de abordar um piloto ou um chefe de equipe também é importante. Há momentos em que os pilotos estão concentrados. Pode até não aparentar, mas ele está o tempo todo com o traçado da pista na sua cabeça, repassando mentalmente como fará sua largada, quem está ao seu lado, na frente ou atrás, se o carro está em ordem etc.

Pai de piloto costuma ser igual a mãe de miss. Todos acreditam que o seu filho é sempre perfeito e que nunca erra. Por isso, discretamente, algumas conversas de boxes são interessantes. Nem sempre a notícia está no boxe de quem fez a pole position ou ganhou a corrida. Muitas vezes está no boxe de quem fez uma péssima classificação ou chegou lá atrás. Qual foi o problema? Certamente houve algum.

Para saber se o problema maior está no carro ou no piloto, é preciso acompanhar sua carreira em treinos, classificações e corridas. Certamente haverá alguns pilotos com equipamento similar. Portanto, dá para observar como cada um se sai em determinadas situações. Cuidado, porém, pois pode ser precipitado julgar um piloto. Por isso, é preciso conhecer os carros. Quem corre uma temporada inteira normalmente é competitivo. Por isso, a diferença de 2 ou 3 décimos na volta pode ser, sim, uma questão de equipamento. Só a experiência, com muita frequência em pista, vai formar um jornalista nesse sentido.

Quem quer ser repórter ou comentarista de automobilismo deve frequentar autódromos e kartódromos. A melhor maneira de começar é cobrindo o kartismo. Não há nada de amador numa corrida do Campeonato Paulista de Kart, por exemplo. Entretanto, ao contrário de uma Stock Car ou uma Fórmula Indy, o acesso aos boxes, pilotos, mecânicos e chefes de equipe é muito mais fácil.

Dificilmente alguém se forma apenas assistindo corridas de Fórmula 1, Indy ou Nascar na televisão. É preciso ir para a pista, sentir o cheiro do óleo, pisar na pista emborrachada e entrar na atmosfera da competição para entender realmente do assunto.

Pensando em tudo isso, a Escola de Comunicação e Artes da USP está oferecendo, gratuitamente, o Workshop Jornalismo e Automobilismo. Vai ser uma iniciativa do Centro de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA, com coordenação geral do professor Luciano Maluly. O workshop será realizado de forma virtual no dia 20 de maio, das 19 às 22 horas.

Haverá três palestras, todas seguidas de um tempo para perguntas e debates. A primeira palestra será do professor Rafael Venâncio. Ele vai abordar toda a parte histórica do automobilismo, com foco nas corridas nacionais e na trajetória internacional dos grandes pilotos brasileiros. A segunda palestra será do professor Marcelo Cardoso, que abordará a sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental que pautam o automobilismo mundial no século 21. Ele vai demonstrar um dos possíveis caminhos para a especialização do jornalista esportivo na atualidade.

A última palestra será a minha (também sou professor) e o tema será a cobertura em si, com dicas e relatos de experiências. Ao final do workshop, os participantes receberão um questionário sobre os temas abordados nas três palestras. Quem conseguir nota 7 receberá o certificado da ECA-USP.

Por fim, uma dica que já podemos antecipar: nunca, em tempo algum, diga o termo “treino classificatório”. Isso não existe, embora tenha sido popularizado pela Rede Globo e seja praticado em outros locais. O termo correto, no automobilismo, é simplesmente “classificação”. A classificação (qualifying) é o momento em que os pilotos vão para a pista para a tomada de tempos que indicará as posições de largada. “Treino classificatório” é tecnicamente errado. Afinal, se é treino, não vale. E se vale, não é treino.

Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio