Justiça Desportiva premiou o racismo
Por Fabio Silveira
Em 2014 o Grêmio foi excluído da Copa do Brasil (da qual é o segundo maior vencedor, com cinco títulos, perdendo apenas para o Cruzeiro, que venceu seis edições) porque uma torcedora foi flagrada nas transmissões de televisão xingando o goleiro Aranha, do Santos, de “macaco”, num jogo na sua Arena. Uma eliminação justa e que doeu para os gremistas, mas que ao menos representava um alento, no sentido de que poderia ser um sinal de mudança na postura da Justiça Desportiva brasileira. O racismo é odioso e precisa ser combatido em todas as esferas da sociedade. Tem que cortar na carne, tem que punir de forma exemplar, seja no esporte ou em qualquer outra seara da vida. Doa a quem doer. O episódio levou o Grêmio a se mobilizar para, por exemplo, fazer com que a torcida Tricolor tirasse dos seus cânticos a palavra “macaco”, usada para atacar torcedores do Internacional, seu principal rival.
A impressão de que a Justiça Desportiva estaria endurecendo contra o racismo durou pouco. Em 2016, num jogo entre Athlético Paranaense e Palmeiras, em Curitiba, pelo Campeonato Brasileiro, um torcedor do time da casa xingou de macaco o jogador Tchê Tchê, que defendia o alviverde. A punição foi uma multa de R$ 10 mil. Nenhum ponto perdido e nem perda de mando de campo. Em 2019, torcedores do mesmo Furacão, na mesma Arena da Baixada, repetiram o xingamento contra o jogador Renê, do Flamengo, durante uma cobrança de lateral. Nenhuma punição digna de nota.
Em 2021, sete anos depois da punição exemplar imposta ao Grêmio, o racismo continua rondando os estádios brasileiros. Que o diga o meia Celsinho, do Londrina, que disputa a Série B do Campeonato Brasileiro. Em 17 de julho, numa partida entre Londrina e Goiás, disputada em Goiânia, um narrador e um comentarista da Rádio Bandeirantes local classificaram o corte de cabelo do atleta, no estilo black power, como “imundo” e “pesado”. Em 23 de julho, Celsinho foi atacado novamente por causa do cabelo, dessa vez num jogo entre o seu time e o Remo, disputado em Londrina. O narrador da Rádio Clube do Pará disse que o cabelo do atleta era um “ninho de cupim”. Nas duas oportunidades os comunicadores se desculparam publicamente pelas ofensas racistas. Mas o pior ainda estava por vir. Nos dois casos os profissionais de imprensa se desculparam publicamente pelas ofensas, que na verdade são crimes.
Em agosto, numa partida contra o Brusque, em Santa Catarina, Celsinho foi xingado de “macaco” por um dirigente do clube. Em setembro o STJD terminou perda de três pontos – embora branda, a pena poderia aumentar as chances de rebaixamento do time catarinense – e multa de R$ 60 mil. O Brusque nunca pediu desculpas pelo crime de racismo cometido pelo seu dirigente. O clube chegou a soltar uma nota acusando o jogador de “falsa imputação de racismo”.
Mesmo assim o time ainda foi premiado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que acatou seu recurso e voltou atrás na pena (leve) de perda de três pontos, decisão tomada na véspera do Dia da Consciência Negra. O ato racista ficou barato para o clube, que além da multa deve perder o mando de campo por apenas uma partida.
Na distopia vivida pelo Brasil nos últimos anos, os racistas perderam a vergonha de externar a sua conduta odiosa em todas as esferas da sociedade. No futebol, o esporte mais popular do país e que por vezes oferece boas metáforas da vida, a leveza nas “punições” faz com que o crime compense. Enquanto isso, os 7 a 1 vão se repetindo infinitamente sobre as nossas cabeças.
Fábio Silveira é Jornalista, doutor em Comunicação pela Unesp, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e torcedor do Grêmio desde antes de nascer.