Max ganhou, mas Lewis não perdeu – eis a síntese da F1
Por Sergio Quintanilha
O que escrever quando os dois pilotos que lutam pelo título mereciam ter ficado com ele? Eis o que eu penso, nas linhas a seguir. E acredito que, de alguma maneira, estou sintetizando o que foi a temporada da Fórmula 1.
Max Verstappen e Lewis Hamilton decidiram na última volta do último Grande Prêmio a sorte do Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 2021. Deu Verstappen – e isso fez justiça ao piloto mais rápido do ano, no auge de uma carreira meteórica que resulta num título da Fórmula 1 aos 24 anos.
Os deuses do esporte – sim, eles existem – decidiram fazer justiça à sofrida torcida da Holanda, três vezes vice-campeã mundial de futebol (1974, 1978 e 2010). Verstappen campeão é um fato que coroa também esta quarta passagem da Honda na Fórmula 1. Mas, provando que é um piloto quase impossível de ser batido, o inglês Lewis Hamilton brilhou igual ao novo campeão. Verstappen ganhou, mas Hamilton não perdeu.
Max ganhou sua 20ª corrida na Fórmula 1, mas teve que esperar até a última volta para sentir o título em suas mãos. Mesmo largando na pole position (sua 13ª na carreira) e com pneus macios (mais aderentes), Verstappen foi surpreendido por Hamilton na largada. Tentou dar o troco ainda no comecinho da prova, jogando seu Red Bull 33 por dentro na freada de uma curva, o que praticamente obrigou o Mercedes 44 a cortar caminho. A direção de prova entendeu que não havia outra opção de manobra a Lewis e pediu a ele apenas que desacelerasse um pouco para que Max reduzisse a diferença, mas sem entregar a posição.
Ao longo da corrida, Verstappen e a Red Bull tentaram reverter a situação, mas nada tirou Hamilton e a Mercedes da liderança. Uma nova chance foi dada a Max quando Sergio Pérez – para ajudar seu companheiro da Red Bull – segurou Hamilton. Foi uma batalha épica! Max encostou, mas Lewis venceu a briga e abriu novamente uma vantagem.
Quando surgiu o safety car virtual, por conta de uma imprudente parada de Antonio Giovinazzi (Alfa Romeo) num ponto perigoso da pista, a Red Bull mudou a estratégia e parou Max. Com pneus novos, ele ganhou nova chance de ultrapassar Hamilton, mas o inglês manteve uma distância segura, apesar de ter pneus com 23 voltas a mais de uso.
O título seria de Hamilton pela oitava vez. Mas, desta vez, a sorte de campeão brilhou para o novo campeão do mundo: Max Emilian Verstappen. Com a corrida praticamente decidida a favor de Hamilton, um piloto obscuro do grid, Nicholas Latifi, bateu e provocou um safety car.
Filho de Jos Verstappen, que disputou (sem brilho) 107 GPs de 1994 a 2004, o pequeno Max Emilian nasceu predestinado a ser campeão do mundo. Ele tinha que fazer o que o pai não conseguiu – e há relatos de abuso na educação do menino.
Max Verstappen é holandês, mas nasceu na Bélgica, no dia 30 de setembro de 1997, na cidade de Hasselt. Seu título, portanto, é uma homenagem também ao automobilismo belga, que conta 11 vitórias na Fórmula 1 – oito com Jacky Ickx e três com Thierry Boutsen. Em 2015, aos 15 anos, Max Verstappen tornou-se campeão mundial de kart – assim, é o único piloto que foi campeão mundial de kart e de F1. Apesar da demora na retirada do carro acidentado e dos detritos deixados pelo Williams de Latifi, houve tempo para uma última volta. A Red Bull aproveitou o safety car e apostou alto mais uma vez: chamou Verstappen aos boxes e colocou pneus macios em seu carro.
Faltava apenas tirar os carros retardatários da frente. Se eles continuassem ali, provavelmente Lewis Hamilton estaria comemorando seu oitavo título mundial. Mas eles foram retirados, como manda a regra introduzida há alguns anos, e a disputa ficou aberta entre Max e Lewis. Foi a volta decisiva.
Uma volta na qual Lewis lutava pela eternidade, pelo inédito oitavo título mundial. Uma volta na qual Max jogava a vida, a chance da consagração, a oportunidade de virar herói nacional da Holanda. Lewis fez o que pode, praticamente sem pneus. Max fez o que se esperava, ultrapassou o rival. Agora, Max Verstappen dá à Holanda o título que Cruyff, Resenbrink e Robben (entre outros grandes jogadores) não conseguiram.
Ganhar seu primeiro título mundial acabando com a hegemonia de Hamilton e da Mercedes dá ainda mais valor à conquista de Verstappen. Aos torcedores do grande piloto inglês, resta um consolo: Verstappen ganhou, mas Hamilton não perdeu.
Sergio Quintanilha é doutorando em Ciências da Comunicação na ECA-USP e escreve sobre automobilismo desde 1989 – twitter: @QuintaSergio