Ativismo torcedor no futebol brasileiro contemporâneo: as experiências da ANATORG e dos coletivos antifascistas
Por Felipe Tavares Paes Lopes
Neste texto, apresento e analiso, de forma muito breve, duas experiências de ativismo torcedor no futebol brasileiro contemporâneo: a formação da Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (ANATORG) e o surgimento dos coletivos de torcedores antifascistas. Começo pela primeira. A ANATORG foi fundada em 2014, produto de um pacto que envolveu 103 associações, constituindo um marco na história do associativismo torcedor no Brasil. Desde então, a associação tem promovido o diálogo entre suas filiadas e entre elas e o poder público. Entre outros eventos que contribuíram para o seu surgimento, destacam-se: a experiência da Federação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro (FTORJ); a participação de lideranças de torcidas organizadas em um intercambio realizado na Alemanha, quando tiveram a oportunidade de entrar em contato com o movimento ultra alemão e com os projetos sociopedagógicos dirigidos aos torcedores considerados mais “radicais” do país, e a realização de seminários nacionais e regionais de torcidas organizadas, levados a cabo pelo (extinto) Ministério do Esporte, durante os governos petistas.
Já os coletivos de torcedores antifascistas surgiram, em sua maioria, em meados da década de 2010. Desde então, eles têm enfrentado os retrocessos políticos e sociais do Brasil, intensificados com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Entre outros eventos que contribuíram para seu surgimento, destacam-se: o desgaste da imagem das organizadas, motivado, entre outras coisas, pelos conflitos violentos entre elas; a ascensão da extrema direita no Brasil, que começou a disputar espaço nas ruas com a militância de esquerda já na segunda metade das Jornadas de 2013; a formação e mobilização de novos coletivos de jovens autonomistas a partir dos anos 2010; o desenvolvimento de novas formas de comunicação móveis e em rede e a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014, que foi marcada por escândalos de corrupção, projetos políticos e de intervenção urbana de caráter autoritário e antipopular e pela construção ou reformas de estádios, que reforçaram o processo de elitização do futebol brasileiro.
Mas o que nos ensinam essas experiências? Primeiro, que a tese de que o futebol é uma variante do “ópio do povo” deve ser relativizada, pois elas indicam que o(a) torcedor(a) não é um sujeito passivo, que absorve indiscriminadamente as mensagens da indústria do futebol, mas um sujeito ativo e potencialmente crítico, que, quando se organiza coletivamente, pode representar um desafio real às forças dominantes. Segundo, que o ativismo torcedor é, seguindo as reflexões do pesquisador Mick Totten (2015), constituído tanto por ações que visam transformar as estruturas sociais e políticas do universo futebolístico quanto por aquelas que buscam, por meio do futebol, alcançar transformações políticas e sociais mais amplas. E que, em ambos os casos, o referido universo não pode ser visto, como acabei de sugerir, como um mero espaço de alienação política, mas como um espaço que pode ensejar práticas de resistência a diferentes formas de dominação e opressão.
Referências
TOTTEN, Mick. Sport activism and political praxis within Sankt Pauli fan subculture. Soccer & Society. v. 16, n. 4, 2015, p. 453-468.
Felipe Tavares Paes Lopes é docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba – UNISO