Verstappen resgata mística do carro número 1 para o campeão
Max Verstappen, campeão mundial de 2021, vai correr a temporada deste ano com o número 1 em seu carro. Assim, abandona temporariamente o 33, que é sua marca registrada. Verstappen resgata uma tradição na categoria, aquela que dá ao piloto campeão a primazia de correr com o carro número 1 na temporada seguinte. Fazia sete anos que essa tradição havia sido abandonada.
O último piloto a usar o número 1 na Fórmula 1 foi Sebastian Vettel, nas temporadas de 2011 a 2014, pelo tetracampeonato conquistado de 2010 a 2013. Foram 77 corridas seguidas com o número 1, mas insuficientes para superar a marca de outro alemão, Michael Schumacher, que correu com o carro número 1 em sete temporadas. No total, Schumacher correu 120 vezes com o número 1 – uma prova incontestável de sua supremacia nas pistas.
Michael detém este recorde e também o de corridas consecutivas com o carro número 1 (no caso, 87 GPs com o Ferrari número 1 de 2001 a 2005. Ele já tinha 33 corridas com o Benetton número 1 nas temporadas de 1995 e 1996.
Outro heptacampeão, Lewis Hamilton, tem apenas uma temporada com o carro número 1: foi com o McLaren Mercedes nas 17 corridas do mundial de 2009. Isso porque, desde 2015, a F1 permitiu ao piloto campeão que escolhesse entre o número 1 e seu número de preferência. No automobilismo, além da pintura do capacete, o número costuma ser uma identidade do piloto ao longo da carreira. Por isso, nos seis campeonatos que conquistou na era híbrida da Fórmula 1 com a Mercedes, Lewis preferiu correr com o carro 44.
História dos números na Fórmula 1
O primeiro piloto a correr com o carro número 1 na Fórmula 1 foi o argentino Juan Manuel Fangio, no primeiro GP da categoria, o histórico British Grand Prix de 1950, em Silverstone. Fangio correu com seu Alfa Romeo 158 número 1 porque a equipe foi a primeira a inscrever seus carros. De 1950 a 1972, não havia uma regra para a utilização do número 1.
Tanto é que no GP seguinte da temporada 1950, em Mônaco, Fangio usou o número 34 e nenhum piloto correu com o número 1. O algarismo que significa liderança e vitória voltou ao grid no GP seguinte, mas do outro lado do mundo, no GP dos EUA, nas 500 Milhas de Indianápolis. Foi usado no carro de Johnnie Parsons, um Kurt Kraft Offenhauser, e deu sorte, pois ele ganhou as 500 Milhas. O número 1 só foi usado nessas duas corridas durante o primeiro campeonato mundial.
O número 1 só voltou à Fórmula 1 em 1951, novamente em Indianápolis, no carro de Henry Banks, um Moore Offenhauser, mas ele terminou apenas em sexto lugar.
Durante 23 temporadas, o número 1 apareceu apenas ocasionalmente em alguns carros. Não havia o desejo de correr a temporada inteira com o número 1. E também não havia o fetiche do número 1, um símbolo de poder nos anos dourados dos brasileiros Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, que ostentaram o número 1 em seus carros durante oito temporadas (1973, 1975, 1982, 1984, 1988, 1989, 1991 e 1992).
O primeiro piloto a correr com o número 1 como “marca” do campeão mundial da temporada anterior foi justamente Emerson Fittipaldi. Isso aconteceu na temporada de 1973. Mas, curiosamente, não na primeira corrida do campeonato (Argentina, onde Fittipaldi correu com número 2 e venceu) e sim na segunda, no Brasil, onde usou o 1 e ganhou de novo.
Para dar uma ideia da bagunça que eram os números antes do GP do Brasil de 1973, na temporada anterior Emerson ganhou cinco corridas com os seguintes números em seu Lotus Ford: 5 (Espanha), 31 (Bélgica), 8 (Grã-Bretanha), 32 (Áustria) e 6 (Itália). O critério era o seguinte: a equipe que inscrevia seus carros primeiro no Grande Prêmio recebia os primeiros números. Quem se atrasasse poderia ficar com números altos.
O número 1 no carro de Peterson
Jackie Stewart, que foi tricampeão do mundo (1969, 1971 e 1973) e recordista de vitórias em sua época, só obteve 3 das suas 27 vitórias com o número 1: Espanha 1970, Canadá 1972 e Estados Unidos 1972.
Mas Stewart abandonou a carreira depois de seu tricampeonato. Por isso, coube ao sueco Ronnie Peterson a primazia de ter sido o único piloto desta fase de valorização do número 1 a usar esse poderoso algarismo sem nunca ter sido campeão do mundo. Como não havia campeão na pista em 1974, a F1 concedeu os números 1 e 2 à equipe campeã mundial, no caso, a Lotus de Fittipaldi e Peterson. Mas Emerson Fittipaldi trocou a Lotus pela McLaren, então Ronnie Peterson foi promovido a primeiro piloto e o segundo carro foi destinado a Jacky Ickx. Peterson venceu três corridas com o número 1 em 1974: Mônaco, França e Itália.
Foi também em 1973 que as equipes passaram a ter números fixos em função da colocação no mundial de 1972: Lotus 1-2, Tyrrell 3-4, McLaren 5-6, Brabham 7-8, March 9-10, Ferrari 11-12, BRM 14-15 (o 13 não existia por superstição), Shadow 16-17, Surtees 18-19, Williams 20-21, Ensign 22-23, Hesketh 24-25 e Hill 26-27. Em 1974, como a BRM tinha apenas um carro, ela ficou com 14 (e teoricamente o rejeitado 13), então houve um remanejamento dos números mais altos, que desceram um algarismo – e foi isso que proporcionou a mística do número 27, que passou a fazer par com o 28 e não com o 26.
Mas como surgiu essa mística do 27? Esse número é um dos mais famosos da Fórmula 1 porque foi usado por Gilles Villeneuve, Nigel Mansell e Ayrton Senna, três pilotos extremamente arrojados. Houve uma época que o 27 significava emoção, gana pela vitória, acelerar sempre. No GP do Japão de 1977, último daquela temporada, a famosa equipe totalmente francesa, Ligier Gitanes, com motor Matra e os pilotos Jacques Laffite e Jean-Pierre Jarier, correu com os números 27 e 28. Porém, no primeiro GP de 1978, na Argentina, a Ligier passou a ser 25-26 e o 27 ficou com o Williams Ford de Alan Jones. O 28 ficou vago porque a Williams não tinha segundo piloto.
A Williams era apenas uma equipe que tentava sobreviver na Fórmula 1. Mas, exatamente um ano depois, no GP da Argentina de 1978, a pobre Williams Grand Prix Engineering se transformou na milionária Albilad-Saudia Racing Team. Endinheirado pelos “petrodólares”, Frank Williams reforçou a equipe e alinhou dois carros no grid: o 27 de Alan Jones e o 28 de Clay Regazzoni.
Enquanto todas as atenções estavam no número 1 do Brabham Alfa Romeo de Niki Lauda, os carros 27 e 28 (números altos) passaram a ganhar corridas. Em 1980, Alan Jones foi campeão mundial com a Williams. Por isso, a equipe que ostentava o número 1 (Ferrari, campeã de 1979), teve que pintar em seus carros os números 27 e 28. Como dissemos, só o carro do campeão mudava de número – todos os outros mantinham (com poucos ajustes) a numeração estabelecida no GP do Brasil de 1973.
Então, no GP de Long Beach (EUA-Oeste) de 1981, a atrevida Williams ostentava o número 1 em seu carro, enquanto a poderosa Ferrari usava o 27 no modelo 126CK de Gilles Villeneuve. O resto é história na mística do 27, apesar de o intrépido piloto canadense ter vencido apenas duas corridas com ele. Mansell também ganhou duas vezes com o Ferrari 27 e Senna venceu seis com o McLaren Honda. Mas não era o número de vitórias que dava fama ao 27 e sim o estilo dos pilotos que o usavam.
Número 0 foi rejeitado por Prost e Senna
Na temporada de 1996, a Fórmula 1 mais uma vez mudou a regra dos números. Eles passaram a ser distribuídos de acordo com a pontuação das equipes na temporada anterior, respeitando o 1-2 para a equipe do campeão mundial. Por isso, a cada ano as equipes passaram a usar números diferentes, aos pares: 1-2, 3-4, 5-6, 7-8 etc.
Antes disso, porém, houve mais uma curiosidade numérica. Duas vezes o campeão mundial se ausentou da Fórmula 1 na temporada seguinte: em 1993 porque Nigel Mansell foi para a Fórmula Indy e em 1994 porque Alain Prost se aposentou. Nos dois casos, a equipe dos campeões aposentados era a Williams. Mas, ao contrário de 1974, quando Peterson usou o número 1 sem ter sido campeão, a F1 vetou o número 1 para quem não era de fato “o número 1” da categoria. Por isso, adotou os números 0 e 2.
Prost herdou o carro de Mansell em 1993, mas se recusou a usar o número 0 por superstição. Zero não significa nada, diziam na época. Alain Prost então ficou com o 2 e coube a Damon Hill ser o número 0. O piloto inglês sofreu bullying por isso. Prost, com o número 2, ganhou sete corridas e foi campeão mundial pela quarta vez; Hill, com o número 0, obteve apenas três vitórias.
Na temporada seguinte coube a Senna herdar o Williams campeão e ele usou a mesma lógica de Prost: ficou com o número 2 e deixou o carro 0 para Hill. Na terceira prova do campeonato, GP de San Marino, Senna se acidentou e morreu. E o piloto do carro número 0 (Hill) se tornou o piloto número 1 da equipe. Lutou pelo título até a última prova do ano com Michael Schumacher, da Benetton, mas perdeu num lance de azar num acidente provocado pelo alemão. Damon Hill só se tornou campeão mundial em 1996, mas com o Williams Renault número 5.
Schumacher é o recordista do número 1
Segundo um levantamento do site Motorsport Stats, Schumacher foi o piloto que mais vezes pilotou o carro número 1 na história da F1: 120 corridas. Depois dele vem Vettel com 77 corridas. Em terceiro lugar aparecem Prost e Senna, empatados com 48 corridas. Em quinto lugar, também empatados, aparecem Piquet e Lauda com 47 corridas.
Como Hamilton rejeitou o número 1 por seis vezes, somente em 2017 a Fórmula 1 poderia ter tido novamente um carro com o número 1 pintado na carenagem. Mas Nico Rosberg, campeão da temporada, aposentou-se logo depois de conquistar o título. Ninguém reivindicou o número, pois desde 2015 a F1 adotou a mesma regra do kart e de outras categorias do automobilismo: cada piloto usa o número que quiser e é dono dele até se ausentar da categoria.
Agora Max Verstappen volta a valorizar o número 1 e já disse que pretende ficar com ele por mais do que uma temporada. “Quantas vezes você pode fazer isso? Não sei, talvez seja a única vez que posso na minha vida. É o melhor número que existe. Então, com certeza vou colocá-lo no carro”, disse Verstappen ao falar sobre a decisão de correr com o Red Bull número 1 em 2022.
Nota do autor: a maioria das informações desta matéria tiveram como fonte o site F1 Stats.