ESPÍRITO ESPORTIVO

MEMÓRIA ESPORTIVA: Milene Wolf e o pioneirismo na canoagem Slalom

Milene Wolf, de 33 anos, é uma atleta de relevância para a canoagem Slalom do país, modalidade na qual o remador (a) utiliza um caiaque em competições realizadas em corredeiras. Natural de Piraju, a canoísta conquistou títulos como o Campeonato Sul-americano de Canoagem Slalom (2013), em Los Andes, no Chile, quando a equipe feminina do Brasil também levou a medalha de ouro.

Nos anos de 2015 e de 2016 a canoísta ocupou o primeiro lugar no Ranking Nacional de Canoagem Slalom, sempre na categoria K1, Feminino. “A primeira medalha que ganhei na vida foi em 1º de agosto de 2003, quando conquistei o ouro na categoria para iniciantes no Open de Canoagem Slalom da Cidade de Piracicaba (interior de São Paulo)”, relembra a atleta.

Milene e sua conterrânea, Poliana Aparecida de Paula, de 33 anos, competiram lado a lado: ora como adversárias, ora como colegas de equipe e dividiam, volta e meia, os lugares nos pódios, uma estimulando a outra para melhorar os seus desempenhos.

Poliana foi a primeira canoísta brasileira a chegar a uma semifinal olímpica e a primeira mulher da América do Sul a competir na canoagem em uma olimpíada, ambas em Pequim (2008).

Milene e as medalhas de ouro individual e coletiva: conquistas do Sul-americano de Canoagem Slalom de 2013, no Chile.(arquivo pessoal, Milene)

A cidade que inspira a canoagem

Milene e Poliana começaram as primeiras remadas em Piraju, um município localizado a sudoeste do Estado de São Paulo, na região conhecida por Vale do Paranapanema, perto do Estado do Paraná.

Com uma população estimada em cerca de 30 mil habitantes, em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a cidade é conhecida pela oportunidade de se viver próximo da natureza.

A região é cercada por rios, como o Paranapanema com suas corredeiras, e já foi sede para o treinamento dos atletas da seleção brasileira de canoagem Slalom. Piraju é referência para a modalidade esportiva e considerada uma cidade olímpica por ter recebido projetos esportivos-educacionais que estimularam modalidades como a canoagem.

Mas a modalidade ganha destaque em 2001, quando integrantes da seleção brasileira masculina começaram a treinar nos rios que cortam a cidade, após uma parceria entre a prefeitura, a Confederação Brasileira de Canoagem e uma empresa concessionária de energia hidrelétrica para a construção do Centro Esportivo de Alta Performance.

O convênio permitiu que Piraju abrigasse a sede de treinamentos da seleção brasileira de canoagem o que, efetivamente ocorreu de 2001 a 2004.  E foi por meio de um desses projetos que se iniciou a história de Milene Wolf.

De acordo com informações da então diretora do Departamento de Esportes de Piraju, Eliana Maria Pereira Carneiro, conhecida na cidade como Elianinha, quando o velejador Lars Grael participou do governo federal, implantou o Projeto Navegar Brasil.

O projeto objetivava o acesso ao aprendizado das modalidades de Vela, de Remo e de Canoagem e, a partir daí, houve uma parceria com o município. Lars Schmidt Grael foi secretário Nacional de Esporte, entre 2001 e 2004, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Como velejador, Grael conquistou medalhas olímpicas e títulos mundiais.

Em 2004 foi criada a Associação Pirajuense de Esportes Náuticos (Apen), e, assim, os atletas “poderiam participar de competições oficiais pelo fato de que tinham de ser filiados a alguma associação desportiva”, explica a canoísta Milene Wolf.

A iniciativa estimulou a canoagem e jovens pirajuenses passaram a conhecer melhor a modalidade, o que propiciou o surgimento de atletas na região e em outras localidades do país.

Nasceram ou treinaram em Piraju canoístas como Poliana de Paula, Milene Wolf, Charles Correa, Anderson dos Santos Oliveira, Patrick Ronald de Almeida, atleta paralímpico, Pedro Henrique Gonçalves da Silva, o Pepê, atleta com medalhas em Jogos Pan-Americanos e um título mundial, além de ser o melhor classificado do país em jogos olímpicos (em 2016, no Rio de Janeiro, ficou em sexto lugar na K-1 da Slalom).

Mas por que o trecho do Rio Paranapanema favorece tanto a canoagem em Pirajú? Pelo fato de o rio ter certas características que nenhum outro no Brasil tem, segundo opina Milene.

“Há redemoinhos e borbulhas (bolhas na água que são impulsionadas debaixo para cima, causadas pelo movimento das corredeiras). São movimentos que desestabilizam o caiaque. Quem vem de fora, reclama bastante, e quem rema bem aqui, vai bem em qualquer lugar”, ensina a atleta.

Sul-americano de Canoagem Slalom, em San Gil, Colômbia (2009): equipe de Piraju em peso: (do centro para à direita) Pepê, Milene, Poliana e Anderson.  (Arquivo pessoal, Milene)

Surge uma oportunidade de ‘ouro’

A canoísta Milene Wolf começou as suas remadas junto com Poliana. Ambas treinavam na modalidade Velocidade pelo fato de ainda não existir a Slalom na cidade. Milene foi uma das crianças curiosas pelo que ocorria nas águas da região.

“Eu conheci a canoagem na escola e me chamou a atenção quando disseram que os atletas mais destacados poderiam viajar. E eu sempre quis conhecer o mundo e vi, ali, uma oportunidade”, relata Milene.

Com o sucesso da modalidade, as autoridades municipais criaram uma escola de canoagem, recorda Milene, que entre os anos de 2009 e 2021 também foi treinadora dos atletas da categoria Slalom, desde os iniciantes até os de alto rendimento.

A escolinha era gratuita, custeada pela Prefeitura. Os melhores atletas disputavam provas fora de Piraju e com despesas que, geralmente, eram pagas pelo poder público.

Milene vem de uma família de agricultores que morava na zona rural do município, onde tinham terras e cultivavam café e outros alimentos. Todos trabalhavam no plantio e na secagem do café. Os produtos colhidos eram vendidos na feira livre local.

Dos tempos de parceria e disputas com Poliana, Milene se recorda que ambas foram para a modalidade Slalom e começaram a participar das provas regionais e, posteriormente, fora do Estado de São Paulo. “A gente sempre ficava no pódio, se revezando”, conta Milene.

Uma das primeiras conquistas da dupla ocorreu em 2004, em uma das etapas do Campeonato Paulista de Slalom, quando Milene, Poliana e a canoísta Suzy Araujo subiram ao pódio, algo que se repetiria mais vezes ao longo do mesmo ano.

A primeira competição em corredeiras.  Milene, Suzy Araujo e Poliana no pódio em etapa do Campeonato Paulista de Slalom de 2004. (arquivo pessoal, Milene)

O renascimento da seleção brasileira de Canoagem Slalom

Em 2005 Milene, com apenas 16 anos, foi convidada para o que seria o novo embrião de uma seleção feminina de canoagem, e foi morar em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, município localizado perto de Três Coroas, na encosta da Serra Gaúcha, conhecido pelas práticas e competições de canoagem.

Os planos da jovem, entretanto, foram frustrados. A ideia das entidade esportivas da modalidade era formar uma seleção feminina de canoagem de velocidade, o que não se concretizou, e, por isso, Milene ficou por lá por apenas seis meses e regressou à terra natal.

No mesmo ano Milene e Poliana foram morar em Tibagi, no Paraná, outra referência em esportes com canoa e local onde a seleção brasileira feminina de canoagem estava sendo recriada. As viagens com a “seleção” não pararam e quase um anos depois ambas se mudaram para Foz do Iguaçu, no Paraná, onde treinaram.

Em 2007, com 18 anos, as duas canoístas começaram a se destacar e participaram do Mundial de Canoagem Feminino Sênior, na categoria K1 – caiaque para um remador. “Nós éramos de uma categoria menor, Júnior, mas participamos e consegui ir para a semifinal, me tornando a primeira mulher a chegar tão longe em uma competição oficial”, conta Milene.

Em 2008 tanto Milene, quanto Poliana não alcançaram o índice olímpico para ir para Pequim, mas a desistência de um atleta de outro país fez com que a confederação, por certos critérios, convocasse Poliana para aquela vaga.

Após deixar as competições oficiais, Milene se graduou em Educação Física e cursou pós-graduação em Personal Trainer e em Treino Funcional. A atleta também trabalhou como treinadora da canoagem Slalom na Escola de Esportes Náuticos da Prefeitura de Piraju.

Em 2021 Milene deixou a escola municipal para se dedicar à sua academia de musculação fundada no centro do município. Cinco anos antes ela foi convidada para ser árbitra de competições da canoagem Slalom durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Referências

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COMITÊ OLÍMPICO DO BRASIL, 2022. Atletas. Disponível em:  https://www.cob.org.br/pt/cob/time-brasil/atletas?modalidades=3551|543|&. Acesso em: 11 mar. 2022.

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DE PAULA, Poliana Aparecida. Entrevista concedida a Marcelo Cardoso. [São Paulo]. 11 mar.; 19 abr. 2022a. [Entrevista concedida por aplicativo WhatsApp].

FELIX, Wesley. Filme conta a história do projeto social que revelou Pepê Gonçalves. Olimpíada Todo Dia. Canoagem Slalom, 2022. Disponível em: https://www.olimpiadatododia.com.br/canoagemslalom/422627-filme-conta-a-historia-do-projeto-social-que-revelou-pepe-goncalves/. Acesso em: 7 abr. 2022.

FONTES, Carol. Ex-lavradora de plantação de café se realiza na canoagem e pode ir a 2016. Olimpíada. GE. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: http://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2015/12/ex-lavradora-de-plantacao-de-cafe-se-realiza-na-canoagem-e-pode-ir-2016.html. Acesso em: 23 fev. 2022.

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KLAUSENERK, Christian. Canoagem e os Jogos Olímpicos. Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo, s/d. Disponível em: https://cepe.usp.br/wp-content/uploads/Canoagem-e-os-Jogos-Olimpicos.pdf. Acesso em: 10 abr. 2022.

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MALULY, Luciano Victor Barros; CERVEIRA FILHO, José Luiz Fernandes. Comunicação, esporte, turismo e meio ambiente: como a canoagem transformou Piraju em cidade olímpica. Organicom, São Paulo, a.8, n.15, 2011. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/139114. Acesso em: 8 fev. 2022.

OLYMPICS.COM. Descrição da Canoagem de Velocidade, 2021. Disponível em: https://olympics.com/pt/noticias/descricao-da-canoagem-de-velocidade. Acesso em: 15 abr. 2022.

WOLF, Milene. Entrevista concedida a Marcelo Cardoso. [São Paulo]. 7 abr. 2022. [Entrevista concedida por telefone].

Marcelo Cardoso é jornalista, escritor, professor universitário e produz podcasts. Pesquisa o campo da Comunicação em suas várias interfaces com o esporte.

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