Jornalistas bombam no TikTok (e sem fazer dancinha)
O TikTok começou como uma rede social chinesa com vídeos divertidos e em pouco tempo virou um local apropriado para virar influencer. O caminho mais fácil era fazer dancinhas. Músicas legais, talento para movimentar o corpo, criatividade e um algoritmo generoso tirou muita gente do anonimato.
Não demorou muito para que muitos jornalistas tentassem a sorte no TikTok. Nos primeiros tempos, parecia uma batalha perdida. Mas logo o jogo mudou. O TikTok tem um algoritmo muito mais eficiente do que os das outras redes sociais e rapidamente mostrou que é muito rápido na entrega dos conteúdos preferidos de cada usuário.
Como em outras redes sociais, no TikTok também vale a regra da tentativa e erro, aprendizado e acerto. Não apenas para jornalistas, mas para qualquer um. Uma brasileira que ensina palavras e termos franceses, por exemplo, teve dificuldades no começo porque o algoritmo a jogava sempre para usuários franceses. Mas o seu público era brasileiro. Ela pediu para os brasileiros curtirem suas postagens e logo se transformou num sucesso.
Quem já é famoso não precisa se esforçar muito – seja dançando, falando, dormindo ou simplesmente fazendo uma cara qualquer, sempre vai bombar. Não era o meu caso, tampouco o de muitos jornalistas do setor automotivo e do motorsport.
Meu primeiro vídeo que bombou no TikTok teve apenas gestos e uma música bacana: “It´s a Heartache”, de Bonnie Tyler. No vídeo, eu mostrei qual é a posição certa de segurar no volante, fazendo negativo para as posições erradas e positivo para a correta. Deu 290,5 mil visualizações, mais de 5 mil curtidas, 99 comentários e 105 arquivamentos como vídeo favorito.
Publiquei o mesmo vídeo no Instagram e foi um desastre. Pouquíssimas visualizações e uma crítica: ‘O que essa música tem a ver com isso?” Povo chato, pensei.
Decidi então fazer uma “avaliação” do Ford Mustang só com gestos. Fiquei ao lado do carro, mostrei motor, portas-malas, conforto no banco traseiro, local do passageiro e posição de dirigir, tudo com gestos. Dessa vez a música foi “What Is Love”, uma obra-prima dos anos 90, cantada por Haddaway. É o tipo de música que convida a dançar. Foi bem, deu 20,7 mil visualizações, 1.239 curtidas e 43 comentários.
Novo teste no Instagram e… nada. Só que bombar nas redes sociais dá trabalho! E o TikTok não paga nada para o jornalista. Nenhuma rede social paga. Como eu não vivo de curtidas em redes sociais, mas sim da publicidade que o site Guia do Carro arrecada com matérias jornalísticas, dei um tempo. Como meus conhecidos estão no Instagram, decidi me dedicar a ele.
Sabe qual foi o resultado? Um retumbante fracasso. Então fiz outro teste no TikTok. Publiquei um vídeo ao volante da picape Fiat Toro e um título: “Fiat Toro é econômica?”. Deu 23,9 mil curtidas e desta vez não teve música. Teve eu mesmo fazendo um comentário sobre o consumo do Fiat Toro. Foram 445 curtidas e 25 comentários.
Quando Zhou Guanyu capotou na largada do GP da Inglaterra, postei rapidamente o vídeo da capotagem (no TikTok e no Instagram). Resultado no TikTok: 44,5 mil visualizações e 270 curtidas. No Instagram não chegou a 20 visualizações.
E assim tem sido. Quando fui fazer uma avaliação do Mercedes EQS (um sedã elétrico), fiz um vídeo curto do carro sendo manobrado e coloquei no título: “Roda traseira esterçante do Mercedes EQS”. Sim, as rodas traseiras também viram! Deu 366,6 mil visualizações, 12 mil curtidas, 259 comentários e 517 marcações de vídeo favorito. Não teve música, teve minha narração explicando o sistema. Ou seja: conteúdo jornalístico!
Assim tem sido. Como eu, vários jornalistas estão utilizando o TikTok para fazer conteúdo. Mesmo aqueles que bombam no Instagram estão encantados com o algoritmo do TikTok, pois ele entrega muito mais engajamento. É o caso, por exemplo, de João Brigato, jornalista do site Auto+, que já tem 151,7 mil seguidores no TikTok.
O vídeo que João Brigato fez com a picape Ram 1500 explodiu: deu 488,4 mil curtidas, 3.467 comentários, 26,9 mil marcações de vídeo favorito e 16 mil compartilhamentos no WhatsApp. Brigato, um jovem jornalista de Campinas, sempre mostra uma foto dele na frente de um carro e fala com o sotaque típico do interior paulista, com o “r” carregado.
Há outros casos. Boris Feldman, do Auto Papo, é um veterano jornalista mineiro que também tem boa audiência no TikTok. Já o youtuber Carlos Matos prefere investir em sua marca: Motor Driver. Ele foi meu aluno no Curso de Jornalismo Automotivo, trabalha na produção da TV Bandeirantes e já teve, por exemplo, 104,4 mil visualizações no vídeo “Câmbio em ‘N’ no semáforo, pode?” Mais um conteúdo útil.
O rei do TikTok, entretanto, é Silvio Menezes, jornalista automotivo do Recife. Silvio decidiu levar o TikTok a sério e investiu em pequenas produções. Ele já tem 71,2 mil seguidores e 1,2 milhão de curtidas. Silvio mistura conteúdo jornalístico com situações curiosas ou engraçadas (lembrando que ele é mesmo engraçado no dia-a-dia). Seu vídeo no qual ele coloca o capacete de Homem de Ferro tem a impressionante marca de 6,3 milhões de visualizações e quase 580 mil curtidas.
O fenômeno TikTok veio para ficar e é um mundo de oportunidades para jovens jornalistas se tornarem conhecidos. Tanto que o Instagram decidiu copiar o TikTok e passou a dar prioridade para vídeos curtos, reels e a jogar o conteúdo para o público em geral, não apenas para os seguidores de quem publica o vídeo.
Teve gente famosa que reclamou. A modelo Kim Kardashian publicou em seu perfil: “Faça o Instagram ser o Instagram de novo. Pare de tentar ser o TikTok, eu só quero ver fotos fofas dos meus amigos”. A rede social, que nasceu para a postagem de fotos legais, disse que está dando um passo atrás para voltar a ser o que era. Melhor recuar, pois o Instagram toma um banho do TikTok na eficiência do algoritmo.
Mas especialistas dizem que isso é passageiro. O recuo do Instagram é tático, até melhorar o algoritmo, pois a tendência das redes sociais digitais é atingir qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo pelo conteúdo e não pela amizade. Exatamente como faz o TikTok com estrondoso sucesso.
“O Instagram e o Facebook estão gradativamente abrindo mão do chamado social graph. O termo em inglês diz respeito às pessoas que você se conecta, que decidem seguir você e que você segue”, escreveu escreveu o advogado Ronaldo Lemos na Folha de S. Paulo.
Lemos vai além: “Em vez de comunidades, as pessoas vão se conectar com uma massa amorfa e abstrata, com a qual não têm nenhuma conexão direta. Para quem produz conteúdo isso torna o jogo totalmente diferente. Você não vai falar mais para uma plateia que é sua. Cada conteúdo que postar vai competir por atenção com outros conteúdos postados no mundo inteiro”.
Fica a dica para jornalistas que desejam ter uma porta de entrada na fama, sempre lembrando que isso precisa levar a algo que dê remuneração, caso contrário o produtor de conteúdo será apenas mais uma pessoa trabalhando de graça para o TikTok ou qualquer outra rede.