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Os números mentem, sim!

Uma das frases mais usadas pelos “idiotas da objetividade” (Nelson Rodrigues) é que os números não mentem. Alguns acrescentam “jamais”. Pois os números mentem, sim. Um exemplo, para quem pretende seguir carreira no jornalismo esportivo, são os números da Fórmula 1.

Números são importantes na análise esportiva. Muitas vezes, servem de base para uma boa argumentação. O erro é olhar para os números sem interpretá-los. A verdade pode até estar contida nos números, mas, muitas vezes, não está nos números aparentes, e sim nos números interpretados.

Em 2022, a Red Bull se tornou campeã mundial de construtores ao obter sua 15ª vitória em 19 disputas. Seu piloto número 1, Max Verstappen, obteve o título em sua 12ª vitória em 18 corridas. Desde 2010, somente os carros da Red Bull e da Mercedes foram campeões.

Para usar estatísticas, é preciso fazer recortes. As estatísticas da F1 do século 21 não podem mais ser comparadas com as estatísticas da F1 do século 20. Desde o ano 2000, o número de corridas por temporada aumentou demais e as vitórias se concentraram em poucos pilotos.

Desde o GP de Abu Dhabi 2020 (último daquela temporada) até o GP dos Estados Unidos 2022, foram disputadas 42 corridas. Nesse período, Verstappen ganhou 24 corridas. Isso dá um percentual de 57%, ou seja, uma estatística superior à de Juan Manuel Fangio, que também ganhou 24 corridas num intervalo quase idêntico, 48 corridas disputadas (Mônaco 1950 a Alemanha 1957), com percentual de 50% de aproveitamento.

As 24 vitórias de Verstappen aconteceram num período de apenas dois anos. As 24 vitórias de Fangio atravessaram toda a sua carreira na Fórmula 1, num período de oito anos. O bicampeonato de Max ocorreu com o mesmo carro (Red Bull) e com o mesmo motor (Honda). O pentacampeonato de Fangio teve quatro carros e quatro motores diferentes (Alfa Romeo, Maserati, Mercedes, Ferrari e mais uma vez Maserati).

Comparar esses dois fatos, colocá-los no mesmo patamar, é usar os números verdadeiros para contar uma mentira. Não estou aqui fazendo juízo de valor sobre a conquista de cada um, mas sim dizendo que são números parecidos em condições muito diferentes. Por isso, o papel do jornalista esportivo é colocar os números dentro de seus devidos contextos.

Agindo assim, o jornalista esportivo contará muitas verdades usando os números. Se apenas jogá-los para seu público, sem mostrar as diferenças incríveis que podem existir entre números parecidos, nesse caso contará apenas mentiras.

Max Verstappen: números iguais aos de Juan Manuel Fangio, mas em contextos difernentes. (Foto: Twitter/Red Bull)

 

* Sérgio Quintanilha é jornalista e doutorando no PPGCom-ECA/USP