ALTA ROTAÇÃO

Como o mestrado e o doutorado me ajudaram a melhorar como jornalista

 

O objetivo desta coluna é dar dicas para quem pretende seguir a carreira no jornalismo esportivo e/ou automotivo. Mas eu sei que muitos jornalistas – sejam novatos ou experientes – têm desejo de fazer mestrado e/ou doutorado. Por isso, vou contar como o mestrado e o doutorado me ajudaram a melhorar como jornalista.

É quase impossível constituir uma carreira acadêmica atuando no jornalismo profissional. Raros são os exemplos de quem consegue. Afinal, tanto o jornalista quanto o professor precisam dedicar muitas horas de estudo. Para ensinar é preciso estudar muito. Para reportar, comentar e analisar, também!

A construção de uma boa carreira no jornalismo, assumindo cada vez mais responsabilidades, é o principal impedimento para que jornalistas entrem na Academia. Simplesmente não dá tempo. Por isso, quanto antes você fizer um mestrado e um doutorado, mais tempo terá para decidir o que, realmente, você quer para sua vida.

Nem todo mundo faz mestrado e/ou doutorado com o objetivo específico de dar aulas e seguir carreira acadêmica. Muitos querem apenas se aprofundar nas questões que mexem com a sociedade. Eu, por exemplo, fiz mestrado porque estava vendo o funil do jornalismo ficar cada vez mais estreito e por achar que as leituras de artigos de revista e jornal não atendiam a sede de conhecimento que eu tinha sobre a revolução que a internet provocou no jornalismo.

Eu tinha um bom texto e boa capacidade de elaborar diferentes formas de contar uma história. Mas só quando sentei para escrever meu primeiro texto acadêmico vi como meu texto era raso, como minhas referências eram insuficientes. Ao longo de 30 anos havia aprendido a dizer o maior número de informações possível no menor espaço possível.

Uma dessas experiências foi na Editora Abril, onde alguns textos eram absurdamente curtos. Nos anos 1990 e 2000, o enxugamento do texto – vendido pelos editores como uma forma elegante e moderna de escrever – era, na verdade, uma imposição econômica. Com o custo do papel cada vez mais alto, economizar espaço era vital.

Havia também o falso paradigma de que os textos tinham que ser curtos porque ninguém tinha tempo de ler. Por isso, em seus primeiros anos, os textos da internet eram muito mais curtos e rápidos do que os textos de jornal e revista. Só com o tempo aprendemos que a internet permite, sim, textos mais elaborados e longos, pois não tem uma limitação de espaço. A limitação que se impõe é a do interesse do leitor, que pode abandonar a história no meio do caminho. A disputa não é por espaço e sim por atenção.

Um artigo acadêmico, entretanto, precisa ter no mínimo 20 mil caracteres. E ele não pode surgir “do nada”. É impossível, para quem não tem referências, produzir um texto de 20 mil caracteres que seja útil para alguém. Por isso, existe a pesquisa empírica, que entrega dados, e as referências bibliográficas, que são as citações.

Há também a formalidade. O texto jornalístico não precisa, necessariamente, citar a fonte. Nós, jornalistas, somos bem arrogantes quando escrevemos, jogando um monte de informações, supostas citações, pensamentos e histórias sem precisar dar a fonte. A lei nos protege. Não somos obrigados a revelar a fonte nem mesmo em casos muito graves, como uma denúncia que pode derrubar o presidente de um país.

No texto acadêmico é diferente. O mestrado é relativamente rápido, dura cerca de dois anos, e tem o potencial de destruir o ego de qualquer jornalista metido a comentarista ou analista. Isso porque no mestrado você não pode, a rigor, ter uma opinião própria. Você pode, claro, construir a sua narrativa, mas desde que ancorado em autores que dêem um aval ao seu pensamento – e eles precisam ser citados (obra, ano e número de página).

Outra coisa: as citações precisam respeitar as regras ABNT, que todo jornalista odeia, mas que é um mapa do tesouro para futuros pesquisadores, daí sua importância social e histórica.

Mas, por óbvio, uma dissertação de mestrado não pode ser uma cópia do que alguém já disse. Portanto, é preciso buscar várias fontes, a favor e contra, e escrever de forma que esses autores dialoguem entre si. Tudo isso com o cuidado de não transformar o texto num festival de aspas, pois essa é a forma mais fácil de fazer inúmeras citações sem empolgar o leitor.

Acreditem: é muito difícil sair do jornalismo – ou, pior, praticar o jornalismo diariamente – e mudar a chave de seu cérebro para escrever de uma forma totalmente diferente. Ao contrário do jornalismo, na Academia é preciso escrever muito, explicar tim-tim por tim-tim porque tal frase aparece no texto. É por isso que os textos acadêmicos têm a fama de serem chatos; mas é também porque as pessoas não estão preparadas para lê-los.

Na graduação o trabalho final é chamado de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). No mestrado, o trabalho final é a Dissertação. No doutorado, é a Tese. E é no doutorado que aprendemos definitivamente o poder da palavra. Para fazer uma Tese de Doutorado é preciso ter não apenas uma boa base de leitura, mas principalmente de compreensão do que se leu. É preciso trabalhar com um pensamento muito mais complexo.

Um bom livro para começar essa jornada é “Introdução ao Pensamento Complexo”, de Edgar Morin (Editora Sulina, 120 páginas, R$ 40). Morin propõe “organizar conhecimentos de modo que estes possam dialogar entre si e fazer parte da vida humana, como se formassem uma colcha de retalhos costurados com harmonia e perfeita combinação de cores”.

Um querido professor da USP me disse que em sua Tese de Doutorado seu orientador o proibiu de fazer citações, justamente para exigir dele um pensamento inédito. No meu caso, houve um momento em que o orientador me disse: “Não leia mais nada. A partir de agora você vai só pensar! Pense, pense, pense muito. E coloque seus pensamentos no papel”.

Agora, convenhamos, pensar é algo que o jornalista atual tem menos tempo para fazer. Vivemos num momento em que a pressa se impõe, em que é preciso produzir seis ou sete matérias por dia, em que é preciso escrever primeiro para o algoritmo e depois para o leitor (quando não para o patrão, mas isso sempre existiu).

A soma de dois anos de Mestrado, dois anos como Aluno Especial e quatro anos de Doutorado me deram oito anos de aprendizado sobre o poder da palavra. Uma palavra certa tem uma força que nem sempre percebemos como jornalistas. Mas essa palavra não é isolada e não surge de uma pesquisa no SEO do Google, e sim de sua capacidade de olhar para os fenômenos muito mais interessado no “por que” do que no “o que”.

Por isso não é só uma palavra, mas várias. Essas várias palavras vêm de inúmeras referências de professores, colegas e autores que somos “obrigados” a consumir quando fazemos mestrado e doutorado. Depois disso o texto jornalístico pode ser grande ou curto, noticioso ou analítico, mas ele estará devidamente encaixado dentro de uma grande e invisível narrativa que você traz em sua cabeça e exercita, dia após dia.

O mestrado e o doutorado não fazem de você um jornalista melhor do que os outros. Mas são uma enorme contribuição para seu arsenal de diferenciação que o mercado de trabalho exige. Por incrível que pareça, você se torna mais humilde na forma de escrever. Você respeita mais as coisas nas quais não acredita porque enxerga com mais facilidade que o mundo tem múltiplas narrativas; e a sua é só mais uma.

 

* Sérgio Quintanilha é jornalista, professor e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP