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“Eu quero tá sempre conquistando”, diz Cláudio Grillo sobre trabalho no futebol

Foto: Sônia Regina T. Massironi
Foto: Sônia Regina T. Massironi

Um dos mais importantes cargos da comissão técnica de um time de futebol, e um dos mais ignorados pela mídia em geral, é o de auxiliar técnico em tecnologia esportiva. Claudio Grillo é um destes profissionais, tendo trabalhado com muitos treinadores renomados, como o Paulo Autuori, Alexandre Gallo, Levir Culpi, e Parreira, auxiliando-os com planilhas de jogadores, análises estatísticas e orientação na área de tecnologia aplicada aos treinos.

Já passou por diversos clubes brasileiros, como o Palmeiras, São Paulo, Santos, Fluminense, Internacional e Bahia, sendo o seu ultimo clube a Ponte Preta, a qual se desligou em maio deste ano. Também conquistou múltiplos títulos durante seus 20 anos de carreira, sendo campeão da Libertadores duas vezes, do Paulista cinco vezes, uma vez campeão Mundial, e vários outros.

Nesta entrevista, ele nos conta um pouco sobre o seu trabalho, e também sobre sua relação com o treinador Muricy Ramalho.

Desde 2006 [Cláudio Grillo] teve diversos trabalhos com o Muricy, né? E você saiu da Ponte Preta um mês depois dele, exatamente. Já é um projeto ano que vem?

É, de uma certa maneira sim, né? A gente sempre tem contato, mesmo com eu estando na Ponte e ele no São Paulo, era um desafio novo pra mim, eu também queria, porque série B, eu ia ter – encontrar a autonomia de buscar jogadores para a Ponte, pra gente montar uma linha para subir pra série A, e o negócio de trabalhar em um time menor, série menor, como a série B, e tentar levar o time pra série A, me fascinou um pouquinho, assim, mexeu com as minhas competências, achei que queria sentir como era. Foi bom, cumpri o objetivo, subimos pra série A, só que aí depois ficou meio sem sentido, na série A como o time pequeno, na série B como o time a ser batido, e como time pequeno no sentido de que a gente tinha ideias pra melhorar, pra modernizar, e até pra trazer patrocínio, e eles não pensavam assim, na minha visão pensavam como um time que já conquistou o que queria e tá bom, e eu como uma pessoa de 20 anos no futebol, graças a deus, com dois títulos mundiais, um eu conquistei, o outro fui vice-campeão, e eu quero tá sempre conquistando, eu não penso assim. Então resolvi sair, coincidiu naquela fase toda, daquela turbulência do São Paulo, Muricy também saiu, e quem sabe o ano que vem agora a gente possa trabalhar juntos de novo.

Tão vendo um time já?

Ah, sempre aparece, né, nesse final de ano muita gente já me ligou porque sabe que eu tenho contato com ele; de clubes sondando, se eu posso falar com ele, só que – mas ele é bem assessorado, tem um empresário supercompetente, e na hora certa ele vai saber escolher, e eu espero que apareça um time que de pra gente, assim, se caso eu for trabalhar com ele, perspectiva de conquistar mais títulos.

A próxima pergunta você já respondeu, que é, que as planilhas de jogadores ajudam na hora de contratar?

Claro. Planilha de jogador… A planilha na verdade é só onde você lê uma coisa chamada Banco de Dados, né. Eu tenho um banco de dados próprio, que eu acho que ninguém tem igual no futebol brasileiro, não é modéstia falar, mas eu tô há 20 anos fazendo isso, sou o primeiro, e eu já tenho, pra você ter uma ideia, mais jogadores até que pararam do que ainda estão em atividade, pra você ver como eu tenho bastante jogador ali, e ajuda muito, mas assim, não basta você ter um jogador, porque no Brasil brota jogador a todo o momento, em todo campeonato, em todas as divisões, então tem que tá antenado. Eu tenho ido assistir jogo da série B do Paulista, da série B do campeonato catarinense, eu fui assistir no campeonato mineiro um jogo da copa Minas Gerais lá, entre o Valeriodoce e o Guarani de Divinópolis, então é assim, tem que tá antenado, não só tá assistindo, como ter uma boa rede de contatos como eu tenho, pra você tá sabendo sempre os jogadores que aparecem.

É possível fazer um time estatisticamente perfeito?

Eu acho que é, estatisticamente é possível. Só que estatisticamente eu também tenho que lhe dizer que um jogador que vai bem num clube pode não ir bem no outro, e estatisticamente existem clubes e perfis, por exemplo, o Coritiba, digamos assim, tem o perfil de ser como o Botafogo do Rio, como o Bahia, como o Vitória, como o Figueirense e tal. Um jogador vai pra um time desses, ele vai com a corda toda, se sobressai, joga demais. Aí o São Paulo, que na minha opinião já é um outro perfil, o Palmeiras, o Cruzeiro, o Grêmio, contrata esse jogador e ele não consegue jogar. Aí ele volta pra aquele perfil. Aí já naquele perfil que ele era bom ele tem dificuldade, volta um mais atrás ainda, pra um time mediano, vai [para] o Botafogo de Ribeirão Preto, uma Ponte Preta, aí ele tem que fazer uma carreira de novo pra tentar subir um degrau. Então, estatisticamente, você não pode contratar um jogador porque ele foi bem em uma ou duas ou três temporadas se ele não mudou de perfil de clube. Porque tem jogador que vai bem em determinado centros, por exemplo, Sul, Sudeste, e vai pro Norte, Nordeste, e não joga. Tem temperatura, distância da família, né, ser humano, não é robô, e a estatística trabalha com robô, então 50%, que é a parte robô, a estatística acerta, 50%, que é a parte ser humano, ela não vai acertar, e aí é o fino de quem tá há muito tempo no ramo, e pegando estatísticas que as planilhas não conseguem comportar, que são dados sentimentais, psicoterapêuticos, que a gente chama, que aí a minha formação como psicólogo também ajuda, pra você saber que você pode minimizar um pouco o erro do jogador.

Precisa melhorar a tecnologia no futebol brasileiro?

Com certeza. A tecnologia vai melhorar todo dia. O que você sabe de tecnologia hoje, vamos dizer assim, em termos de computação, vou nem falar de outros sensores, outros tipos de sensores, que hoje em dia você tem um sensor pra saber a velocidade do vento, a umidade do campo, e saber se o jogador vai começar a suar, com quanto tempo de jogo pelo quanto que ele corre, pra ele usar um tipo de pano na camisa que vai ser melhor pra ele do que pra outro, porque ele soa mais do que o outro. Isso também é ciência. Agora vai falar “pô, é 0,001%”, mas se você somar todos esses 0,001% que ajuda no final você tem 5% de chance a mais de ganhar do que o outro, já é alguma coisa. Então vamos falar só de computação. O que nós dois sabemos agora, nesse momento, de computação, daqui um mês já vai tá obsoleto, porque toda vez tá surgindo coisa nova. E mesmo se ela não começar a ser aplicada imediatamente, ela começa a influenciar nas tendências das coisas que vem, você prepara um software pra um sistema operacional, daqui a pouco ele tem uma atualização que já muda algumas coisas que você fez, e é assim nos bancos de dados também, a segurança que você tem que ter, a maneira como você transporta arquivos, se é de HD pra HD físico, se é por nuvem, se você vai consultar isso. Se número você consulta rapidamente, vídeo você não consulta rapidamente, então a tecnologia avança todo dia. Eu acho que sempre tem que melhorar, e sempre vai melhorar. O que é importante não é que a tecnologia vai ou não melhorar, ou, ainda, ter muito mais recurso; é o futebol, especificamente que nós estamos falando aqui, acompanhar essa evolução já que tem que ter pessoas que entendam da área de tecnologia junto do pessoal da área de educação física, que aí você “linka” uma coisa com a outra, e aí que eu brigo bastante, que eu acho que a tecnologia tá, assim, lado a lado com quem trabalha com a parte humana, física e biomecânica do corpo.

E com que treinador você se identificou mais, e com quem menos deu certo?

(Risos) Ah, não sei, menos deu certo, acho que não tem, porque graças a deus eu tenho vários títulos, e assim, eu tenho mais títulos do que tempo de carreira, isso me deixa muito envaidecido, eu tenho quase 20 anos [de carreira] e tenho 25 títulos, então, eu acho que eu vou falar assim, o último é sempre bom, né, tenho trabalhado ultimamente com o Muricy, tenho aprendido muito com ele, não só como pessoa, que eu acho que é o mais importante, como treinador no campo, mas como um líder, sabe? Que cuida de pessoas, e isso eu acho muito bacana, ele não faz alarde, ele faz tudo pra não aparecer, ao contrário dos outros que fazem tudo pra aparecer, alguns outros, mas eu também, eu não questiono, é um jeito que eu achei bacana, que talvez tenha um pouco mais a ver comigo, então vou dizer que a identificação, por enquanto, é o Muricy, que talvez é o último.

E conta um pouco sobre o seu dia a dia do trabalho lá nos clubes.

Ah, o dia a dia no clube é assistir treino, é gravar jogo, é falar sobre futebol, onde o jogador tava, onde ele tá, que tipo de sistema o time usou, “pô, vi o jogo ontem, como foi, quem jogou de tal maneira, o volante marca, o volante sai pro jogo, o zagueiro é rápido, pô, mas ele é rápido e perdeu na corrida, então o que aconteceu, não tinha cobertura, tinha”. Então é tá falando de futebol, vivendo o mundo que a gente tá, porque, graças a deus, futebol, você entra na padaria e o cara fala sobre futebol com você, você entra no barbeiro o cara fala sobre futebol com você, você entra na mecânica o cara fala sobre futebol com você, então é o único ramo que você trabalha que todo mundo conhece, então fica fácil, você tá sempre conversando e se atualizando.

Valeu!

(por Leonardo Turtera Masironi e Franciele Aguiar Neves)