Governo tenta resgatar papel social do automóvel
Ainda não se sabe ao certo qual será o verdadeiro impacto das medidas anunciadas pelo governo nos preços dos carros até R$ 120 mil. Mas uma coisa é certa: com este movimento, o governo tenta resgatar o papel social do automóvel. E isso é bom.
Desde a segunda metade da década passada existe um forte movimento de alta nos preços dos carros. Esse fenômeno se intensificou na pandemia de Covid e chegamos ao absurdo de modelos subcompactos e de fabricação de baixo custo, como Renault Kwid e Fiat Mobi, custarem R$ 69.000 na versão básica.
A história mostra que os automóveis são importantes na trajetória política do presidente Lula. Por isso, era esperado que seu governo fizesse algum movimento que ajudasse a indústria automobilística a reduzir os preços dos carros.
Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) encontraram uma boa fórmula para reaquecer as vendas de carros. As fábricas paradas e o risco de desemprego no setor foram suficientes para motivar Lula a cobrar algum plano econômico de seus ministros.
Segundo a Anfavea, as medidas de redução de impostos devem resultar em aumento nas vendas, entre 200 mil e 300 mil unidades.
A renúncia fiscal ficará entre 1,5% e 10,96%, dependendo dos níveis de preço, eficiência energética e nacionalização dos carros. Segundo as primeiras estimativas, isso deve custar entre R$ 500 milhões e R$ 900 milhões ao governo. Por isso, uma boa decisão foi restringir as renúncias ao prazo de quatro meses.
O automóvel tem um papel importante no desenvolvimento de um país. Especialmente num território imenso, como é o do Brasil, a mobilidade entre as cidades é importantíssima para a circulação de mercadorias e a geração de crescimento econômico. Não apenas entre as cidades, que podem ter grandes distâncias, mas também dentro das metrópoles.
Tudo isso desaba, entretanto, se o preço dos carros de entrada se torna inatingível para a maioria da população e os automóveis passam a ser apenas um brinquedo de ricos. Que, para além de desfrutarem dos carros com as melhores tecnologias, ainda lucram com a compra antecipada e a venda com ágio dos modelos mais fascinantes.
Essa roda da fortuna aprofunda a desigualdade econômica e social do país e destrói a função social do automóvel. Por isso, alguma coisa teria que ser feita. É importante que o país, que tem cerca de 30 marcas diferentes no mercado, decida o que quer de sua indústria automobilística.
Para este momento de emergência, a decisão do governo foi boa. Mas para o futuro próximo – estamos falando de 2030 – muita coisa ainda terá que ser discutida. Qual será a rota automotiva do Brasil na questão da descarbonização? É fato que o Brasil pretende ser um dos líderes da redução de carbono, que é urgente para o planeta.
Os carros são tidos como os vilões da história. Mas o agronegócio e o desmatamento jogam mais CO2 na atmosfera do que o setor de transporte, segundo pesquisa divulgada pela Stellantis. O carro elétrico a bateria será uma realidade no país dentro de 10 ou 15 anos, queiramos ou não, pois a indústria mundial já tomou essa decisão. O Brasil não será uma ilha.
A grande questão é como será a transição. É aqui que o papel do governo novamente será importante, pois cada grupo automotivo defende o seu negócio. Para alguns, é melhor dar o máximo de incentivo para a rápida criação de um mercado de carros elétricos, a fim de reduzir os custos e os preços dos modelos a bateria. Para outros, retardar esse processo e aproveitar o híbrido com etanol é mais vantajoso.
De um jeito ou de outro, o automóvel precisa manter a sua função social. Se, dependendo das condições econômicas, o carro se tornar acessível somente para os ricos, o Brasil poderá se tornar apenas um importador. Mas não adianta também ter uma tecnologia barata (só de carro a álcool, por exemplo) que impeça exportações, pois hoje a indústria automotiva é totalmente globalizada.
* Sergio Quintanilha é jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.