GINGA ESPORTIVA

Um dia triste para o jiu-jitsu

As pessoas mais próximas de mim sabem que eu sou praticante de jiu-jitsu desde 2008 e que tive uma carreira bem tímida e curta como competidor. Porém, nenhum dia dentro dos tatames de jiu-jitsu mudou minha trajetória no esporte como uma notícia sobre um lutador que vou relatar. Este texto de hoje é um tema caro para mim e para muitas pessoas do esporte.

Antes de abordar o tema, farei um breve relato sobre uma experiência que tive no Mundial de Jiu-Jitsu da CBJJE (Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu Esportivo), ocorrido em 2012. Para esse mundial em específico, eu estava passando por um dos melhores ciclos de treinamento para competição, juntamente com meu professor e alguns colegas que também iriam disputar o campeonato. Eu iria competir na categoria faixa azul, porém, uma lesão no meu joelho me tirou da competição cerca de um mês antes. Apesar da decepção por não poder competir, queria ir ao mundial para torcer pelo meu professor e meus colegas. No entanto, no dia da competição que ocorreu no ginásio do Ibirapuera, um acontecimento me animou muito. Esse acontecimento foi rápido, mas que me deu energia para continuar praticando jiu-jitsu. Por um breve momento, tive uma conversa bastante amigável com umas das principais estrelas do jiu-jitsu, o lutador Leandro Lo.

Para mim, aquele momento valeu como uma medalha. Fiquei feliz por ter a oportunidade de conversar com um dos atletas mais promissores da época, a quem admirava e me inspirava assistindo vídeos na internet. Para minha surpresa, o lutador foi muito atencioso e gentil, deixando toda sua fama e importância de lado para conversar com um jovem iniciante. Quem está envolvido no meio do jiu-jitsu sabe que isso é raro. Tive outras oportunidades de conversar com Leandro Lo posteriormente. Embora ele não fosse um grande amigo meu, posso garantir que era uma pessoa que eu admirava bastante, principalmente pela sua simplicidade.

Para quem não conhece Leandro Lo, ele era considerado um dos maiores lutadores de jiu-jitsu, com feitos inimagináveis. O lutador foi campeão mundial – pela IBJJF (International Brazilian Jiu-Jitsu Federation) – na faixa preta, nas categorias leve, médio, meio-pesado, pesado e absoluto (disputa sem restrição de peso), totalizando oito títulos mundiais, porém em categorias diferentes. Podem até existir outros lutadores com mais títulos que Leandro Lo, mas ambos os títulos são na mesma categoria, como, por exemplo, Bruno Malfacine com 10 títulos mundiais, todos no peso galo. Em categorias diferentes ninguém supera Lo, sendo um feito que dificilmente veremos outra pessoa ultrapassar. E para quem conhece o jiu-jitsu competitivo, sabe que cada categoria de peso tem suas dificuldades e especificações, tornando cada categoria uma nova competição.

Entretanto, o dia em que uma matéria jornalística sobre o jiu-jitsu mudou minha trajetória no esporte não tem relação com o que ocorre nos tatames. O dia era 7 de agosto de 2022, e como de costume, eu estava lendo matérias jornalísticas sobre os principais acontecimentos daquela manhã. Até que me deparo com uma matéria informando a morte de um lutador de jiu-jitsu. O título continha apenas essa informação, sem o nome da pessoa. Acabei abrindo a matéria e a li. No entanto, nunca passou pela minha cabeça que o lutador que teria sido covardemente assassinado naquele dia seria Leandro Lo. Quando li esse nome, estremeci e fiquei longos minutos refletindo, tentando entender o que realmente havia ocorrido. Não vou mentir, foi um momento bastante triste. Foi dessa maneira que descobri que um dos maiores lutadores de jiu-jitsu havia perdido sua vida, no auge, em todos os sentidos. Esse ocorrido mostrou que praticar uma arte marcial não nos deixa imune à violência, e que a vida de Leandro Lo, um dos maiores lutadores do jiu-jitsu, foi retirada facilmente por um tiro de arma de fogo.

Após o primeiro baque com a notícia, passei da reflexão ao questionamento. Perguntando-me, porque tal notícia tinha sido tão minimizada pela “grande mídia”, não sendo digna nem de ter o nome do lutador estampado no título. Os veículos jornalísticos demoraram a compreender de fato quem teria perdido a vida e o que ele significava para o esporte.

Fazendo uma breve comparação com atletas do futebol, Leandro Lo poderia ser facilmente comparado a Messi, Cristiano Ronaldo, Mbappé, Neymar e outras grandes estrelas do futebol. Provavelmente, se um caso semelhante tivesse ocorrido com um jogador de futebol, teríamos uma enxurrada de notícias sobre o ocorrido, tanto nos meios impressos/digitais quanto nas emissoras de televisão.

Nesse dia bastante triste, não só para mim, e que provavelmente mudará o esporte, já que Leandro Lo tinha muitos amigos, alunos e admiradores, também nos mostrou que o jiu-jitsu no Brasil, ainda segue sem despertar o interesse midiático – sendo evidente até mesmo nos meios de comunicação especializados no esporte –, um tema ao qual me dediquei a pesquisar durante meu mestrado (MARCELLO, 2017; LOPES; MARCELLO, 2021).

Em contraste, vemos o contrário em países da Europa, Estados Unidos e Emirados Árabes, onde o número de pessoas que praticam ou acompanham o esporte só cresce, chegando ao ponto de ter a transmissão de campeonatos em redes de televisão aberta. E o mais interessante é que o esporte em países estrangeiros é formalmente conhecido como “Brazilian Jiu-Jitsu” ou “Jiu-Jitsu Brasileiro”. O que torna o desinteresse pelo esporte no Brasil, ainda mais simbólico.

Mas, enfim, o jiu-jitsu sem o brilho de Leandro Lo nunca será o mesmo. Resta-nos apenas lembrar-se da sua trajetória e seu carisma.

Referências

LOPES, Felipe Tavares Paes; MARCELLO, Murilo Aranha Guimarães. Jiu-jitsu na mídia: análise do potencial ideológico de matérias da revista Veja. Revista Comunicação Midiática, Bauru, SP, v. 15, n. 2, p. 53–65, 2020. DOI: 10.5016/cm.v15i2.464. Disponível em: https://www2.faac.unesp.br/comunicacaomidiatica/index.php/CM/article/view/464.

MARCELLO, Murilo Aranha Guimarães. Jiu-Jitsu na mídia: análise do potencial ideológico dos discursos veiculados na revista Veja. 2017. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Cultura, Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 2017.

*Murilo Aranha Guimarães Marcello é Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba.