EM DISPUTA

A importância da antropologia para os estudos sobre torcidas organizadas de futebol

Nesta coluna, busco discutir, de forma muito breve, a importância da antropologia para a emergência e desenvolvimento do campo de estudo e pesquisas sobre torcidas organizadas de futebol. Para realizar tal discussão, é preciso observar que, na América Latina, até a década de 1980, o futebol era interpretado, principalmente, por uma perspectiva crítica, baseada no marxismo e no neomarxismo. Para tal perspectiva, o futebol constituía um aparelho ideológico de Estado, que servia, entre outras coisas, para desviar a atenção da classe trabalhadora dos “verdadeiros” problemas da sociedade e, ao mesmo tempo, canalizar sua energia para uma atividade de gratificação imediata. Nesse contexto, o torcedor (incluindo o organizado) só pode ser percebido como um sujeito alienado (LOVISOLO, 2011). Assim percebido, ele não teria, portanto, nada de significativo a dizer, ou seja, não teria nada a ensinar ao pesquisador, podendo ser, na melhor das hipóteses, objeto de sua curiosidade filosófica (por que é tão alienado?) e, na pior, de severas críticas e julgamentos morais (como pode ser tão alienado?!!!).

Ainda na década de 1980, o futebol passou a ser interpretado por uma perspectiva quase oposta, assentada fortemente na antropologia. Disciplina que tende a privilegiar o ponto de vista dos nativos, que são por ela percebidos como pessoas capazes de ensinar muitas coisas ao pesquisador: seus modos de vida, de sentir e de pensar. Não à toa, a antropologia é interpretada por alguns autores como uma espécie de ciência da alteridade, que pressupõe uma experiência de descentramento radical. Afinal, o primeiro passo para um antropólogo compreender uma comunidade seria justamente deixar-se naturalizar por ela. Converter-se a uma outra mentalidade. Para, só então, adotar um olhar mais distanciado e buscar compreender as lógicas que escapam aos seus membros. Evidentemente, a adoção desse tipo de abordagem implica que o torcedor de futebol – tomado como um nativo –, não pode mais ser tratado apenas como um simples alienado (LAPLANTINE, 2005). Assim, foi graças a essa abertura para o outro, que, na década de 1990, o torcedor organizado passou a ser percebido, por uma série de antropólogos, como um objeto-sujeito privilegiado de pesquisa. Como alguém, portanto, que não pode ser reduzido aos estigmas que, habitualmente, lhe são impostos.

 

Referências

LAPLANTINE, François. Aprender a antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2005.

LOVISOLO, Hugo Rodolfo. Sociologia do esporte (futebol): conversações argumentativas. In: HELAL, Ronaldo; LOVISOLO, Hugo Rodolfo; SOARES, Antonio Jorge Gonçalves (Orgs.). Futebol, jornalismo e ciências sociais: interações. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011, p. 11-32.

* Felipe Tavares Paes Lopes é professor e pesquisador da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)