EM DISPUTA

As características do “esporte moderno” segundo Allen Guttmann

Nesta coluna, apresento as características do “esporte moderno” segundo Allen Guttmann, autor de várias obras sobre esporte, como o livro From ritual to record, de 1978. Tomando de empréstimo o conceito weberiano de tipos ideais, o autor buscou compreender o “esporte moderno” a partir de suas diferenças em relação aos “esportes” “primitivos”, “antigos” e “medievais”. Ao fazer isso, argumentou que apenas o “esporte moderno” possui o seguinte conjunto de características, a saber: primeira, o secularismo. De acordo com ele, apenas o “esporte moderno” é despojado completamente de um caráter ritual religioso. Isso não significa, contudo, que já não existisse certa secularidade nos “esportes” de outras sociedades. Por exemplo, na Roma Antiga, já se exercitava para manter a forma física e se preparar para eventos.

Segunda, a igualdade de oportunidades de participação. Guttmann argumenta que, apesar de ela já existir na Grécia Antiga, hoje em dia, ela é muito superior, devido, em parte, à transformação nas regras. Mas, de acordo com ele, para que o princípio de igualdade pudesse, efetivamente, ser colocado em prática foi necessário superar duas segregações: a racial e a das mulheres.

Terceira, a especialização. Guttmann observa que, diferentemente dos jogos medievais que eram caracterizados por regras pouco claras e pela não seleção de habilidades, o “esporte” na Grécia e na Roma Antiga já contava com certo grau de especialização. Hoje em dia, os esportes são hiper mercantilizados, o que acentua a divisão social do trabalho e produz a ultra especialização dos profissionais

Quarta, a racionalização. Guttmann entende que regras sempre existiram, mas que elas deixaram de possuir um caráter divino para se tornarem um artefato cultural. Ademais, segundo o autor, hoje em dia, a performance é mais do que nunca orientada pelo conhecimento científico.

Quinta, a burocratização. Guttmann observa que, em tempo algum, as “práticas esportivas” foram organizadas por um aparato burocrático como o atual. As instituições burocráticas do “esporte moderno” nasceram, ainda no século XVIII, com o críquete e, hoje em dia, seu âmbito é internacional e sua esfera de poder imensurável.

Sexta e sétima, a exigência de quantificação e a busca por recordes. Guttmann destacada que a primeira foi reforçada pela invenção do cronômetro e que a segunda só se encontra no mundo atual, ainda que já houvesse uma tendência à comparação nos “esportes” anteriores.

Certamente, essa tipificação do esporte é muito útil para compreender as particularidades do “esporte moderno”. No entanto, ela não está isenta de críticas. Por exemplo, segundo Luiz Alberto Pilatti, uma de suas limitações é sua inadequação a várias modalidades esportivas atuais, que não se amoldam ao seu modelo. Afinal, seu foco é o esporte de alto-rendimento. Ademais, algumas das características apresentadas para o estabelecimento das comparações feitas possuem configurações distintas em outros períodos da história e isso não foi considerado. A despeito dessas limitações, é preciso reforçar que, certamente, a leitura do Guttmann é “obrigatória” para qualquer pesquisador da área de esporte.

Referências

 GUTTMANN, Allen. From ritual to record: the nature of modern sports. New York: Columbia University Press, 1978.

PILATTI, Luiz Alberto. Guttmann e o tipo ideal do esporte moderno. In: PRONI, Marcelo; LUCENA, Ricardo (Orgs). Esporte, história e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002, p. 63-76.

* Felipe Tavares Paes Lopes é professor do Curso de Educação Física da Unicamp.