O esporte por toda parte e seus heróis anônimos: Sócrates Kentaro e o Rugby universitário
Entrevista com o atleta de 42 anos que coleciona experiências e dedica a vida ao União Rugby, sendo referência de seus companheiros
* Fábio Santos e Lucas Fernandes
Pense em cada manhã de sábado que você pode dormir até tarde, naqueles dias ensolarados que você apenas gostaria de desfrutar de uma boa sombra. Bom, neste mesmo dia Sócrates Kentaro estava provavelmente correndo em um campo de rugby. Para além de qualquer lema de esporte e saúde, nosso herói anônimo desfruta da vida como ela deve ser vivida, não dispensando uma boa festa. E lá se vão vinte anos no esporte, jogando com garotos recém chegados na universidade, e nem de perto podemos imaginar que nosso atleta já se encontra na quadragésima segunda primavera, ainda puxando a fila em todos os testes físicos. Não me assustaria se ele se tornasse uma espécie de Kazu, (jogador japonês que atua profissionalmente aos cinquenta e seis anos) do rugby daqui a dez anos. Por certo ainda temos que considerar as peculiaridades do rugby, são trinta jogadores a se digladiar por uma bola em oitenta minutos, esse espetáculo nada onírico, aparentemente produz os mais sérios hematomas, mas nada que pudesse dissuadir nosso atleta da despedida do campo.
E nessa breve entrevista pretendo apresentar uma das figuras mais singulares do Rugby paulista, jogador do União Rugby, FAU e FFLCH, são vinte anos de rugby universitário e campeonatos paulistas.
Ken, como é mais conhecido por seus companheiros, nos conta como o Rugby se diferenciou dos demais esportes que praticava, o que por fim, o fez se entregar à prática.
O rugby, por um lado, cobra mais fisicamente dos atletas ao longo da temporada e por esse maior contato físico requer um grau de dedicação maior e conexão com seus colegas de equipe para performar coletivamente.
Desta dedicação que o Rugby exigiu de Ken vieram as maiores lições do esporte, para ele, a cooperação e a irmandade.
Estes anos de estrada permitiram a Ken acompanhar as diversas transformações no Rugby e nos atletas que chegavam interessados na prática esportiva, em especial naquela que é a primeira referência que surge em muitos quando é citado o Rugby: a violência. Por conta disso passam a ser difundidos cuidados com lesões, refletindo até na postura tática das equipes.
O Rugby passou a ser um pouco mais codificado em regras e com mais ênfase na segurança dos atletas, por parte dos árbitros, e pasteurizado em termos de “justiça em campo”. A “marrentagem” e as provocações reduziram um pouco. Está um pouco menos bruto, mas isso torna mais acessível a novos atletas.
E reforça:
Acho saudável para tornar mais acessível o esporte, o que é bom, tem muito mais atleta ativo, mas, por outro lado isso implica, eu vejo, na média de resiliência, mental e física, dos atletas cair, nem todos aguentam o tranco do esporte de contato – mas acho que é consequência da difusão do esporte para um público maior – que no fim das contas é o nosso objetivo, embora vamos ter que adaptar as metodologias e a cultura do esporte.
Assim como o esporte, nosso atleta também precisou se reinventar nestes anos de prática.
Me foquei mais em pensar na minha posição dentro de um coletivo e focar menos nos skills (habilidades) individuais.
Ken ainda dividiu conosco segredos que o motivaram a se manter competitivo e planos para seu futuro na categoria, assim como as experiências de viagens proporcionadas pelo Rugby.
Eu gosto da camaradagem e a comunidade que tem envolvida no esporte. pretendo virar juiz e treinador quando me aposentar de competição.
A Copa do Mundo de rugby e os Beach Rugbys, ambos sempre entregam em termos de esporte e socialização.
Perguntado quanto aos objetivos que Ken ainda gostaria de alcançar, ele destaca seu time, o União Rugby.
Fazer o time crescer e se estabelecer não só socialmente como esportivamente.
Por fim, confrontado com aquela que é sempre a pergunta mais difícil, para resumir uma carreira, que já é longa e promete ainda se estender, em como ele gostaria de ser lembrado pelos pares em campo.
Ameaça no campo, alegria da galera no terceiro. [Referência ao chamado “terceiro tempo”, a confraternização pós-jogo entre os times e árbitros]
Sócrates Kentaro representa a figura de muitos esportistas, aquele que não é parado por pedidos de autógrafos e selfies, não possui milhares de seguidores em redes sociais, nem nada desse tipo frequentemente divulgado e glamourizado.
Mas no momento em que se dá o apito inicial muitos desses atletas se tornam os grandes craques do momento, as preocupações da rotina comum, que eles têm de conciliar com as práticas esportivas, são esquecidas em face do momento sublime que representa uma vitória, um ponto marcado e a comemoração com os companheiros. Nestes momentos, aquelas pessoas que podem frequentemente estar ao seu lado em trens, metrôs, podem te atender em lojas, mercados, podem ser colegas de classe que você troca poucos cumprimentos, essas pessoas se transformam em heróis de algumas histórias, vilões de outras, marcam a memória de muitos e, em especial, recheiam a sua destes instantes inigualáveis.
Lembremos, então, do esporte e dos esportistas, que estão sempre em toda parte.
FOTO DA CAPA: Sócrates Kentaro assistindo à partida da Copa do Mundo de Rugby na França, em 2023.
FOTOS: arquivo pessoal (Sócrates Kentaro)
* Fábio Santos e Lucas Fernandes são alunos da disciplina Jornalismo Esportivo: a pauta além do futebol na ECA-USP