A cultura brasileira através do esporte
Chegando o mês de março e com a passagem do carnaval – evento esse, que desperta o interesse global pelo Brasil –, inspirei-me para falar sobre o reconhecimento cultural do Brasil pelo mundo, mas por meio do esporte.
Claro que quando pensamos sobre isso, logo vem em mente o futebol brasileiro, esse, que é sinônimo de arte, e foi desenhado por grandes nomes como Pelé ou Marta. Mas indo um pouco além do futebol, temos dois esportes aprimorados aqui, e levam a cultura brasileira para outras regiões do globo terrestre, como, é o caso da Capoeira e do Jiu-Jitsu brasileiro.
Ambos estão relacionados às artes marciais ou esportes de combate, entretanto, cada um teve o seu desenvolvimento delineado à sua maneira, o que consolidou certas particularidades, e tornando-as únicas no universo das artes marciais.
A Capoeira tem o seu desenvolvimento no Brasil umbilicalmente ligado às culturas afro-brasileiras, e sendo mais específico, a sua concepção está diretamente ligada à diáspora africana e a colonização, que teve como consequência perversa, a escravidão de milhões de pessoas africanas negras. Mas é interessante comentar, que a cruel escravidão de pessoas africanas negras não foi praticada apenas no território brasileiro, o que acabou adequando lutas e danças semelhantes com a capoeira em outros países, conforme revelado na pesquisa de Lívia Pasqua (2020).
Mesmo a Capoeira tendo como pano de fundo a extrema violência, e antigamente, transitando entre a opressão, proibição e criminalização, atualmente é um sinônimo de brasilidade. Hoje, sua prática é percebida em todas as regiões do país, contando com vários grupos de capoeira, sendo esses guiados pelos mestres e mestras de capoeira. A capoeira ainda pode ser facilmente observada como uma prática marcial, identitária, artística, musical, de dança, de resistência e filosófica; o que acaba justificando seu tombamento como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo IPHAN e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.
No quesito mundo, a Capoeira está difundida em um espaço geográfico de cinco continentes, e presente em 150 países (IPHAN, 2007), ou seja, encontram-se praticantes em quase todas as regiões do mundo, chegando ao ponto do mestre João Grande (um dos grandes nomes da capoeira) abrir a escola Capoeira Angola Center of Mestre Joao Grande em Nova Iorque.
Com a Capoeira, a cultura brasileira é representada de várias maneiras, mas principalmente pela sua plasticidade de movimentos, musicalidade e dança, já que esses elementos não são encontrados separadamente nas rodas de capoeira. Porém, ela traz outro ponto de destaque para difundir a cultura brasileira, a tradição oral, utilizada na transmissão dos seus conhecimentos. Assim, com a Capoeira, o Brasil é representado pelos movimentos, pela música, por sua ancestralidade africana e negritude, mas principalmente pela resistência à colonialidade.
Já o Jiu-Jitsu brasileiro – assim, como, a Capoeira – é um esporte vindo de outras regiões, e neste caso do extremo oriente, sendo mais específico, o Japão. O esporte chegou ao Brasil, no início do século XX, através dos ensinamentos do japonês Mitsuyo Maeda. “Conde Koma” como também era conhecido, de passagem pelo país, começou a dar aulas de jiu-jitsu para os brasileiros. O japonês durante essa peregrinação pelo Brasil conheceu uma “tal” família Gracie, que acabou aprendendo a arte marcial. Esse foi um ponto fundamental para a reformulação da modalidade. Com a adaptação realizada pelas mãos da família Gracie, principalmente por Hélio Gracie, o Jiu-Jitsu teve um aprimoramento de técnicas de luta no solo, o que acabou se tornando um diferencial se comparado com o original, que era parecido com o Judô.
Atualmente o Jiu-Jitsu é praticado em todos os cantos do Brasil, tendo várias academias, e grandes nomes do esporte, indo desde o Rio de Janeiro até Manaus. O esporte ainda é um dos primeiros contatos com o universo da luta, de muitos lutadores e lutadoras de MMA – poucos sabem, mas o MMA (antigo Vale-Tudo) como esporte, surgiu como um plano de marketing dos Gracies, para promover o Jiu-Jitsu brasileiro no Brasil e no mundo, mas isso eu conto outro dia.
Pelo mundo, o Jiu-Jitsu brasileiro está ganhando tatame em vários países, mas principalmente nos Estados Unidos da América e nos Emirados Árabes Unidos. No primeiro país a sua expansão já era mais do que esperada, principalmente com a exposição realizada pela família Gracie na década de 1990, tendo como pano de fundo o Vale-Tudo, porém, o que mais surpreende, é o segundo país citado. Em Abu Dhabi o Jiu-Jitsu brasileiro está sendo explorado de maneira arrebatadora, contando com investimentos astronômicos, o que acabou se tornando uma paixão nos Emirados Árabes, chegando ao ponto, de se ter campeonatos com transmissão ao vivo, em rede de televisão aberta, coisa que não é vista nem no nosso país.
Mas, o fundamental do Jiu-Jitsu praticado pelo mundo, é que muitos professores e professoras levam consigo um pouco da cultura brasileira, como, por exemplo, a dobradinha jiu-jitsu com o consumo de açaí, normalmente realizado pelos/as praticantes de jiu-jitsu, inclusive os/as alunos/as estrangeiros. Podemos interpretar isso à luz do conceito de sincretismos, do antropólogo italiano Massimo Canevacci (1996), que desenvolve o conceito, para falar das hibridações culturais, tendo como principal material de pesquisa, a cultura brasileira.
Nesse sentido, esses dois esportes brasileiros, fazem do Brasil um espelho, inclusive valorizando a nossa língua, já que muitos dos nomes de golpes são pronunciados em português, como, por exemplo, o rabo de arraia na capoeira e o mata leão no jiu-jitsu. Entretanto, o mais importante é a experiência desses/as professores/as brasileiros/as como alavanque cultural, no qual, eles/as podem mostrar para seus/as alunos/as um Brasil por vezes pouco conhecido pelo resto do mundo. Sendo como se fosse uma leitura de vários brasis, como já observamos na literatura, através de variadas interpretações do Brasil, realizadas por autores como Guimarães Rosa, Jorge Amado e Milton Hatoum, que expõem as regiões e culturas do nosso país, muitas vezes desconhecidas por nós mesmos.
Referências
CANEVACCI, Massimo. Sincretismos: uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996.
DOSSIÊ, Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), 2007.
PASQUA, Lívia de Paula Machado. Capoeira e diáspora africana: uma interpretação sobre a manifestação dos floreios. Tese (Doutorado em Educação Física) – Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade de Campinas, Campinas, 2020.
*Murilo Aranha Guimarães Marcello é Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba.