OLIMPÍADA & CAIPIRA

O dia em que o jornalismo esportivo morreu

Quando o avião que transportava os jovens músicos Ritchie Valens, Buddy Holly e The Big Booper caiu e os matou em 3 de fevereiro de 1959, a data ficou eternizada como “o dia em que a música morreu”. Esse é o mesmo sentimento no 16 de maio de 2024 para quem trabalha, pesquisa e gosta de esporte no Brasil. É o dia em que o jornalismo esportivo do país morreu.

Em menos de doze horas, três grandes nomes da área faleceram: Washington Rodrigues, o Apolinho, lenda do rádio, que morreu no fim de noite do dia 15; o narrador Silvio Luiz, que dispensa apresentações; e o jornalista Antero Greco, famoso como editor do Estadão e comentarista da ESPN Brasil – ambos na manhã do dia 16. É como se uma emissora perdesse sua principal equipe antes de um evento importante.

Assim como as mortes dos três jovens músicos trouxeram incertezas para o nascente rock’n’roll (que vivia sua primeira crise com a convocação de Elvis Presley ao exército e o polêmico casamento de Jerry Lee Lewis com sua prima de 13 anos na mesma época), o falecimento dos três jornalistas coincide com um período de ataque à profissão e descrença no ofício. Hoje, mais e mais pessoas deixam de confiar nos jornalistas, sobretudo na esfera esportiva, uma área vista apenas como “entretenimento”.

Não à toa, vivemos a era dos streamings “oficiais” e dos conteúdos institucionais produzidos pelos próprios clubes e federações – capazes de entregar aquilo que os torcedores querem e de esconder aquilo que eles não devem saber. No embate entre diversão e informação jornalística, esta última sempre sai perdendo.

Apolinho, Antero e Silvio Luiz eram dos poucos nomes que sabiam trabalhar bem estes dois conceitos ao mesmo tempo antagônicos e complementares no jornalismo esportivo. Conseguiam combinar a leveza do humor (com piadas, anedotas e frases de impacto) sem diminuir ou distorcer a informação necessária a seus leitores, ouvintes ou telespectadores. O jornalismo esportivo como fait-divers, estes fatos em tese sem importância, mas que se completam por si só (por sua imanência, como escreveu Roland Barthes), teve nestas três figuras grandes defensores.

O que dizer, por exemplo, de frases como “feliz como pinto no lixo” e “briga de cachorro grande”, criadas e imortalizadas por Apolinho nos campos de futebol – e que logo se tornariam frases populares usadas até em esferas mais sérias, como a política? Ou então os bordões irreverentes de Silvio Luiz nas transmissões esportivas, capazes de melhorar uma partida de futebol? E os famosos comentários de Antero Greco no Sportscenter, sempre de acordo com o tom do assunto, ora divertido, ora mais sério, mas sempre capaz de comunicar aquilo que está acontecendo?

Combinar humor com jornalismo não é uma tarefa simples – ainda que o “infotenimento” seja um recurso recorrente na cobertura jornalística relacionada a esportes no país. Exige, ao mesmo tempo, capacidade de improvisação e espontaneidade sem deixar de lado, claro, as obrigações jornalísticas. Afinal, infotenimento sem preocupação com a qualidade da informação é apenas… entretenimento!

Pode até ser uma grande fonte de risadas, mas nunca deverá ser compreendida como notícia.

Infelizmente é um cenário bastante comum no jornalismo esportivo brasileiro atualmente. Antero, Silvio e Apolinho dividiam espaços com programas, esquetes, vídeos em redes sociais, podcasts, entre outros, que apostam justamente na graça e em um pretenso humor para esconder ou ignorar assuntos importantes que precisam ser ditos. Os três profissionais que se foram distinguiam bem a hora de fazer graça e a hora de fazer piada. Silvio Luiz, inclusive, foi candidato a presidente da Federação Paulista de Futebol, numa ação que combinou denúncia jornalística e humor – ele e Flávio Prado, seu “vice”, chegaram de fraque e cartola em uma charrete no prédio da entidade em 1982.

Mas quando só existe o humor, o que sobra? O que se tenta jogar para debaixo de tapete quando todo mundo está dando risada?

O que as carreiras de Antero Greco, Silvio Luiz e Apolinho mostram é que há uma alternativa nessa característica peculiar do jornalismo esportivo de tocar os sentimentos das pessoas. Antero, inclusive, sintetizou bem em entrevista a Jô Soares: “é possível ser sério sem ser sisudo, e também é possível ser leve sem ser leviano”.

Nesta balança entre emoção e razão que caracteriza o ofício de quem trabalha com esportes, os três jornalistas que nos deixaram foram verdadeiros craques. E se a música não morreu com a morte de três jovens talentosos em 1959, o nosso jornalismo esportivo também sobreviverá se souber aproveitar aquilo que estes três souberam oferecer ao longo das últimas décadas.

* Gustavo Longo é jornalista esportivo e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGOM/ECA-USP