Por outro ângulo

Por que eu torço para o Flamengo?

Desde muito pequena, criancinha mesmo, eu ouço a história de que pessoas nascidas na região Nordeste torcem pelo Flamengo por conta do fenômeno do rádio, da Globo e de meios de comunicações que transmitiam jogos de times cariocas para esta região do país. O que eu sempre achei curioso é que na década de 80 já existiam ao menos três times no Rio de Janeiro, também com grande apelo popular, mas nunca vi questionamentos sobre o porquê desses times não terem nem de perto a quantidade de torcedores que o Flamengo tem. O que leva cada um de nós, flamenguistas, a amar e sofrer com o rubro negro da Gávea eu não sei. Imagino que sejam histórias lindas, mas eu sei da história de uma garota, nascida em Salvador, que quando é perguntada em terras paulistas sobre para qual time ela torce, ela responde sem titubear: “-Flamengo”. E para qual time você torce no Estado da Bahia? “- Flamengo. Torço pelo Flamengo na Bahia, em São Paulo, fora do Brasil, fora do planeta Terra também”.

Eu sou a neta caçula, sempre vivi rodeada de primos homens, mais velhos. Passávamos os finais de semana na casa da avó deles, que no caso, era a casa onde eu morava, já que a nossa avó morava com a minha mãe. Uma casa grande com um pátio enorme, um balanço, um pinheiro gigante, que usávamos como árvore de Natal na época dos festejos natalino, piscina de plástico, bicicletas e etc. Também nessa época, era muito tranquilo sair para nos divertirmos na rua, brincarmos de esconde-esconde descalços com outras crianças ou apenas comermos jambo recém caído do pé na casa de um dos vizinhos. Voltávamos para a casa extenuados e sujos, energizados e felizes pelo prazer que as brincadeiras de criança podem proporcionar.

Mas existia uma hora em que tudo era silêncio, na verdade era mais de uma hora, uma hora e meia para ser mais exata. Aquela atmosfera de agitação dava lugar a um clima de prontidão e uma fileira de netos era formada em frente à TV de tubo de última geração. Éramos em quatro: eu, meu irmão e dois primos sentados para assistir a um jogo de futebol. E não era qualquer jogo. Era o jogo do time do Zico. Foi assim que eu conheci o Flamengo, entendendo que aquele era o time do Zico. Um jogador que deixava crianças entre 6 e 10 anos encantadas e, para o descanso da minha avó, sentadas por algum tempo. Eram jogadas hipnotizantes, que muitas vezes resultavam em gols, a facilidade com a qual Zico saia driblando seus adversários era algo que me encantava, mas eu acho que nada nos deixava mais felizes e enlouquecidos quanto os gols de falta do Galinho.

Ah, os gols de falta do Rei da Gávea… Muitos deles super parecidos, com a cobrança sendo feita da entrada da pequena área, a falta batida com o pé direito e tendo a bola uma trajetória contrária ao posicionamento da barreira. A bola geralmente entrava naquele lugarzinho logo abaixo da quina da trave, aquele local que os mais velhos costumam dizer ser o lugar onde a coruja dorme, mas eu gosto de chamar aquele instante em que a bola ultrapassava a linha do gol de o momento que transformava o silêncio da sala da casa da vó numa nova algazarra. E eu amava sair do silêncio ao berro, aquela mesma sensação de felicidade de gritar “te achei” ao encontrar um primo escondido atrás da porta da brasília amarela do meu pai, depois de procurá-lo sem fazer nenhum barulho durante o nosso esconde-esconde dominical.

Fica fácil entender por que eu torço pelo Flamengo quando relembro as minhas tardes de domingo durante a infância. Eu torço pelo Flamengo porque foi o time do Zico quem me ensinou a mais prazerosa das brincadeiras, a brincadeira de gritar gol.

* Emiliana Ramos é publicitária e escritora