POR OUTRO ÂNGULO

Os babas de domingo

Eu acompanho futebol desde criança e as minhas primeiras memórias remetem aos jogos de Copa do Mundo. Lembro-me de curtir toda a farra de ver os vizinhos pintando as ruas do bairro de verde amarelo e da sensação de feriado que se instaurava nos dias de jogos da seleção canarinho. Tenho lembranças, ainda que bem vagas, da atmosfera de tristeza pela queda do Brasil no torneio de 1982 e da Copa do México e todo burburinho em relação ao gol de mão do Maradona contra a Inglaterra.

O que lembro bem, daquela época, é do meu fascínio vendo pela TV o clima de euforia e festa que os jogos de futebol proporcionavam; não apenas os jogos de Copa do Mundo, mas também das finais com mata-mata. Era recorrente ouvir, nas transmissões, o narrador comentar que a quantidade de público presente no Maracanã passava de cem mil pessoas. Era um número de torcedores que eu nem conseguia dimensionar. Mas o meu primeiro contato presencial com uma partida de futebol não foi através de um grande estádio, muito menos de um jogo profissional. O meu primeiro contato foi através de um baba.

Quando criança, eu costumava passear de carro com meu pai, aos domingos, pelas ruas da cidade baixa, em Salvador. O passeio consistia em visitar a Igreja do Bonfim dando algumas voltas ao seu redor, comprar um punhado de fitinhas e, no caminho de volta para casa, fazer uma parada na praia de Mont Serrat. Foi nessa praia que eu assisti à minha primeira partida de futebol “in loco” na vida. Partida de futebol não, baba. É assim que são chamados os jogos amadores na Bahia e acredito que também em outras regiões do Brasil. Não importa se é um campeonato ou uma simples reunião de amigos para bater uma bola, no final das contas, todos estão indo para o baba. E foi neste ambiente que eu, por volta dos 10 anos de idade, sentada em um morrinho de areia, assisti atenta ao primeiro de muitos babas.

Atenta e encantada com aqueles dois times, sete homens para cada lado, sendo que a distinção entre os times não se dava por uniformes com escudos, mas sim, por coletes. De um lado, os verdes, do outro, os vermelhos. Ao invés das chuteiras pretas, eles estavam descalços e tenho quase certeza de que, para mim naquela idade, essas eram as únicas diferenças entre o baba que eu estava assistindo e uma partida final de Copa do Mundo. A atmosfera era incrível, outros morrinhos de areia eram ocupados por torcedores corneteiros, que chamavam algum jogador de grosso ou de pé torto todas as vezes que chutavam a bola para bem longe e, principalmente, quando mandavam a bola para o mar. Aí era uma farra: desde senhores grisalhos moradores do bairro até pessoas de passagem, como eu, reclamavam do retardamento do jogo,  mas também celebravam quando uma jogada bonita era feita e explodiam de alegria quando a bola ia para dentro da rede.

Foi assistindo aos babas de domingo que eu descobri como é o som que a bola produz quando um jogador pega aquele chute “na veia” e foi também nestes jogos que aprendi a xingar e a sentir de perto a emoção de um jogador quando comemora um gol.

Naquele campo de areia, pouco importava o que valia o jogo, a quantidade de pessoas assistindo ou o talento dos jogadores, pois o que se presenciava era a mais pura paixão que só o futebol consegue proporcionar.

* Emiliana Ramos é publicitária e escritora