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O judô em prol da saúde e da resistência – entrevista com o Sensei Rômulo Ferraz

Sensei de judô, Rômulo, iniciou na modalidade devido a problemas respiratórios, e nunca mais se viu longe da prática esportiva.

Por: Haline Floriano

Rômulo e alguns de seus alunos. Foto: Arquivo pessoal

 

Rômulo Ferraz, 20, é aluno do curso de Ciências da Natureza da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de professor de Judô na Academia Muro Azul. Judoca há praticamente quinze anos, Rômulo pertence a equipe do esporte que mais coleciona medalhas olímpicas.

 Sua história na modalidade começou precocemente, e, desde então, o judô se tornou “uma das coisas mais importantes pra mim; é uma coisa que até me comove um pouco de falar; é uma parte de mim gigantesca!”, afirma o Sensei. Na entrevista a seguir, Rômulo conta sobre sua iniciação no esporte, e a importância que do judô em sua vida.

Rômulo, o judô vem ganhando destaque no Brasil, principalmente após as conquistas olímpicas. Entretanto, muitas vezes, as pessoas iniciam alguma modalidade devido a influências, sejam elas pessoais ou familiares, e não por medidas de incentivo do próprio país ao esporte. Como foi sua inserção nas práticas de judô? Houve algum fato específico que serviu como motivação?

Eu comecei com o judô devido a um problema respiratório que eu tive; quando eu era pequeno eu tinha muita asma e alergias em geral. Aí o médico pediu pra minha mãe me colocar num esporte que eu fizesse exercícios mais aeróbicos; comecei com a natação, mas não me adaptei muito; depois eu fui para o basquete, também não me adaptei, porque não sou muito bom com esportes coletivos.

Com quantos anos você decidiu que queria se tornar um Sensei de judô? E, além disso, hoje você vê esse esporte como um trabalho ou como um complemento em sua vida?

Virar Sensei aconteceu; apareceu a oportunidade de eu dar aula e eu topei; não foi nada intencional. Como eu já faço judô há muito tempo, eu fui me graduando e as pessoas vão te conhecendo, vão vendo seu trabalho e acabaram me chamando para eu trabalhar numa academia; eu aceitei e comecei essa carreira se Sensei. Acabo nem vendo como um trabalho, vejo mais como um hobby dar aula de judô. É muito legal! Você ensinar a criançada a aplicar os golpes, a dar cambalhota; a interação, a filosofia do judô… é muito legal! Hora ou outra você tem que dar bronca, você tem aquele momento chato, que acaba te deixando um pouco irritado, mas é mais recompensador do que cansativo. Então, nem é trabalho, é só diversão, praticamente!

No quadro de conquistas olímpicas, as mulheres sobem ao pódio pela primeira vez em Pequim, no ano de 2008. Como professor, quais são as suas percepções e expectativas para a presença feminina dentro do judô?

Apesar da maioria masculina, as mulheres conseguem lutar de igual para igual com muitos homens; é uma coisa bem legal de se ver! Por exemplo, no treino, muitas vezes, por falta de mulheres, elas lutam com os homens, e é pau a pau! Sobre a presença feminina, é um esporte que tem predominância masculina, por ser uma luta e pelo preconceito da sociedade, de que é um esporte violento (que lutas são esportes violentos), mas cresce sim e muito rápido essa participação feminina. Mas, infelizmente, essa inserção feminina é só quando elas já são mais velhas, de quinze anos pra cima, porque é difícil terem pais que colocam suas filhas no judô; por acreditarem que é um esporte masculino, violento, de muito contato. A inserção feminina é bem pouca, bem fraca na infância, mas, mesmo sendo fraca, vem crescendo bastante.

O judô conta com toda uma filosofia e respeito ao adversário. De que forma você acredita que esse e outros esportes podem interferir na vida de seus praticantes?

Não só o judô, como também outras artes marciais (lutas que inserem uma linha de raciocínio, uma filosofia), elas têm um poder transformador. As artes marciais, em geral, ensinam, prezam muito o respeito com seu oponente. Ele só é seu oponente dentro do tatame; fora, no treino, ou na vida mesmo, ele é seu companheiro, porque você só cresce por ele existir. Então você só é bom se existe um adversário pra te ensinar a superar. Também tem muito de educação da alma; a gente preza o controle emocional; a gente ensina o judô, por exemplo, só que não é por isso que você tem que sair praticando com todo mundo na rua, ou arrumar briga no bar. Então, assim como o meu Sensei me ensinou, eu tento ensinar aos meus alunos, de que a gente só deve usar o judô se for o último caso, a última opção de extrema urgência, porque, querendo ou não, você sempre tem uma alternativa pacífica, você sempre tem o diálogo… Essa educação é legal, porque você acaba tornando o praticante de uma arte marcial uma pessoa pacífica. Além da inclusão social, porque, dentro do tatame, por mais que você seja rico, ou pobre, ou branco, negro, japonês, índio… você pode ser quem for, lá você é igual a mim! É isso que acho legal… essa igualdade que a gente tem dentro do tatame e a gente ensina os praticantes a ter fora do tatame também. São inúmeras as formas de transformar que o esporte tem. Em campeonatos que eu vou, tá lotado de crianças que são de projetos sociais, que acabam tirando, muitas vezes, essas crianças de um caminho ruim e colocando num esporte que, ao meu ver, é um esporte fantástico!

Gostaria agora que você falasse um pouco sobre a importância do esporte na sua vida, deixando um recado para quem pretende também praticar.

Nossa, sobre a importância do judô na minha vida eu acho que é uma das coisas mais importantes para mim; é uma coisa que até me comove um pouco de falar; é uma parte de mim gigantesca! Um dia (há um ano e meio), teve um campeonato, onde eu pratico judô, lá no estádio do Morumbi, e, por eu praticar e ter o campeonato lá, os atletas que são do São Paulo estavam de organizadores; então nós estávamos organizando, para que fosse o mais legal possível para a criançada. Eu, lá na correria, acabei deixando meu celular com o meu Sensei; nesse mesmo tempo meu pai tava na UTI, por conta de um problema sério de saúde. Meu celular toca e era minha mãe no telefone falando pro meu Sensei que meu pai tinha falecido. Aí, meu Sensei chama todos os organizadores, que eram meus amigos, para um lugar afastado e pede para o meu amigo, Eduardo, me chamar (ele chamou todo mundo pra só depois me chamar). Quando eu cheguei lá, vi que estava todo mundo reunido olhando pra mim com uma cara meio séria e uma cadeira no meio para eu sentar, e meu Sensei segurando o celular; foi aí que caiu a ficha; sentei na cadeira, falei com minha mãe e ela me deu a notícia; quando ela me deu a notícia meu mundo meio que desabou, fiquei sem chão. Só que foi um negócio muito legal; todos os meus companheiros de treino, eles me sustentaram, me deram forças pra eu permanecer de pé. Foi uma coisa muito fantástica, que eu acho que sem o judô eu não teria conseguido. Eu só tenho a agradecer por eles terem fornecido essa base. Foi tão forte, tão intenso essa força que eles me deram, que, em poucos instantes, eu estava melhor, não tava bem, lógico! Mas tive forças pra sorrir. É uma coisa que eu tenho certeza que nunca conseguiria se não fossem eles. Eu não teria forças para reagir da forma que eu reagi; tanto é que eu voltei para o campeonato, lutei e depois da luta eu fui para o enterro. Eu não saberia da onde tirar forças se não fosse o apoio deles. Eu até comento com amigos que tenho duas famílias: uma é a minha família de sangue, que eu amo tanto quanto eu amo a do judô; e a outra é a minha família do tatame; eles são irmãos, pais, tios… tem de tudo lá! É uma grande família que um fortalece o outro, ajuda o outro; é uma coisa que dificilmente eu vejo em outros esportes, mas eu vejo isso muito no judô, não só na minha academia; senão em todas, na grande maioria funciona assim. O recado que eu deixo para quem está a fim de praticar é que o judô, como outras artes marciais, são esportes que você não só vai praticar o esporte, você vai ganhar uma família, você vai se sentir acolhido. Recomendo a todos, que pelo menos em uma fase da vida, praticarem o judô, porque é uma experiência muito enriquecedora.

Rômulo e sua família do judô. Foto: Arquivo pessoal