O Esporte Gerando Vidas na ‘Cracolândia’
O evangelho e o esporte unindo forças para combater às drogas.
por Matheus Gonçalves Santos
A Cracolândia tem sido uma face obscura da cidade de São Paulo, localizada na região do Centro Velho, mais precisamente na Luz, região na qual existem muitas ocupações, invasões e conjuntos habitacionais irregulares.
Os jovens que ali residem tem sido alvos fáceis dos traficantes da “Boca do Lixo” devido à falta de acesso à educação, estrutura e oportunidades, além do fato da menoridade destes adolescentes ser algo interessante para os aliciadores. Dentro deste contexto a Missão CENA (Comunidade Evangélica Nova Aurora) é um grande contraste da região, fundada em 1987 ela oferece diversos trabalhos sociais aos marginalizados, como encaminhamento para casas de recuperação, visitas periódicas, creche, tardes de recreação para crianças, atendimento a população em situação de rua etc.
Dentre estes serviços, a Casinha Amarela, nome carinhoso atribuído pelos dependentes da região à Missão por conta da cor das paredes do Clube onde se encontra sua base, oferece também o futsal para crianças e adolescentes, e o foco desta entrevista será este.
Por isso fomos até o Josimar Chaves, um dos líderes do ministério de esportes da CENA com uma história de superação e transformação muito interessante.
Primeiramente, vamos explicar o que é um ministério. Ministérios são as diversas áreas nas quais serviços são oferecidos dentro da Comunidade e ficam sob a responsabilidade de missionários, como o Josimar. Por exemplo, existe um ministério de população de rua, onde o foco é a população de rua e os diversos serviços oferecidos à ela.
Josimar é gaúcho, possui 30 anos, formado em Serviço Social, atualmente um dos missionários da CENA e nos trará a visão deste contexto.
Matheus: Josimar, conta um pouco de como você chegou na CENA, quais eram seus vícios e seu envolvimento com o crime. Como foi o seu processo de recuperação?
Josimar: Então, eu cheguei na CENA em 2010. Comecei a usar drogas bem cedo, com 9 ou 10 anos eu já estava usando drogas, bebendo, usando inalante, cheirinho da “loló, cigarro e com mais ou menos 13 anos comecei a usar maconha. Aos 15 anos comecei a me envolver com o tráfico. No início eu não usava drogas mais pesadas, usava só a maconha e traficava. Com o tempo devido ao atalho do fluxo da droga eu comecei a usar o mesclado, que é a mistura da maconha com o crack. A partir daí as coisas começaram a ganhar uma proporção muito grande e dentro do crime comecei a me envolver com assaltos a mão armada.Fui preso a primeira vez com 15 anos e na segunda vez com 17, exatamente um dia antes do meu aniversário de 18 anos. Inclusive, já estava com uma festa de 18 anos toda programada, tudo pago. “Era só ir lá buscar” e nessa que fui buscar fui lá e fiquei, por isso passei meu aniversário de 18 anos preso. E nessa época eu já estava usando muitas drogas, tanto mesclado como o crack puro cheguei a ficar um tempo sem usar mas quando voltei foi com mais violência, fui preso mais uma vez quando já era de maior com 19 pra 20 anos, fiquei 1 ano preso.Essa caminhada de lutar contra a dependência foi aos 21, eu busquei ajuda e fui pra uma casa de recuperação e a partir daí comecei esse processo né? Fui um processo grande, como vim pra CENA só em 2010, passei por uns 5 a 6 anos nessa caminhada e quando vim pra CENA fui enviado pela minha igreja de Porto Alegre pra fazer um estágio aqui, e foi daí que senti um chamado de Deus mesmo pra minha vida pra trabalhar aqui, voltei pra Porto Alegre e eles me enviaram pra São Paulo como missionário mesmo e desde então, pra resumir, já se passaram quase 7 anos e hoje estou aqui somando.
Matheus: Como a liderança do ministério de crianças e esportes veio chegar até suas mãos?
Josimar: Na verdade foi um processo, né? Quando cheguei na CENA fiz estágio em todas as áreas, desde a creche, Juquitiba, que é a nossa casa terapêutica, casa Família, a casa de reintegração social, ministério de garotas de programa, dos travestis, população de rua, esporte, recreação em tudo! E daí eu acabei passando mais tempo com população de rua e grupo de apoio então à cerca de 4 anos me envolvi mais com o futebol feminino, nessa época o líder era o missionário Ricardo e ele estava sozinho, então passei a ajuda-lo nesse processo foi aí que comecei a aprender algumas coisas e fui passado juntamente a ele como líder do ministério e esse foi o pulo pra que eu entrasse pro futebol com os meninos e aí no fim de 2012 eu assumi a categoria sub-11 dos garotos, que hoje é a categoria sub-12. Então já vai fazer 4 anos que estou dentro dessa categoria em parceria com outro missionário aqui, que é o Fran (Francisco), ele já está desde o início do projeto, e vai completar 10 anos neste ministério.
Matheus: Vocês têm buscado algum tipo de curso dentro dessa área, possuem algum projeto como referência?
Josimar: A gente atua em parceria com vários projetos sociais, fazemos parte de uma rede chamada Ubabalo, que significa “Graça de Deus”. O Ubabalo tem uma ferramenta de discipulado e de material esportivo, então são projetos que trabalham com o esporte e como uma ferramenta de transformação social. Temos parcerias com o “Atletas em ação”, “Atletas em Cristo”. Nós temos buscado capacitação, temos curso na Federação Paulista de Futebol, fizemos um curso de treino social na USP semestre passado, mês passado fizemos um curso de orfandade.
Dentro do ministério de esporte nós entendemos que 70% das crianças e adolescentes participantes sofrem com o mal da orfandade. Ou seja, não têm o pai, essa figura paterna, ou têm um pai ausente. Eu ainda tenho formação como Assistente Social, por isso às vezes prestamos assistência para esses jovens, encaminhando para algum curso profissionalizante, às vezes alguns meninos acabam se envolvendo com questões jurídicas e então nós prestamos alguma assistência.
Matheus: Josimar, abro este espaço para você deixar alguma mensagem.
Josimar: Olha cara, se eu pudesse deixar uma mensagem, acerca do esporte como ferramenta de transformação eu deixaria uma mensagem muito simples:
“Vida gera vida e o esporte é vida”.
E neste sentido, através do esporte, nós temos alcançado não só os adolescentes, mas também os familiares e mudado a perspectiva de vida destes adolescentes. E a gente entende que um monte desses adolescentes não vai ser jogador em alto nível mas a gente trabalha com a segunda opção: “ O que você quer ser? Qual é a sua perspectiva de vida? ”. A gente percebe que eles não têm. E o esporte é algo que pode trazer essa perspectiva, tanto para o atendido, que é o adolescente ou a criança quanto para os familiares rompendo um ciclo.
Porque às vezes a família já vem de um ciclo de criminalidade e dependência, de repente já está na quarta geração, começou com o bisavô e se a gente não romper, ele vai se envolver porque o meio em que ele está é um meio permissivo, a cultura é permissiva ao uso, do crime e tal. Então é uma luta árdua entre o esporte, o crime as drogas. Então se eu pudesse deixar uma palavra seria isso, vida gera vida e o esporte é vida. Então vamos investir no esporte, vamos investir nas crianças e nos adolescentes pra que lá na frente nós não precisemos estar fazendo um trabalho de resgate sendo que nós poderíamos fazer um trabalho preventivo. E pra quem quiser conhecer o nosso trabalho aqui na CENA o ministério acontece de terça à sexta, das 18:00 até as 21:30. Cada dia tem uma categoria específica e nas terças feiras temos um casal de personal trainers que doam a noite de suas terças para esses meninos, tratando a questão da condição física, postura e tem sido muito legal, então quem quiser tá convidado a conhecer aqui nosso projeto e nosso espaço aqui. Agradeço poder participar aí com vocês!
Missão CENA – Rua General Couto de Magalhães, 280 – Santa Ifigênia – São Paulo – SP