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Entrevista com Zé Elias

Por Álvaro Logullo, Diogo Magri e Fernanda Giacomassi

Zé Elias na sede da ESPN, em São Paulo (Foto: Álvaro Logullo)
Zé Elias na sede da ESPN, em São Paulo (Foto: Álvaro Logullo)

Depois de anos atuando como profissional no futebol brasileiro e internacional, o ex-jogador Zé Elias navega agora pelos mares do jornalismo esportivo, sendo comentarista na ESPN. A fim de explicar um pouco melhor sobre  a vida de um jornalista ex-atleta, o comentarista conversou com os alunos da disciplina de Jornalismo Esportivo da USP sobre as críticas que tinha à imprensa enquanto jogador, como foi sua preparação para se tornar um profissional da mídia, o tabu de ter sido muito identificado por sua atuação no Corinthians e, é claro, o que ele pensa sobre o futebol atual.

Zé Elias começou nas categorias de base do Corinthians quando criança, ainda na década de 80. Subiu para os profissionais em 1993, antes de completar 17 anos, e logo conquistou a torcida – em 1995, aos 18, após ganhar o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil, já era convocado para a Seleção Brasileira. A venda para o Bayer Leverkusen, grande clube da Alemanha, veio em seguida. Depois disso, ainda passou por Inter de Milão, Bologna, Olympiakos e Genoa. Voltou para ser campeão com o Santos em 2004, antes de se aventurar por Ucrânia,Guarani, Chipre e Londrina. Zé se aposentou em 2009 no clube austríaco Rheindorf Altach.

A estreia no jornalismo esportivo, já premeditada quando ainda jogava, foi no mesmo 2009, pela Rádio Globo. Lá ele ficou até 2014, quando se mudou para a emissora televisiva de esportes ESPN.

Pergunta: Como era lidar com a imprensa enquanto jogador? E agora, estando do lado oposto?

Zé Elias: Primeiro, existia um relacionamento diferente da imprensa no passado com relação ao que se tem hoje. Antigamente, os jornalistas treinavam com a gente. Acabando o treino, eles tavam ali do lado, cada um escolhia um para entrevistar. Então era totalmente diferente. Eu, particularmente, nunca tive problema com ninguém, porque eu nunca vivi como jogador de futebol. Eu nunca tive esse problema em dar uma entrevista, em poder falar para o jornalista ‘hoje eu não posso’, meu contato foi sempre muito bom com eles.

Pergunta: Quando você jogava você tinha alguma crítica em relação à imprensa? Isso acabou mudando quando você virou imprensa?

Zé Elias: Não. Quando eu jogava, o que me deixava chateado era só quando o cara entrava com a crítica para o lado pessoal. Aí eu ficava meio chateado. Depois você começa a conviver com isso toda quarta e domingo e você se acostuma, mas a princípio era complicado. E ainda tem bastante disso hoje em dia. Tem muitos casos de gente que não gosta de jogador e critica sua qualidade. Às vezes o cara joga bem, mas o fato dele não gostar da pessoa faz ele confundir as coisas. Mas assim, você tem os bons exemplos e os exemplos ruins, você escolhe o que vai seguir.

Pergunta: Existem muitas críticas ao modo como são feitas as entrevistas dentro de campo, principalmente. O que você acha disso? Acha que as respostas são ruins por conta das perguntas que são feitas?

Zé Elias: É um pouco de verdade. Mas você tem que analisar o que envolve o resultado em termos de futebol: empate, derrota e vitória. Acaba o jogo e você vai perguntar o que? Se o cara vai usar cueca azul? Se vai usar camisa branca? Se vai usar o gel? Não é o contexto dali. Ali você pergunta como foi o jogo, a dificuldade, o desafio, o que está dentro do contexto de uma partida. Durante a semana, se você tiver a oportunidade de fazer uma matéria especial, é outra coisa, aí você tem a possibilidade de entrar em outras áreas. Mas antes e depois do jogo, as perguntas são as mesmas porque você tem os mesmos resultados, no máximo alguma polêmica durante semana. Então é aquilo que é notícia, é aquilo que é o mundo do futebol. Por isso tem muita repetição, não tem como não repetir, senão foge um pouco do contexto.

Pergunta: Você vê muita diferença entre um ex-jogador comentando e um jornalista de fato formado? Qual a importância dos dois?

Zé Elias: Dá para você perceber quando o cara foi jogador de futebol e quando é somente jornalista. Hoje, nas questões táticas, isso está se aproximando mais. Antigamente, acho que o jogador tinha uma visão melhor por ter jogado do que o jornalista. Hoje não, hoje está cheio de informações, de cursos na internet, essa distância diminuiu. Por outro lado, o jogador de futebol não tem o dom de transformar uma frase numa notícia, numa manchete. Em relação ao jogador, às vezes o jornalista não consegue entender o porquê de determinados erros, de um chute, de um posicionamento, porque não jogou. Acho que um completa o outro, entende? Existem esses rótulos que o jornalista estudou para falar e o jogador não, mas enquanto o jornalista estudou 4 anos, o jogador teve 15 como profissional e 10 como amador.

(Foto: Álvaro Logullo)
(Foto: Álvaro Logullo)

Pergunta: Ter sido muito identificado com o Corinthians te atrapalhou em algum momento?

Zé Elias: Me atrapalhou e, às vezes, me atrapalha. Eu luto com isto todos os dias. Porque é assim: você tem a identificação. Hoje, os caras que assistem os programas escutam o que querem, da maneira como querem, e através das redes sociais eles acabam distorcendo sua fala. Então no começo tinha muito isso, pois as pessoas achavam que por eu ter jogado lá eu puxava o saco do Corinthians. Mas com o tempo as pessoas entendem que não é isso, eu sou um cara imparcial, sou justo se tiver que criticar o Corinthians ou o Palmeiras. Às vezes eu acho que sou até um pouco mais duro com o Corinthians pois eu já conheço o ambiente, sei como funciona, então determinadas coisas eu já sei que acontece lá por estes conhecimentos anteriores. Então eu acabo batendo um pouco mais. Eu sinto que a repercussão é negativa: sou muito mais xingado por corinthianos do que qualquer outro torcedor.

Pergunta: Quando jogador, você jogou no Brasil e também no exterior. Quais as principais diferenças que você notou entre à imprensa brasileira e europeia?

Zé Elias: A imprensa europeia é igual aqui neste momento, é até mais difícil de se trabalhar. Eu joguei na Itália, na Grécia e na Alemanha, a imprensa não tem essa abertura que temos aqui, de acesso aos treinamentos. Na Inter de Milão, apenas um dia por semana era liberado para a imprensa. Os caras iam lá e ficavam em um saguão com a gente fazendo questões. Fora isso, não tinha mais nada. Então eles tinham que fazer as notícias só através das fontes, que eram os empresários, os diretores. Mas é bem diferente daqui. Aqui agora temos bastantes assessores, mas ainda é mais aberto pros jornalistas. Na Europa já é mais fechado.

Pergunta: Hoje, muitos programas esportivos acabam inclinando demais para o humor, para o entretenimento. Você tem alguma crítica a este modelo de jornalismo e até onde vai o limite entre entreter e informar?

Zé Elias: Eu acho que o futebol, ao longo do tempo, foi se tornando chato. Porque eu acho que as pessoas tentam moralizar nosso país dentro do futebol. Então hoje o jogador faz um gol e não pode comemorar porque está querendo ofender, não pode mandar a torcida adversária ficar quieta porque está incitando a violência. E na verdade isso é extremamente normal para o esporte, desde o futebol jogado nas escolas. E outra coisa, tem muito futebol: você liga a TV de manhã, tarde ou noite e estão falando de futebol. Então acaba saturando um pouco, e acabamos falando sempre das mesmas coisas. O fato deles entrarem com um pouco mais de humor, de sarcasmo, é pra tentar sair um pouco desta rotina. Eu acho que, de certa forma, é legal, porque você consegue ter uma visão diferente do futebol. Mas devemos tomar cuidado, pois a linha é muito tênue entre o engraçado e o ridículo.

Pergunta: Você foi jogar fora do país já faz uns 20 anos. Naquele momento, você já percebia uma diferença muito grande no futebol praticado nos dois países?

Zé Elias: Já. Porque assim, o europeu pelo fato de não ter a nossa técnica eles compensam com a parte tática. Então taticamente são times muito mais fortes que o nosso. Mas na hora do improviso, nosso time acabava igualando isso.

Pergunta: Então você acha importante que o jogador brasileiro vá jogar fora do país ainda novo para tentar aprender?

Zé Elias: Eu acho que sim. Novo, eu acho que não. Mas, assim, se você observar o que eles estão fazendo na base é até vantajoso nesse sentido eles irem para fora, porque eles aprendem lá. Só que eles vão desaprender o futebol brasileiro, eles vão viver, crescer como jogador europeu. Então eles perdem a nossa essência que é a técnica, mas é muito por culpa do que acontece aqui.