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Valores, Mídia e Handebol

Por que um dos esportes mais praticados nas escolas do Brasil não se reverte em um cenário competitivo, segundo o ex-goleiro da Seleção, Xexa.

FONTE: Arquivo pessoal de Xexa
Xexa (embaixo à esquerda) e companheiros de seleção em Barcelona, 1992.            (FONTE: arquivo pessoal de Xexa)

 

Por Alexandre Amaral, Felipe Fabbrini e Jose Adrián Ruiz

Marcelo Ferraz de Sampaio, também conhecido como Xexa, atuou como goleiro da Seleção Brasileira de Handebol nas Olimpíadas de Barcelona (1992) e Atlanta (1996) e defendeu as cores do Pinheiros durante toda a sua carreira, até se aposentar em 1996. Formado em Direito enquanto ainda jogava, Xexa, agora, administra seu escritório de advocacia e atua como Diretor de Handebol no Esporte Clube Pinheiros. Além disso, coordena o projeto de handebol das obras sociais do Mosteiro São Geraldo, no qual propicia a inclusão de jovens através do esporte.

 

Como foi o seu primeiro contato com o handebol?

Quando eu era pequeno, eu era goleiro e jogava futebol em um clube de campo. Aí, quando eu tinha dez, onze anos, um dos sócios lá do clube, que era sócio aqui do Pinheiros também, me convidou para fazer um teste no handebol. Acabei me dando bem e gostando.

 

Por que decidiu ser goleiro, uma posição que muitos chamam de ingrata?

Eu não me lembro muito bem por que eu comecei a jogar futebol de campo no gol, porque eu gostava de jogar na linha também. Na escola eu jogava na linha, mas nesse clube de campo ninguém queria ir no gol e me mandavam. Acabou dando certo.

 

Você tem uma experiência de duas Olimpíadas nas costas, o que não é pouca coisa, em que você aprendeu muitos valores com o esporte. Quais são os valores principais que você obteve com o handebol?

Acho muito legal essa pergunta. O meu início de esporte não foi fácil. Eu passei por um momento de obesidade infantil, e comecei a fazer esporte, incentivado pelos meus pais, por causa do sobrepeso. Eu pesava quase cem quilos com onze, doze anos, e quando eu fui para a Olimpíada, estava com oitenta, para você ver a diferença que o esporte fez em mim. Acabei me dedicando muito para o esporte e entendendo que você consegue as coisas pelo seu esforço. Esse é o primeiro valor que o esporte dá: a tua persistência, a tua determinação, podem te levam à lugares que você não imaginaria. Para os padrões internacionais, eu fui um atleta baixo, com 1,80m. Em uma competição como os jogos Olímpicos, é todo mundo de 2 metros. Eu tinha que desenvolver outras qualidades para estar na equipe.

Além de ser um atleta obstinado, eu aprendi um segundo ponto: que nada você consegue individualmente. Isso por que eu fiz um esporte coletivo e não esportes individuais. Todas as vezes que eu tive resultado, seja no clube ou na seleção, era por que o grupo era legal, as pessoas se ajudavam e tinha uma divisão de funções. O esporte te leva a trabalhar melhor em equipe.

E o terceiro ponto é a noção básica de hierarquia. O esporte não é democrático. Os menos favorecidos atleticamente tem menos vantagens que os mais favorecidos. Aquele cara que salta mais, que corre mais, que é mais veloz e mais forte, ele leva uma vantagem e isso não é democrático. Quando você entra nesse meio, você tem que entender que existe uma hierarquia em relação ao seu treinador, ao seu diretor, e que você tem limitações do que você pode e deve questionar. Com os meus trinta e dois anos de idade, até de uma forma meio prepotente, mas com base na minha experiência, eu me sentia preparado para tomar decisões, para escolher o caminho que eu tinha que seguir dentro de um jogo. E muitas vezes eu achava que o meu treinador dava uma orientação que não era a melhor para a equipe. Mesmo com todo o meu conhecimento adquirido, eu tinha que respeitar a decisão, porque se eu não a respeitasse, se quebrava a equipe. Essa noção de hierarquia você aprende dentro do esporte. Evidente que você pode tentar influenciar a decisão do seu treinador, tem jeito para isso. Você pode tentar conversar no pé de ouvido, sem bater de frente, respeitando que o poder de decisão é dele.

 

Como você tenta passar esses valores para os jovens que você treina?

Hoje em dia, eu faço um trabalho social no mosteiro São Geraldo. Você tem que saber que falando de projeto social, você trabalha com crianças que muitas vezes não têm os fundamentos da família sedimentados. Algumas vezes o pai ou a mãe o abandonou, tem que morar com a tia e trabalhar desde os dez anos de idade para conseguir o sustento. Não tem condições de estudar para lá na frente buscar um futuro melhor. Muitas vezes eles são questionadores, porque essa situação traz uma revolta, mas quando você trabalha com eles, tem que tentar mostrar o lado bom da coisa e usar o esporte como uma ferramenta de estímulo.

Desde sempre lá no Mosteiro São Geraldo a gente fala: quem vier nos treinos vai jogar. Se um cara se acha muito bom para treinar, não vai jogar. Podemos perder o jogo, paciência, mas eles precisam ir nos treinos, fazer parte do trabalho. Eu acredito muito que no esporte, e não só no esporte, na vida em geral, o resultado é consequência do trabalho. A gente tenta mostrar para eles o respeito com os colegas, que se eles se comportarem bem vão entrar no time, vão jogar. Mesmo não sendo o mais habilidoso, o jovem vai ter o seu espaço se cumprir os objetivos propostos. Isso é uma forma de passarmos esses valores.

Esse projeto social já tem dez anos de vida e eu ainda recebo mensagens de meninos que começaram no handebol com a gente lá em 2005, e depois foram trabalhar. Eles me encontram no Facebook e perguntam como estou etc. Mesmo nos caminhos deles, trabalhando, já com suas famílias, eles ainda guardam aquilo na memória.

 

Qual a diferença, em termos de objetivos, no modo de conduzir os jovens da comunidade do Mosteiro e aqui no Pinheiros?

Basicamente, é a questão da inclusão. O trabalho do Mosteiro visa a inclusão social e não resultados. O trabalho do Pinheiros, principalmente nas categorias mais acima, visa resultados. Quando você fala de adulto aqui, ser vice é um resultado ruim, porque é um clube acostumado com decisões, títulos. Aqui é competitivo. Lá, ficamos em último no campeonato, mas tranquilo. Se estamos com vinte crianças jogando é bacana, maravilhoso, e segue a vida. Há essa diferença de inclusão social que aqui a gente não faz, infelizmente. Trabalha-se só com associados e algumas poucas vagas de militantes que são para os fora de série com potencial olímpico.

 

O handebol brasileiro carece de grandes ídolos que impulsionem o esporte no país, como fizeram Ayrton Senna na Fórmula 1 ou Guga no tênis?

Eu, quando era menino, tinha os meus ídolos no handebol. Quando eu estava no adulto jogando Olimpíada, a molecada fazia fila para pedir autógrafo. A diferença do handebol para esses esportes citados está na grande mídia. Temos ídolos dentro de um esporte que tem uma repercussão pequena. Poucos meios de comunicação divulgam o handebol, não está na TV aberta. É uma mídia muito pequena, muito seleta; é o pessoal do handebol. Essa é a grande dificuldade que um atleta do handebol tem em virar um ídolo de grande massa. Acho que na década que estamos vivendo, com toda essa crise econômica, é muito difícil que o handebol consiga passar esses entraves, pois para estar na grande mídia, quanto custa um espaço na Rede Globo? É difícil.

 

Quais foram os ídolos que te inspiraram a seguir carreira no esporte?

Quando comecei a jogar a gente olhava primeiro para dentro do próprio clube e, quando eu estava no mirim, o goleiro do Pinheiros chamava-se Alan, que era da seleção brasileira também. Para mim foi um ídolo. No esporte, eu tive como ídolo o João do Pulo (salto triplo e salto em distância), que foi recordista mundial e olímpico aqui no clube. Tinha outros atletas, mas que não são conhecidos da grande mídia.

 

O handebol é um dos esportes mais praticados nas escolas de nosso país, mas não alcança a mesma repercussão midiática de modalidades como basquete, vôlei e futsal. Por quê?

O esporte escolar usa as quadras. Às vezes você não tem o campo de futebol, mas tem uma quadra na qual é possível colocar vinte crianças para jogar handebol. Temos um clima apto pra jogar em quadra externa, não precisamos de ginásios, e por conta disso a escola difunde bastante o handebol. Temos muitas quadras, muitos professores e é uma coisa barata. Com uma bola se faz o handebol. O gargalo está no fato de não termos clubes. Manter equipes é um custo para os clubes e não há empresas dispostas a financiar um esporte que está fora da grande mídia. É um círculo vicioso. Sem o patrocinador, você não entra na grande mídia. Então não temos os clubes e por isso temos menos atletas. Temos que quebrar isso de alguma forma. Na cidade de São Paulo apenas dois clubes jogam o adulto masculino, o Pinheiros e a Hebraica. Estamos em um funil. É um sofrimento fazer uma liga nacional de handebol, os clubes têm dificuldades para pagar o custo do transporte.

 

O handebol feminino brasileiro sagrou-se campeão mundial pela primeira vez na história em 2013. Como foi a cobertura da mídia e houve melhoras quanto à visibilidade do torneio?

O mundial foi coberto pelo esporte interativo, foi uma cobertura muito bacana, apesar de ser um canal pequeno de TV fechada. O narrador foi muito bem. Foi emocionante ver o handebol, pois jogávamos na Sérvia e vimos a competição ao vivo. Na época em que joguei as Olimpíadas, passava alguma coisa na Bandeirantes, mas eles truncavam muito. Transmitiam o handebol enquanto não passava algo mais interessante.  Em 2013 o Brasil conseguiu ter esse respaldo.  O que mudou muito da minha época é a internet, que é uma ferramenta maravilhosa. Hoje você assiste, por alguns sites, a jogos ao vivo. A internet mudou esse paradigma de informação. Foi uma das grandes diferenças que a tecnologia trouxe para agregar ao esporte. Hoje estamos em um nível muito mais próximo dos europeus porque o conhecimento é online.

 

Já é possível sentir alguma mudança significativa decorrente desse título em termos de patrocínios e incentivos ao handebol?

Não mudou nada.  No ano passado, clubes deixaram o campeonato paulista feminino no meio da competição por falta de apoio financeiro.  As pessoas falam que foi feito um grande trabalho com essas meninas, mas não acho. O mérito da conquista é dessas meninas e da comissão técnica, que se dedicaram muito pra evoluir. Elas saíram muito cedo do Brasil e ficaram dez anos comendo o pão na Europa, espalhadas por lá. Na medida em que o atleta brasileiro começa a fazer frente ao atleta europeu, ele se adapta àquele ritmo e o que você mais precisa pra evoluir internacionalmente é ritmo de jogo no nível dos europeus. Elas ficaram dez anos jogando lá e isso fez a equipe individualmente crescer; e o Morten Soubak uniu todo o grupo e fez um trabalho brilhante. Quando digo que não foi feito um grande trabalho é no sentido de não ter sido criada uma estrutura fenomenal, que gerasse um monte de clubes e massificasse o esporte. Não teve nada. Essas meninas foram formadas no exterior. Foram elas e a comissão técnica que se dedicaram para conseguir o resultado.