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Disciplina para se tornar melhor – Entrevista com Gabriel Gouveia

Luís Henrique Franco


Trazido no começo do século XX pelos primeiros imigrantes japoneses, o Judô começou a ser ensinado por Mitsuyo Maeda, na cidade de Belém, no Pará. Apesar de ter se mantido durante todo o século, porém, a modalidade não foi vista com grandes olhos até 1969, quando foi criada a Confederação Brasileira de Judô, responsável por financiar e administrar o esporte em todo o país. Hoje, o judô é um dos esportes mais praticados em todo o país e o que mais faturou medalhas em competições, com um total de 19 premiações. São inúmeros os atletas que se destacaram pelo Brasil nessa modalidade. Entre eles, está Gabriel Gouveia de Sousa.
Morador de São Paulo, Gabriel, de 23 anos, nasceu em São Caetano do Sul e atualmente é, além de atleta de judô, estudante. Encontra-se atualmente fazendo cursinho, com o objetivo de cursar Medicina na faculdade. Gabriel conheceu o judô aos nove anos, quando ainda estava na quarta série. Desde então, nunca parou de treinar e de competir, tendo já conquistado inúmeros prêmios, tanto nacionais quanto internacionais.
BJE: Como você entrou em contato com o esporte? Como você conheceu a modalidade?
Gabriel Gouveia de Sousa: O judô eu conheci quando eu tinha nove anos, no colégio. Eu e a minha família, a gente teve que se mudar por um ano para Ribeirão Preto, por causa do trabalho da minha mãe. E aí eu tinha que fazer alguma atividade extracurricular, e eu ouvi alguns amigos meus comentando na sala de aula que o judô era muito legal, e aí eu pedi para o meu pai me inscrever, ele me inscreveu, eu comecei no colégio e nunca mais parei.
BJE: E além dessa necessidade de atividade extracurricular, de os amigos falarem, qual o principal motivo que levou você a começar a treinar?
Gabriel Gouveia de Sousa: O judô, inicialmente, quando eu era criança, eu comecei por isso mesmo, não tinha um outro motivo a não ser essa curiosidade de criança que, quando escuta alguém falar, quer fazer. Basicamente foi por isso, mas quando eu comecei, eu nunca tinha feito nenhum esporte, nunca tinha competido, nada, e quando eu comecei, eu comecei a gostar de lutar, eu vi que era algo que eu gostava muito e, depois da minha primeira competição que eu já fui campeão de cara, eu percebi que eu gostava muito de competir, gostava até do medo que você sente antes de lutar, e aquilo era algo que, quando eu saía eu já queria saber quando era a próxima competição. Então, o que me motivou foi esse espírito de querer competir, que eu não sabia até a primeira competição. Gostei. Acho que o que me motivou foi que eu fui campeão de cara, isso me motivou muito. Mas eu gostei muito do clima, do ambiente que é a competição, porque é totalmente diferente.
BJE: E como foi a reação dos seus pais? Teve muito incentivo, eles te apoiaram bastante logo de cara?
Gabriel Gouveia de Sousa: Sim, já logo de cara eles me apoiaram muito. Eu pedi, e no dia seguinte meu pai foi no colégio me matricular no judô. E uma curiosa assim: meus pais me incentivam tanto que, primeiro, eu estou desde os nove anos treinando, eu tenho 23, e meu pai vai em todas as competições, Seja em qual estado for, em qual cidade for. Só raramente, em algumas competições internacionais, ele não foi em todas, mas foi em algumas, e meu pai, até mais ou menos eu ter uns 20 anos, dos nove aos 20 anos, ele assistia todos os dias meus treinos. Por onze anos ele assistia todos os dias os meus treinos, mas daí quando eu cheguei na faixa dos 20, o trabalho dele começou a ter uma demanda muito maior e começou a ficar complicado, então ultimamente ele não tem ido muito, mas continua indo em todas as competições, então em questão de incentivo dos meus pais, não tem como eu imaginar de uma forma melhor, na verdade.
BJE: Indo agora mais para a sua rotina de treino: como é, mais ou menos, sua rotina? Você pratica diariamente? Existe algum horário ou dia específico para cada treinamento?
Gabriel Gouveia de Sousa: Sim, é tudo programado. Eu treino de segunda a sábado, duas vezes por dia. O primeiro treino ocorre sempre às 11 horas da manhã, e os treinos da manhã variam sempre entre treinos técnicos e preparação física. A preparação é feita na musculação, e aí eles variam conforme os dias, eles têm dias certos. Então, segunda e quarta e sexta de manhã é o treino técnico e físico específico do judô, que a gente corrige os golpes e faz uma parte física para melhorar o condicionamento do atleta, e terça e quinta de manhã é musculação, que é uma preparação física específica, uma musculação mais direcionada para o judô, onde a gente trabalha com levantamento olímpico e muitos exercícios utilizando o quimono, enfim, uma musculação bem específica. E de segunda a sexta à noite, todo dia à noite, às sete e meia, é treino só de luta. E esse treino é só de luta, onde a gente faz um aquecimento, uma pequena parte técnica também para ajudar a aquecer mais também para corrigir os golpes, e o resto é luta, a prioridade é lutar. Sábado de manhã, os treinos variam. Eles ocorrem sempre às nove e meia da manhã no sábado, e eles variam entre luta, simulação de competição e musculação. Eles variam de acordo com o tempo que tem para a próxima competição: se ainda está distante, a gente faz treino de luta; se já está chegando mais perto, no meio do caminho, a gente faz mais musculação; Se está bem perto, faltando duas semanas, geralmente a gente faz uma simulação de competição para treinar estratégias, corrigir algumas coisas que ocorrem na luta.
BJE: Falando um pouco mais sobre a questão do treinamento, e voltando um pouco para a questão da hierarquia, existem alguns treinamentos que são específicos para determinada faixa? Por exemplo, alguns golpes que vocês só podem aprender a partir de determinado momento?
Gabriel Gouveia de Sousa: Existe sim, mas aí a idade direciona mais ou menos a faixa que você vai ter. Dependendo dela, por exemplo, existem técnicas que você não pode aplicar. No meu caso, o treinamento ele só é para atletas de alto rendimento, não existem praticantes de judô. Então, noventa por cento dos atletas do meu treino são faixa preta também. As idades variam de 16 a 30 anos, mas são todos de alto rendimento, a maioria é faixa preta e alguns são faixa marrom, mas no meu treino não tem ninguém menor que marrom, que é uma antes da preta. Então, no nosso treino não tem diferença de técnicas, só existe a questão de hierarquia e de respeito. Por exemplo, se tem dois atletas faixa marrom que vão fazer um treino de luta, e eu sou faixa preta e quero treinar com um deles, eles são obrigados a desmancharem e o que eu quero tem que vir lutar comigo, e o que sobrar tem que arranjar outro parceiro. Mas também isso é muito respeitoso, ninguém vai e boicota o treino do outro, se eu chego e quero treinar com um deles, eu falo “oi, será que a gente pode fazer esse treino de luta?”, e ajudo o outro a arrumar um parceiro, não vou deixar o meu amigo, meu companheiro, sem treino.
O que acontece mesmo, é a divisão de idade, Antes do treino dos atletas de alto rendimento são os treinos das crianças, que são os associados do clube. Daí tem dois horários, que é um para crianças de cinco a oito anos, e um de nove a catorze anos, que aí varia um pouco. Essas crianças, elas têm os golpes básicos e iniciais e não aprendem chave nem estrangulamento. São, acho, as únicas técnicas que elas não aprendem, porque essas técnicas só podem a partir dos 16 anos, que é a categoria juvenil. Fora isso, não tem diferença.
BJE: Eu gostaria agora que você falasse um pouco das competições que você participou, dos prêmios que você já ganhou.
Gabriel Gouveia de Sousa: Eu tenho ampla experiência tanto nacional quanto internacional. Em questão internacional, eu já participei de dois Campeonatos Mundiais, onde os dois, infelizmente, eu perdi nas quartas de final e fiquei em sétimo lugar. Participei de dois Jogos Olímpicos Universitários, em que eu perdi as duas semifinais e as duas disputas de medalha, e fiquei em quinto lugar, e participei de Quatro Campeonatos Pan-americanos, nos quais eu fui campeão nos quatro. Eu tive outras experiências internacionais como European Cups, que são as copas europeias, Jogos Olímpicos Escolares na época que eu estava no colégio ainda. Medalhas internacionais, tirando as dos Pan-americanos, acho que eu tenho umas 30 mais ou menos.
E em questão nacional, eu já participei de todas as competições internacionais, tenho medalhas em todas. Hoje, atualmente, por ser atleta de alto nível, eu só participo das principais competições nacionais, como Campeonato Paulista e Campeonato Brasileiro, Troféu Brasil. Tenho medalhas em todos eles, de todas as cores. Já fui seis vezes campeão paulista, quatro vezes campeão brasileiro, enfim, tenho um repertório muito grande, nacional e internacional também.
BJE: Que dica você daria para alguém que está começando a praticar agora ou que está pensando em começar a praticar?
Gabriel Gouveia de Sousa: Olha, uma dica, primeiro, pessoal é: lembra sempre que você tem que estar feliz fazendo aquilo. Ser atleta não é fácil, você vai sofrer muito na questão do treinamento. É muito exigente, em questão de lesões e de várias outras coisas. Então, apesar das dificuldades, você tem que lembrar que aquilo tem que te fazer feliz, porque senão não tem sentido você fazer algo que vai te tomar 100% do seu tempo. Vai ter que ser a sua prioridade, se você quer ser atleta profissional não tem como ser uma prioridade secundária, que você tenta se ajeitar quando sobre tempo. Ser atleta tem que ser o principal e você tem que ajeitar a suas outras coisas de acordo com seus treinos, e você nunca deixa de treinar, você deixa de fazer as outras coisas. Então, por essa exigência tão grande em todos os sentidos, tem que lembrar que você tem que estar feliz, estar se divertindo.
E em questão de dica no treinamento é disciplina. Eu, por exemplo, não me considero o atleta mais talentoso e habilidoso na hora de executar os golpes, mas eu sou, com certeza, um dos mais disciplinados, um dos mais perseverantes. E de tanto ser disciplinado nos treinos, eu passei a ser muito bom. Minha dica, visando o treinamento, é seja muito disciplinado, por que com disciplina, você talvez não garanta medalha de ouro, mas você vai garantir muitos bons resultados, muitas medalhas e, entre elas, muitas de ouro.

Luis.henrique.franco@usp.br