O JIU-JITSU BRASILEIRO: Do início aos dias de hoje
Amanda Sanches de Souza
Marcello Sousa se preparando antes da luta na primeira etapa do Circuito Paulista 2016
Histórico
Não se sabe com precisão onde se deu o início da história dojiu-jitsu. O que é certo é que foi no Japão, nas escolas de samurais, que a modalidade se refinou.Preocupados com defesa pessoal, os samurais desenvolveram diversas técnicas e movimentos para permitir que os praticantes não dependessem de força ou de armas para se proteger. Isso porque poderiam ser desarmados durante as lutas e, como os golpes rígidos mostravam-se ineficazes diante das armaduras, as técnicas de quedas e torções ganharam destaque.
Os mestres japoneses emigraram do país para ensinar a arte marcial em outras regiões e para participar de competições. Um desses mestres, Mitsuyo Maeda, ou Conde Koma, chegou ao Brasil por volta de 1915, e se instalou em Belém, no Pará, onde conheceu Gastão Gracie.
Amante da modalidade, Gastão Gracie levou seu filho mais velho, Carlos Gracie, para aprender com o mestre. Para Carlos, o jiu-jitsu não era só um tipo de luta, mas também uma forma de crescimento pessoal. O aprendiz se mudou para o Rio de Janeiro com sua família e começou a ensinar jiu-jitsu e a representar a modalidade em campeonatos, nos quais derrotou adversários fisicamente mais fortes, mostrando que essa característica não é a principal na modalidade.Na verdade, o mestre Maeda ensinava quea força do oponente deveria ser usada contra ele mesmo. A própria etimologia da palavra “jiu-jitsu” demonstra a desnecessidade de força: jū em japonês significa “suavidade”e jutsu, “arte”, “técnica”, de onde surge seu sinônimo, “arte suave”.
Carlos Gracie viu no jiu-jitsu uma forma de se tornar um homem mais tolerante, respeitoso e confiante, sendo rapidamente reconhecido nacional e internacionalmente tanto como lutador, quanto como criador de uma nova feição para a modalidade. Gracie foi capaz de adaptar o jiu-jitsu internacional de uma forma que o esporte ganhou ligação a uma identidade nacional, sendo conhecido como Jiu-Jitsu Brasileiro. O jiu-jitsu adaptado pela família Gracie tinha técnicas de solo mais sofisticadas, assim como técnicas de submissão. Ademais, desenvolveram também a famosa “Dieta Gracie”, para ajudar os praticantes a melhorarem seu desempenho.
O Jiu-jitsu nos dias de hoje
O jiu-jitsu foi ganhando cada vez mais adesão no Brasil, principalmente com o aumento das transmissões do UFC pela mídia. O UFC (Ultimate Fighting Championship) é uma organização americana de artes marciais mistas, ou MMA (Mixed Martial Arts), que envolvem, dentre diversas outras modalidades, o jiu-jitsu. Com a massiva popularidade de diversos lutadores que dominavam as técnicas do jiu-jitsu, cada vez mais pessoas se interessaram pela modalidade e começaram a praticá-la.
Seja buscando diversão, disciplina ou profissão. Seja nas academias, nas escolas ou faculdades. O jiu-jitsu está em diversos lugares e atinge diversas pessoas. Uma delas é o professor e lutador profissional Marcello Sousa.
Marcello, atualmente com 34 anos, nasceu em São Paulo e sempre mostrou interesse por esportes. Entretanto, devido a diversas dificuldades financeiras, só conseguiu iniciar os treinos de judô e jiu-jitsu a partir de uma oportunidade oferecida por um projeto social. Depois disso, enfrentou diversos obstáculos como atleta. Os comentários sobre sua trajetória podem ser conferidos na entrevista que ele deu para o Blog do Jornalismo Esportivo, que segue abaixo.
BJE: Como você começou a praticar o jiu-jitsu? (Com quantos anos?Onde? Porque?)
Marcello Sousa: As atividades físicas entraram na minha vida desde sempre. Sempre fui muito ativo, mas minha mãe não tinha condições de me colocar em nenhuma arte marcial. No ano de 2000 (eu tinha 17 anos), surgiu um projeto chamado Parceiros da Família, no qual eu tive meu primeiro contato com o Judô, e em 2004 (com 21 anos), conheci o jiu-jitsu através do Projeto Social Lutando pelo Bem.
Não tenho um motivo específico para ter ficado nas artes marciais, mas me ajudou muito, pois devido ao meu tamanho e superproteção materna eu tinha uma dificuldade em me posicionar em relação às minhas vontades.
BJE: Então você acha que o jiu-jitsu te ajudou a evoluir tanto como atleta quanto como pessoa, no sentido de te dar mais segurança e confiança para se posicionar e se expressar?
Marcello Sousa: Com toda certeza. Tanto o Judô, modalidade na qual tive a inclusão nas artes marciais, quanto o jiu-jitsu me fizeram uma pessoa mais confiante para enfrentar as adversidades da vida.
BJE: Falando em adversidades, sabemos que, no Brasil, os atletas, principalmente de esportes que não são tão valorizados pela mídia, passam por diversas dificuldades para se manter. Quais você acha que são algumas dessas dificuldades no caso do jiu-jitsu? Se quiser, pode ilustrar com alguma experiência pessoal.
Marcello Sousa: Eu tive muitas dificuldades. Mesmo que hoje em dia isso não seja tão forte quanto antes, o jiu-jitsu ainda é um esporte elitizado. Elitizado por que? Diferentemente do futebol, no qual você precisa apenas de uma bola para praticar, no jiu-jitsu você precisa de um kimono, por exemplo, que não custa menos de R$200,00, que é muito dinheiro considerando o cenário do Brasil.
Existe ainda a questão da mensalidade. Graças a Deus hoje em dia surgiram muitos projetos sociais que dão condições, para pessoas que não teriam como treinar, de praticar o esporte. Eu praticamente sou fruto disso. Eu sou fruto de um projeto social, onde meu professor conseguiu angariar várias pessoas que tinham o intuito de crescer dentro da modalidade e assim formou diversos faixas pretas, alguns muito renomados, hoje em dia.
Agora entramos um pouco em um conceito mais profissional, do como viver do esporte. Para você competir hoje em dia no jiu-jitsu, o gasto é alto. Alguns campeonatos vieram para o Brasil e acontecem em São Paulo, o que facilita muito especificamente para mim. Mas, eu lutei meu primeiro brasileiro em 2016, porque antes disso esse campeonato ocorria no Rio de Janeiro, e com que verba eu conseguiria ir antes disso? Existem os custos da viagem, estadia (muitas vezes dormimos em academia de amigos, no tatame), alimentação (precária no sentido de não ser balanceada para um atleta, já que acaba sendo a mais básica possível) e ainda tem a questão da inscrição, já que um campeonato no qual você vai buscar um título acaba custando em torno de R$140,00. Acabei de lutar um, por exemplo, no Rio de Janeiro, que eu paguei R$ 170,00, só o campeonato.
Então, a questão do incentivo acaba sendo bem pequena. Eu fui começar a ter algum apoio, algum incentivo, agora. E eu vou entrar no meu sexto ano de faixa preta. Esses apoios que eu conquisto são coisas pequenas, mas eu agradeço, de coração. As vezes é uma padaria de amigos que me dão apoio com relação a um café da manhã. Uma loja de esportes que me dá um tênis. Então você acaba minimizando seus custos e aí sim, conseguindo um tênis no qual você deixou de gastar, você pode usar o dinheiro em uma inscrição.
Eu vivo hoje de dar aulas. Se eu não der aulas eu não tenho remuneração. Hoje em dia, o jiu-jitsu no âmbito mais profissional até paga para você lutar, mas isso não é para todos os atletas. Para isso você precisa se destacar, ser um atleta de renome, campeão, campeão mundial, por exemplo. Agora, para ser campeão mundial, por exemplo, você precisa ir até os Estados Unidos, que exige toda a burocracia que a gente conhece, como tirar visto, ter a passagem. Mas isso tudo é muito difícil. Eu mesmo já tive meu visto duas vezes negado. Então isso ainda é um pouco distante para mim. Agora mesmo vai ter o Europeu em janeiro e como é que eu vou lutar? É em Euro! De onde eu vou tirar esse dinheiro? Para isso eu precisaria de apoio, que não vem do governo, mas sim de amigos e pessoas que gostam do jiu-jitsu e que acreditam no seu potencial
BJE: Quais você considera as suas maiores conquistas?
Marcello Sousa: Vou falar as conquistas da faixa preta. Fui campeão do National Pro da UAEJJ, campeão da seletiva no Panamericano em 2016 (não fui devido ao visto negado, mas ganhei a passagem), 4 vezes campeão do Circuito Paulista (cada ano acontecem 3 campeonatos que contabilizam o Circuito Paulista), campeão do SP Open Nogi, campeão Floripa Open, 2 vezes vice-campeão brasileiro (sendo uma pela CBJJ e uma pela CBJJE) e terceiro colocado no Sulamericano.
BJE: E se você tivesse que dar uma dica para alguém que quer começar agora, qual seria?
Marcello Sousa: Hoje em dia eu vivo muito competitivo, mas o jiu-jitsu não é apenas destinado a isso, assim como qualquer esporte. Ele pode ser praticado de forma recreativa também. Assim como os benefícios de saúde, também tem seus benefícios sociais e eu acredito que até mesmo psíquicos. A dica é para que as pessoas que entram no jiu-jitsu tentementender não apenas como uma modalidade de luta, mas também como uma forma de vida.
Uma pessoa que treina jiu-jitsu, com certeza, automaticamente, vai ter um controle de peso melhor, que não é simplesmente pela atividade física, mas sim porque a pessoa não vai beber tanto porque ela quer ter um bom desempenho no treino, vai deixar de fumar ou vai fumar menos porque ela vai querer ter um bom desempenho no treino, vai passar a se alimentar melhor porque quer ter um bom desempenho no tatame.
Além de tudo isso, você também desenvolve um lado muito social. Um exemplo é dos meninos da “Sanfran” (Direito USP). A amizade que eles desenvolveram, como eles brincam, como eles têm uma intimidade. Eu acredito muito que, além da faculdade, o jiu-jitsu desenvolve muito esses laços entre eles, assim como em qualquer equipe. Na minha também, os laços afetivos são muito fortes. Uma pessoa “estranha” se torna uma pessoa da sua família.
E outra coisa é o estado mental. Quando eu era criança, minha mãe sempre falava “não briga”, “toma cuidado, porque você é muito pequenininho”. E eu vejo que não tem nada a ver. A minha autoestima, a minha forma de ver o mundo e de acreditar que eu posso cada vez mais… acredito que o jiu-jitsu me deu isso. Ele falou para mim “você pode o que você quer”.
Colocando como um triângulo de equilíbrio, o jiu-jitsu te fortalece fisicamente, mentalmente e socialmente. Essa é a dica que eu tenho para que a pessoa faça o jiu-jitsu da melhor forma possível, com amor e com a melhor forma de entendimento possível, principalmente do lado histórico e filosófico.
BJE: Só uma pergunta bônus: você tem algum ídolo específico no jiu-jitsu?
Marcello Sousa:Meu professor e meus companheiros de treino. Me espelho neles.
Bibliografia
Revista Gracie Mag (http://www.graciemag.com/historia-do-jiu-jitsu/)