
O
conflito
urna eletrônica que será usada em todo o Brasil
nas próximas eleições, em outubro está
em xeque. Enaltecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como
uma avançada tecnologia que permite a contagem rápida
e segura dos votos, ela não recebe a mesma consideração
de setores da sociedade. A reação a essa tecnologia
gerou até mesmo uma página na Internet (www.votoseguro.org),
mantida pelo Fórum do Voto Eletrônico, criado para
apontar os riscos da urna eletrônica e reivindicar iniciativas
que garantam a inviolabilidade do voto.
De acordo com o Fórum do Voto Eletrônico, entre os
inconvenientes das urnas eletrônicas está a impossibilidade
de recontar ou conferir os resultados da votação.
As urnas também podem ser fraudadas por meio de programação
e apresentar resultados diferentes dos votos obtidos. O Fórum
critica ainda o fato de que o TSE mantém em segredo a maior
parte dos programas das urnas. Além disso, a digitação
do número do título eleitoral possibilita a identificação
do voto por programas fraudulentos o que equivale à
violação do voto secreto, um dos pilares do sistema
eleitoral das democracias modernas. O prazo exíguo concedido
pelo TSE e a falta de condições técnicas adequadas
tornam impossível aos partidos fazer a conferência
da totalização dos votos, acrescenta o Fórum.
Corremos o risco da criação de uma dinastia
de governantes fraudadores, sem meios legais para contestá-los,
adverte a página do Fórum, lembrando que os painéis
do Senado Federal e da Câmara dos Deputados sofrem as mesmas
fragilidades e riscos de violação. O TSE resiste
aos aperfeiçoamentos no sistema de votação,
quando é ele quem tem, além da atribuição,
o dever de proporcionar um sistema eleitoral o mais imune possível
a fraudes.
Para evitar tais fraudes, o Fórum sugere algumas iniciativas.
É preciso, segundo ele, que a urna imprima o voto, a ser
conferido pelo eleitor e recolhido automaticamente para contraprova,
sem nenhum contato manual. Após a eleição,
deve-se proceder à recontagem dos votos impressos em 3% das
urnas. O Fórum pede também a abertura completa dos
programas e sistemas eletrônicos, a realização
de auditorias nas urnas antes e depois do pleito e
a eliminação de qualquer digitação que
identifique o eleitor. É necessária ainda a apresentação
dos boletins de urna das seções eleitorais em meio
digital, na Internet, por exemplo, de forma a permitir uma eficiente
conferência da totalização dos votos.
Piratas
da computação
A desconfiança
do Fórum em relação à urna eletrônica
é respaldada pelo professor João Antonio Zuffo, coordenador
geral do Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) da Escola
Politécnica da USP. Segundo ele, não existe um sistema
digital que não possa ser violado. Por mais seguro
que seja um sistema, sempre é possível encontrar uma
maneira de violá-lo, afirma Zuffo, citando como exemplo
os computadores do Pentágono o Departamento de Defesa
dos Estados Unidos , que já foram invadidos por piratas
da computação, ou hackers.
Ainda segundo o professor, há vários tipos
de programas que podem alterar os resultados de uma votação.
Alguns deles nem se manifestariam no momento em que eventualmente
fossem introduzidos no sistema do TSE, mas estariam programados
para agir horas depois. Um programa poderia fazer com que,
a cada dois votos dados para um candidato, um voto fosse somado
automaticamente a outro candidato, por exemplo.
Zuffo concorda que a impressão do voto é uma forma
eficiente de evitar fraudes. A impressão do voto tornaria
o sistema mais seguro, porque caso haja dúvidas sempre se
pode conferir. Quanto ao segredo que o TSE faz dos sistemas
digitais que comandam as urnas eletrônicas, o professor lembra
que isso provavelmente se deve à necessidade de manter em
sigilo o programa-fonte, o grande sistema que, estruturado em linguagem
eletrônica, é responsável pela programação
das urnas. É mais ou menos como ocorre com o windows,
que você usa de diferentes maneiras mas não tem acesso
ao programa-fonte, compara Zuffo. Se o programa-fonte
das urnas for conhecido, o resultado das eleições
pode ser falsificado.
A professora Maria Dalva Kinzo, do Departamento de Ciência
Política da USP, pensa diferente. Para ela, as urnas eletrônicas
representam não um risco, mas um avanço para a democracia
brasileira. Elas são uma forma de evitar fraudes,
diz. Maria Dalva lembra que, com as urnas, elimina-se uma fase das
eleições propícia a violações
a apuração. Se você colocar as
urnas eletrônicas em xeque, tem que questionar também
todas as outras formas de manipulação eleitoral,
acrescenta a professora, lembrando que mesmo o voto secreto e impresso
está sujeito a violação. Não é
boa a estratégia da imprensa de questionar as urnas eletrônicas,
porque nesse caso ela tem que questionar todas as formas de votação
anteriores.
Maria Dalva reconhece que é preciso aprimorar cada vez mais
o sistema por votação eletrônica. A impressão
do voto, diz, tem de ser estendida a todos os municípios
do Brasil e o controle do sistema deve ser garantido aos partidos.
Mas não se pode colocar em dúvida a segurança
das urnas eletrônicas. A professora lembra ainda que
as votações feitas nos últimos anos, já
com a nova tecnologia, não registraram nenhum caso de fraude.
A experiência já mostrou que o processo é
confiável, destaca. A própria pluralidade
partidária do Brasil atesta isso: se houvesse fraude, como
explicar que ora ganha a oposição, ora a situação?
O aprimoramento das urnas eletrônicas, de que fala Maria Dalva,
parece estar a caminho. No dia 23 passado, terça-feira, o
Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Santa Catarina apresentou a
urna eletrônica com impressora que será usada nas eleições
de outubro em alguns Estados brasileiros. Em Santa Catarina, três
municípios Balneário Camboriú, Brusque
e Laguna receberão 463 novas urnas, onde 143 mil eleitores
verão seu voto impresso. Em 2004, todas as cidades do Estado
deverão ter o novo equipamento. Já neste ano, pelo
menos o Distrito Federal e Sergipe terão todas as suas urnas
que imprimirão os votos dos eleitores.
Ficou
muito mais prático
As urnas
eletrônicas não ofereceram dificuldades para algumas
pessoas ouvidas pelo Jornal da USP na Cidade Universitária,
em São Paulo, e imediações. Para o comerciante
Francisco Santos Gonçalves, por exemplo, as urnas eletrônicas
facilitam o trabalho dos mesários, que não têm
mais o inconveniente de lacrar, assinar lacres, convocar fiscais de
partidos e conduzir a urna para o local da apuração.
Ficou muito mais prático, porque o resultado é
apurado na hora. Mas Gonçalves destaca que as urnas eletrônicas
podem facilitar a fraude em zonas eleitorais em que predominam os
eleitores menos informados. Quando eu trabalhei em eleições
com urnas eletrônicas, muitas pessoas, especialmente idosos,
vinham me perguntar como votar, lembra o comerciante, que atuou
como mesário em regiões carentes da zona leste da capital.
Se eu fosse mal-intencionado, poderia fazer com que essas pessoas
votassem no candidato que eu quisesse. Gonçalves acha
excelentes as urnas eletrônicas, mas considera necessário
encontrar formas de evitar o risco desse tipo de fraude, que tende
a ocorrer nas áreas mais pobres.
O jóquei aposentado João Manuel Amorim aprova as urnas
eletrônicas. É muito fácil: é só
levar os números e digitar, como no banco, diz, admitindo
que talvez a população menos esclarecida
pode ter algumas dificuldades para registrar o voto. Amorim se recusa
a acreditar que o sistema de votação eletrônica
não seja confiável. Tem que ser honesto, porque
se não for é o fim de tudo, ressalta. É
como a mulher da gente: tem que ser honesta.
As urnas eletrônicas são ótimas porque
evitam as fraudes, acha a vendedora Maria Angélica Ballista
Callera. Antes era muito mais fácil fraudar os resultados.
Ela ressalta apenas que são necessárias duas medidas:
a fiscalização rigorosa do pleito por todos os partidos
e o cuidado dos eleitores de levar por escrito os números dos
candidatos em quem vão votar. Principalmente nestas eleições
que terão muitos cargos em disputa, o eleitor pode se atrapalhar
com tantos números, afirma Maria Angélica. Tem
que conscientizar as pessoas de que elas precisam levar tudo escrito. |