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Maria Dalva:avanço da democracia
Zuffo: não há sistema 100% seguro




O conflito urna eletrônica — que será usada em todo o Brasil nas próximas eleições, em outubro — está em xeque. Enaltecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como uma avançada tecnologia que permite a contagem rápida e segura dos votos, ela não recebe a mesma consideração de setores da sociedade. A reação a essa tecnologia gerou até mesmo uma página na Internet (www.votoseguro.org), mantida pelo Fórum do Voto Eletrônico, criado para apontar os riscos da urna eletrônica e reivindicar iniciativas que garantam a inviolabilidade do voto.
De acordo com o Fórum do Voto Eletrônico, entre os inconvenientes das urnas eletrônicas está a impossibilidade de recontar ou conferir os resultados da votação. As urnas também podem ser fraudadas por meio de programação e apresentar resultados diferentes dos votos obtidos. O Fórum critica ainda o fato de que o TSE mantém em segredo a maior parte dos programas das urnas. Além disso, a digitação do número do título eleitoral possibilita a identificação do voto por programas fraudulentos — o que equivale à violação do voto secreto, um dos pilares do sistema eleitoral das democracias modernas. O prazo exíguo concedido pelo TSE e a falta de condições técnicas adequadas tornam impossível aos partidos fazer a conferência da totalização dos votos, acrescenta o Fórum. “Corremos o risco da criação de uma dinastia de governantes fraudadores, sem meios legais para contestá-los”, adverte a página do Fórum, lembrando que os painéis do Senado Federal e da Câmara dos Deputados sofrem as mesmas fragilidades e riscos de violação. “O TSE resiste aos aperfeiçoamentos no sistema de votação, quando é ele quem tem, além da atribuição, o dever de proporcionar um sistema eleitoral o mais imune possível a fraudes.”
Para evitar tais fraudes, o Fórum sugere algumas iniciativas. É preciso, segundo ele, que a urna imprima o voto, a ser conferido pelo eleitor e recolhido automaticamente para contraprova, sem nenhum contato manual. Após a eleição, deve-se proceder à recontagem dos votos impressos em 3% das urnas. O Fórum pede também a abertura completa dos programas e sistemas eletrônicos, a realização de auditorias nas urnas — antes e depois do pleito — e a eliminação de qualquer digitação que identifique o eleitor. É necessária ainda a “apresentação dos boletins de urna das seções eleitorais em meio digital, na Internet, por exemplo, de forma a permitir uma eficiente conferência da totalização dos votos”.

Piratas da computação

A desconfiança do Fórum em relação à urna eletrônica é respaldada pelo professor João Antonio Zuffo, coordenador geral do Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) da Escola Politécnica da USP. Segundo ele, não existe um sistema digital que não possa ser violado. “Por mais seguro que seja um sistema, sempre é possível encontrar uma maneira de violá-lo”, afirma Zuffo, citando como exemplo os computadores do Pentágono — o Departamento de Defesa dos Estados Unidos —, que já foram invadidos por “piratas” da computação, ou hackers.
Ainda segundo o professor, há “vários” tipos de programas que podem alterar os resultados de uma votação. Alguns deles nem se manifestariam no momento em que eventualmente fossem introduzidos no sistema do TSE, mas estariam programados para agir horas depois. “Um programa poderia fazer com que, a cada dois votos dados para um candidato, um voto fosse somado automaticamente a outro candidato, por exemplo.”
Zuffo concorda que a impressão do voto é uma forma eficiente de evitar fraudes. “A impressão do voto tornaria o sistema mais seguro, porque caso haja dúvidas sempre se pode conferir.” Quanto ao segredo que o TSE faz dos sistemas digitais que comandam as urnas eletrônicas, o professor lembra que isso provavelmente se deve à necessidade de manter em sigilo o programa-fonte, o grande sistema que, estruturado em linguagem eletrônica, é responsável pela programação das urnas. “É mais ou menos como ocorre com o windows, que você usa de diferentes maneiras mas não tem acesso ao programa-fonte”, compara Zuffo. “Se o programa-fonte das urnas for conhecido, o resultado das eleições pode ser falsificado.”
A professora Maria Dalva Kinzo, do Departamento de Ciência Política da USP, pensa diferente. Para ela, as urnas eletrônicas representam não um risco, mas um avanço para a democracia brasileira. “Elas são uma forma de evitar fraudes”, diz. Maria Dalva lembra que, com as urnas, elimina-se uma fase das eleições propícia a violações — a apuração. “Se você colocar as urnas eletrônicas em xeque, tem que questionar também todas as outras formas de manipulação eleitoral”, acrescenta a professora, lembrando que mesmo o voto secreto e impresso está sujeito a violação. “Não é boa a estratégia da imprensa de questionar as urnas eletrônicas, porque nesse caso ela tem que questionar todas as formas de votação anteriores.”
Maria Dalva reconhece que é preciso aprimorar cada vez mais o sistema por votação eletrônica. A impressão do voto, diz, tem de ser estendida a todos os municípios do Brasil e o controle do sistema deve ser garantido aos partidos. “Mas não se pode colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.” A professora lembra ainda que as votações feitas nos últimos anos, já com a nova tecnologia, não registraram nenhum caso de fraude. “A experiência já mostrou que o processo é confiável”, destaca. “A própria pluralidade partidária do Brasil atesta isso: se houvesse fraude, como explicar que ora ganha a oposição, ora a situação?”
O aprimoramento das urnas eletrônicas, de que fala Maria Dalva, parece estar a caminho. No dia 23 passado, terça-feira, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Santa Catarina apresentou a urna eletrônica com impressora que será usada nas eleições de outubro em alguns Estados brasileiros. Em Santa Catarina, três municípios — Balneário Camboriú, Brusque e Laguna — receberão 463 novas urnas, onde 143 mil eleitores verão seu voto impresso. Em 2004, todas as cidades do Estado deverão ter o novo equipamento. Já neste ano, pelo menos o Distrito Federal e Sergipe terão todas as suas urnas que imprimirão os votos dos eleitores.



“Ficou muito mais prático”

As urnas eletrônicas não ofereceram dificuldades para algumas pessoas ouvidas pelo Jornal da USP na Cidade Universitária, em São Paulo, e imediações. Para o comerciante Francisco Santos Gonçalves, por exemplo, as urnas eletrônicas facilitam o trabalho dos mesários, que não têm mais o inconveniente de lacrar, assinar lacres, convocar fiscais de partidos e conduzir a urna para o local da apuração. “Ficou muito mais prático, porque o resultado é apurado na hora.” Mas Gonçalves destaca que as urnas eletrônicas podem facilitar a fraude em zonas eleitorais em que predominam os eleitores menos informados. “Quando eu trabalhei em eleições com urnas eletrônicas, muitas pessoas, especialmente idosos, vinham me perguntar como votar”, lembra o comerciante, que atuou como mesário em regiões carentes da zona leste da capital. “Se eu fosse mal-intencionado, poderia fazer com que essas pessoas votassem no candidato que eu quisesse.” Gonçalves acha “excelentes” as urnas eletrônicas, mas considera necessário encontrar formas de evitar o risco desse tipo de fraude, que tende a ocorrer nas áreas mais pobres.
O jóquei aposentado João Manuel Amorim aprova as urnas eletrônicas. “É muito fácil: é só levar os números e digitar, como no banco”, diz, admitindo que “talvez” a população menos esclarecida pode ter algumas dificuldades para registrar o voto. Amorim se recusa a acreditar que o sistema de votação eletrônica não seja confiável. “Tem que ser honesto, porque se não for é o fim de tudo”, ressalta. “É como a mulher da gente: tem que ser honesta.”
As urnas eletrônicas são “ótimas” porque evitam as fraudes, acha a vendedora Maria Angélica Ballista Callera. “Antes era muito mais fácil fraudar os resultados.” Ela ressalta apenas que são necessárias duas medidas: a fiscalização rigorosa do pleito por todos os partidos e o cuidado dos eleitores de levar por escrito os números dos candidatos em quem vão votar. “Principalmente nestas eleições que terão muitos cargos em disputa, o eleitor pode se atrapalhar com tantos números”, afirma Maria Angélica. “Tem que conscientizar as pessoas de que elas precisam levar tudo escrito.”
 




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