Otto
Groth, pobre sociólogo alemão, houvesse corpo, teria
virado em seu túmulo na primeira quarta-feira deste mês.
Mas, sem dúvida, suas cinzas (deve ser o que resta de alguém
que morreu em 1965) se espalharam um pouco mais atingidas pelas
brisas da reforma que começaram a soprar mais forte na pós-graduação
da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Avaliado
com nota 3 pela Capes no triênio que terminou em 2001, o Programa
de Ciências da Comunicação entrou desde logo
em ebulição. Ameaças, as mais terríveis.
Baixar a nota para 2, descredenciamento em Brasília, fechamento
na USP. A saída, entender a mensagem, afinal, o programa
é de comunicações, e correr atrás do
prejuízo.
Contra
o excesso de orientandos, limites. Sete para os NRD6 (dedicação
exclusiva ao programa), descendo até três para quem
se dedica parcialmente. Antídoto para a endogenia, abrir
as bancas para convidados de fora da USP. Relatórios estreitamente
vigiados para não escapar da malha da produção
científica. Enfim, devagar o bicho foi pegando. Por enquanto,
fumaça cinza em Brasília e na Pró-Reitoria
de Pós-Graduação da USP. Mas é preciso
mais. É chegada a hora de meter o bisturi na zona vital,
em 30 anos de história, ou seja, reorganização
das linhas de pesquisa e das áreas de concentração.
Aí
o primeiro cutucão no Otto. Foi ele que, incentivado por
seu mestre Max Weber, procurou estabelecer fundamentos para a Zeitungswissenschaft
(ciência do jornalismo), também chamada de Periodika.
Formado durante a chamada fase áurea da ciência alemã,
em que tudo se entendia pela matemática, ele pretendeu estabelecer
leis para uma ciência periodística pura. Otto Groth
começou a escrever sua primeira obra, Die Zeitung, em 1910.
Era uma enciclopédia de jornalismo em quatro volumes publicada
entre 1928 e 1930. Posteriormente, chegou até a propor os
diversos ramos dessa nova ciência: técnicas de realização
periodística (jornais, rádio, TV, cinema e publicidade),
história do jornalismo, legislação de imprensa,
estudos sobre audiência e análise de conteúdo.
E foi
mais ou menos em cima desse modelão que as coisas acabaram
acontecendo por aqui. Num primeiro momento, em 1967, quando a USP
resolveu montar sua Escola de Comunicações Culturais,
os cursos agruparam, ainda na graduação, especialistas
das mais diversas áreas preocupados com o processo de formação
profissional que ia do jornalismo às artes plásticas,
por exemplo. Em 1972, a escola, já com o nome de Escola de
Comunicações e Artes, deu início à sua
pós-graduação, realizando bancas em doutorado
direto para seus primeiros professores. A partir daí, instalou
o mestrado e, em 1980, seu programa de doutorado. No final da década,
CNPq, Capes e Fapesp, as agências de financiamento de pesquisa,
reconheciam Comunicações como área de pesquisa
autônoma, desligando-se da Sociologia como especialidade.
Dentro
da ECA, a primeira separação ocorre com a área
de Artes, transformada em programa. Assim, a pós-graduação
passa a abrigar dois programas. O de Artes e o de Ciências
da Comunicação.
Em
ambos os programas, as diversas linhas de pesquisas – grosso
modo, uma linha é estabelecida através de um grupo
de disciplinas (pesquisadores) que encontra identidades em seus
trabalhos – organizaram-se numa chamada geografia departamental,
a rigor, a unidade autônoma do leque que compõe a Universidade,
conseqüentemente, o local matricial da união de docentes,
pesquisadores em sua maioria. E foi ao abrigo dos departamentos
que estabeleceram-se as áreas de concentração,
grupamento de linhas de pesquisa com algum ponto de identidade.
Sob esse modelo, desenvolveram-se as áreas de concentração,
adquirindo, portanto, uma estreita ligação com a graduação
e, conseqüentemente, com a marca da formação
profissional de cada um dos departamentos. Somente
o Departamento de Comunicações e Artes não
se enquadrava nesse perfil, uma vez que as profissões da
área de Comunicações eram cinema, rádio
e TV, jornalismo, relações públicas, propaganda,
turismo e biblioteconomia. E, nos 30 anos de existência da
pós-graduação da ECA, a escola consolidou e
manteve a liderança no País, investigando uma diversidade
de temas que atravessam várias disciplinas em seus objetos
de estudo, formulando teorias e metodologias criativas e inovadoras.
E os números foram reveladores. Desde sua fundação
até o ano passado, a ECA foi responsável pela produção
de 1.428 teses e dissertações, 974 delas (68,2%) no
mestrado e 454 (31,8) no doutorado. A divisão dessas pesquisas
por área de concentração mostra o seguinte
percentual:
25,3%
- Comunicação;
22,6% - Comunicação e Estética do Audiovisual
(cinema, rádio e TV);
21,9% - Jornalismo;
21,5% - Relações Públicas, Propaganda e Turismo;
e
8,7% - Ciências da Informação e Comunicação.
Entretanto,
mesmo resultados tão expressivos não conseguiram ser
suficientemente convincentes diante das avaliações
da Capes. E, munidos de documento com propostas formuladas por um
grupo de trabalho estabelecido pela Comissão de Pós-Graduação
da escola, os professores do programa se reuniram durante todo dia
no hotel Parthenon. Num
primeiro momento, as informações dando conta das ações
para formação de dois programas novos, o de Ciências
da Informação e Turismo. Ambos deixam de ser Comunicação.
Em seguida, a reunião de grupos de trabalhos e a formulaçào
de novas áreas de concentração e do abrigo
das linhas de pesquisa. Como a discussão foi longa, o trabalho
acabou sendo concluído na segunda-feira passada. A princípio,
as novas cinco áreas serão: Campo da Comunicação,
Linguagens da Comunicação, História e Estética
da Comunicação, Políticas e Gestão da
Comunicação e, finalmente, Mediações
da Comunicação. E o velho Otto com isso. Propôs
a Periodika como ciência do jornalismo, virou área
de concentração e foi rebaixado para linha de pesquisa.
E olhe lá. A discussão ainda não acabou. Saindo
da comissão de pós, passa para a Congregação
e só depois chega na Pró-Reitoria de Pós-Graduação.
Porém,
enquanto a nova proposta da pós da ECA espalhava as cinzas
da Periodika no Parthenon, em Brasília, no Planalto Central,
nasciam outros ares de renascimento. No final de novembro, um grupo
de mais de cem pesquisadores, reunido na Universidade de Brasília
(UnB), fundou a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
(SBPJor), tendo como ponto de partida a consideração
de que a sociedade foi criada num momento marcante da história
da pesquisa em jornalismo. Entre
as propostas básicas, o lançamento da Brazilian Journalism
Review, em inglês, para divulgação internacional;
o estímulo à articulação de redes regionais,
nacionais e internacionais de pesquisadores e cobrança de
uma definição de parâmetros nacionais de qualidade
para a pesquisa brasileira em jornalismo. No final do encontro,
a Carta de Brasília selava a posição do grupo:
“A SBPJor nasce em um momento ímpar, marcado, por um
lado, pelo amadurecimento das pesquisas na área e, por outro,
por desafios colocados tanto para a pesquisa e o ensino em geral
quanto para o exercício profissional do jornalismo”.
Mais adiante: “buscará ampliar, defender e cobrar os
espaços de pesquisa de qualidade em nossas instituições,
aprofundar a relação pesquisa/ensino/extensão
no Jornalismo e fundamentar a reflexão que permita a defesa
do jornalismo enquanto atividade específica essencial na
sociedade”.
Sem
dúvida, tempos conturbados que mexem com uma sólida
história de 30 anos e que fincou raízes em todos os
programas de pós-graduação em Comunicação
no País, dada a diversidade de origem de seus alunos e que
reúne atualmente 112 orientadores. Reformulações
e atualizações constituem desafio a ser encarado com
muita reflexão e tranqüilidade, principalmente nesses
tempos de realidade virtual. Há sempre o risco de se acabar
pensando como o poeta: quem lê tanta notícia?
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