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Amplamente utilizada no Brasil como analgésico tópico e antiinflamatório principalmente contra coceiras, picadas de mosquito e cortes, a conhecida arnica brasileira, falsa arnica ou arnica-da-serra §Lychnophora ericoides) realmente funciona, como já provou a sabedoria popular. De suas folhas e do pó da raiz são produzidos extratos hidroalcoólicos, pomadas, óleos essenciais e chás. Disseminada pelos imigrantes italianos a partir do século 18, a planta figura atualmente entre as mais citadas entre os brasileiros para fins medicinais. Mas seu uso indiscriminado e incorreto, especificamente como chá e misturada em bebidas alcoólicas como a cachaça, pode causar sérias lesões ao fígado, adverte o professor Norberto Peporine Lopes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas do Campus da USP em Ribeirão Preto, que estuda a arnica há quase dez anos.

Os resultados mais recentes das pesquisas, publicados na revista científica Planta Medica em 2005 (volume 71, páginas 1 a 4), confirmam em seres vivos a eficácia terapêutica. O artigo, assinado com a professora da FCFRP Glória Emília Petto de Souza, parceira de Peporine nas pesquisas, também aponta o princípio ativo causador dos efeitos analgésico e antiinflamatório.

No mapeamento químico, os cientistas levantaram mais de 100 substâncias, entre as quais se destacam as classes dos esteróides, lactonas sesquipertênicas do tipo furano-heliangolidos, ligninas e flavonóides, sendo estes últimos os responsáveis pelas características terapêuticas da arnica brasileira. Os testes foram feitos com altas dosagens usadas de forma prolongada. Os resultados demonstraram que os furano-heliangolidos causaram a morte em 98% dos animais por lesões hepáticas. A análise do fígado mostrou comprometimento total do tecido.

“Os estudos sugerem ligações químicas das lactonas com enzimas do fígado e com isso concluímos que o consumo excessivo com bebidas alcoólicas potencializa os possíveis efeitos danosos no tecido. O órgão pode sofrer desequilíbrio no sistema enzimático, acarretando inchaço”, afirma Peporine Lopes.

É por isso que em hipótese alguma é indicado beber quaisquer medicamentos à base de Lychnophora. “Quando começaram a ser disseminados, esses remédios eram usados diretamente na pele, que é o correto. A moda dos tratamentos naturais levou muita gente a tomar chás e cachaças com folha de Lychnophora. Porém, o consumo via oral é totalmente contra-indicado”, diz o professor.

Segundo Peporine, muitas pessoas desenvolvem fortes alergias aos fitoterápicos derivados da planta, possivelmente devido a uma maior concentração dos furano-heliangolidos, as mesmas substâncias que podem lesar o fígado. Mas a falta de dados biológicos e químicos não possibilitava dizer quais os agentes que causavam aquelas reações. Com o mapeamento realizado pela equipe coordenada pelo professor, agora é possível dizer qual a dosagem correta de um extrato hidroalcoólico com as folhas, por exemplo, e como deve ser o seu uso.

“O preparado deve ter uma porção de álcool e uma de água, em geral um litro de cada. Não se deve usar álcool puro. As folhas devem ficar embebidas no mínimo durante uma semana nesta mistura, para que os flavonóides possam alcançar uma concentração ideal em relação aos outros elementos químicos. O líquido deve ser passado sobre a pele. Em geral é utilizado para ferimentos diversos, hematomas e picadas de inseto”, afirma.

Logo depois de publicado, o trabalho coordenado pelo professor foi o mais acessado do site da revista Planta Medica, principal revista científica européia dedicada a plantas medicinais.

Atualmente, a equipe prepara um artigo sobre a toxicologia da planta e seus efeitos no fígado. “Todos os estudos envolveram em torno de 20 estudantes de pós-graduação e diversos colegas. A parte de toxicologia será assinada pela professora Letícia Lotufo, da Universidade Federal do Ceará”, diz.

No Brasil existem várias espécies de plantas conhecidas com o nome de arnica e todas elas pertencem à mesma família botânica, a das Asteracea. Porém são muito diferentes entre si. As espécies Lychnophora são reconhecidas por serem as únicas que não são ervas. Recebem também o nome de pinheirinho-do-cerrado devido ao porte e à estrutura de suas folhas.


A verdadeira

Segundo o professor Peporine Lopes, a arnica brasileira foi “descoberta” pelos primeiros imigrantes italianos que habitaram o estado de Minas Gerais, no século 18. Acostumados a fazer infusões e chás a partir da chamada arnica verdadeira (Arnica montana), até então só encontrada na Europa, os italianos perceberam semelhanças entre o cheiro da planta brasileira – estudada pelo grupo de Peporine – e a Arnica montana.

“A partir do cheiro do óleo essencial, identificaram semelhanças entre as duas e acharam que poderia servir. De fato, a arnica brasileira também funciona, mas só pode ser usada sobre a pele”, ressalta.

A partir de Minas Gerais, a arnica brasileira se disseminou em Goiás, além de Ribeirão Preto e Franca, interior do estado de São Paulo. Atualmente é um item imprescindível em qualquer farmácia caseira.

Por outro lado, a arnica verdadeira é conhecida na Europa desde a Idade Média para combater ferimentos, mas também muito utilizada em aplicações mais específicas como combate a febres, hemorragias, disenterias, infecções renais, inflamações oculares, problemas circulatórios e cardíacos.

Arbusto do tipo perene, as flores de pétalas ovaladas amarelo-ouro ou alaranjadas exalam um perfume suave. A flores e as raízes são as únicas partes da planta que podem ser utilizadas para fins medicinais e cosméticos. Sua adaptação em terras brasileiras é difícil, já que está aclimatada à acidez dos solos das montanhas européias.

 

 

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