Casa de histórias extraordinárias: conheça o asilo “São Vicente de Paulo”
Por Isabella Marin
Fundado em 5 de agosto de 1925, o Asilo São Vicente de Paulo já abrigou inúmeras pessoas em suas acomodações. Hoje, é referência em cuidado aos idosos. Porém, nem sempre os cuidados foram restritos a eles. Inicialmente, a “Sociedade São Vicente de Paulo”, como era chamada, recebia também crianças, jovens e adultos. Somente em 1985 o local passou a cuidar integralmente da terceira idade.
Com o objetivo de reintegração social, o Asilo foca suas práticas na valorização e no respeito aos mais velhos que residem ali. Atividades oferecidas como oficinas, passeios, atendimento médico (com fisioterapeuta, psicólogo e nutricionista) e muitos outros, como as festas de arrecadação de recursos, contribuem para a socialização dessas pessoas.
Localizado na Rua São Vicente de Paula – 19, Centro, a instituição depende quase que exclusivamente de contribuições de empresas e da população. Carlos Alberto Braga, atual presidente do Asilo São Vicente de Paulo, conta que a principal forma de captação é a festa junina e a festa do pastel, que aconteciam anualmente. Com a ajuda da sociedade e dos vicentinos na organização, as festas recebiam muitas pessoas.
A pandemia do Covid-19 impossibilitou que tais eventos acontecessem e agravou bastante a situação financeira. Com isso, foi preciso encontrar outros meios: “A sociedade já ajuda bastante, mas sempre fazemos campanhas pela internet. Atualmente, temos a rifa do carro, campanha para doação através do imposto de renda, carnês, entre outros”, relata. Há, ainda, um bazar do Asilo, que contribui para a renda.
Os vicentinos, devotos de São Vicente de Paulo, mantêm o Asilo funcionando. Carlos Braga conta que seu primeiro contato com o grupo foi em 1991, quando começou a contribuir nas festas da entidade e a participar da sociedade construída por eles. Somente em 2004, já aposentado, passou a ajudar diariamente a entidade. Atualmente, ocupa o cargo de presidente, mas já exerceu outras funções. “Estou no terceiro mandato como Presidente e participei em todas as diretorias como secretário, tesoureiro e outros”, declara.
Para Antonio Garbelotti, diretor de patrimônio do Asilo, a história foi parecida. Ele acumula 12 anos na instituição. Começou ajudando nas festas, especificamente, na barraca de cachorro-quente em uma das festas juninas do Asilo. Pouco depois, veio o convite para participar dos vicentinos. “Eu fui conhecer a parte que toca o vicentino, que é uma caridade muito pura, sem querer nada em troca. É a parte que me chamou atenção e me tornei vicentino. Eu entrei e de lá para cá virou uma paixão.” Garbelotti ainda conta que o papel do grupo é, como já relatado, prestar a caridade para aqueles mais necessitados. Para isso, contribuem também com campanhas na cidade, como arrecadação de agasalhos no inverno.
Além disso, existem cinco conferências distintas: Conferência Dom Bosco, Santa Rita de Cássia (mulheres), Sagrado Coração de Jesus, São Francisco de Assis e São João Batista. “Cada conferência tem famílias assistidas e também ajudam o Asilo”, segundo Braga. Vale ainda ressaltar que o grupo de vicentinos que mantém a entidade é num formato totalmente voluntário, sem receber nada pelo serviço prestado.
Outras iniciativas também integram as atividades do Asilo. Os “Doutores da Alegria” são um grupo de voluntários que vão ao local para entreter e divertir os idosos. Mesmo com o isolamento da pandemia, eles deram um jeitinho de visitá-los. Confira:
Existem ainda os voluntários que vão praticar ginástica, jogar bingo, passar a tarde conversando com os idosos e até algumas pessoas que vão rezar o terço junto de colegas. Atualmente, todas essas atividades foram suspensas devido aos riscos de contaminação da covid-19.
Histórias
No Asilo, o que não faltam são histórias para contar. Ou, quem sabe, recordar. Para isso, conversamos com aqueles que estão no dia a dia com esses exemplos de vida. Devido à pandemia do novo coronavírus, foi inviável realizar entrevistas presenciais e coletar depoimentos. Por essa razão, recebemos ajuda dos funcionários do local para contar essas histórias, aos quais apresentamos nossos sinceros agradecimentos. Nosso objetivo é fazer com que mais pessoas conheçam esses indivíduos que, muitas vezes, não são vistos. E, também, relembrar aqueles queridos que já se foram.
Mercedes
“Praticamente minha avó, minha mãe, minha tia, eu e agora minha filha trabalhamos no Asilo. Eu tenho uma vida lá com os idosos, tem muita história. Principalmente com uma das idosas, já faz muito tempo que a conheci. Quando eu tinha seis anos, conheci o Asilo. Minha mãe trabalhava lá e, como eu era menor de idade, ficava o dia todo com os idosos, principalmente com a Mercedes. Na época, eram as Irmãs de Caridade que administravam o Asilo, e uma irmã pegou uma criança para criar. Essa menina era filha de uma funcionária e eu e a Mercedes que cuidávamos da criança.
A Mercedes era paraplégica, mas com os membros superiores muito bons. Ela ajudava a cuidar da menina e assim fomos ficando amigas. Ela fazia muito artesanato, e suas produções eram muito lindas. Ela se cuidava sozinha na cadeira de rodas, era um pessoa de mente brilhante, inteligente e me ensinou muita coisa. Cuidava da menina como se fosse filha dela. Quando a menina cresceu e foi embora, ela chorava todos os dias, mas a menina nunca deixou de ir vê-la e, em suas visitas, ela ficava muito feliz. Eu cresci também, tive a oportunidade de trabalhar com os idosos, cuidei da Mercedes como se fosse minha mãe, assim como todos lá, considero como pai e mãe.
A Mercedes começou a fazer muitas orações para os outros com o tempo. Ela foi uma pessoa muito boa de coração. Depois teve a Antônia, que cuidou da minha filha também. Como eu cresci lá, eu vejo eles como parentes e é muita coisa vivida para falar, muitas alegrias e muitas perdas. Espero que meus netos sigam esse caminho de caridade e de amor ao próximo.”
- Fladinete Paliari dos Santos, 53 anos, Técnica de Enfermagem.
Antonia
“Sou funcionária desde 2013, mas frequento desde que nasci. Minha mãe trabalha lá há 30 anos, então conheci muitos idosos(a) e, nesse período, fiz muitas amizades de carinho e amor, especialmente com uma chamada Antonia Louzada Garcia, conhecida como ‘Toninha’ (já falecida). Às vezes, minha mãe me levava junto para o trabalho e Toninha cuidava de mim. Assim, minha mãe cuidava de mim junto com as outras idosas e, dessa forma, eu também era uma distração para elas e o carinho era recíproco. Depois de anos, tive a oportunidade de poder retribuir esse amor e carinho que recebi ao longo dos anos em que convivi com elas. A Toninha foi uma que me apeguei como minha avó. Ela me catou no colo várias vezes e, depois de anos, ela pegou minha filha no colo. Foi um momento muito emocionante pra mim e para minha mãe relembrar nossa história nesse dia, mas logo ela nos deixou. Hoje fica a recordação linda que vive com ela. Grata por me fazer relembrar de tantas histórias, em específico essa.”
- Deborah dos Santos, 28 anos, Técnica de Enfermagem.
Rosa
A Rosa fez filmes com o Mazzaropi, como Jeca Tatu (1959), por exemplo. Foi muito famosa na juventude, viajava bastante e guarda ainda álbum de fotos! Relatou que namorou até o Agnaldo Rayol, cantor conhecido. Também já foi dona de uma loja de aviamentos e papelaria. Como não casou e não teve filhos, veio para o Asilo de Piraju, porque a sobrinha dela casou-se com um rapaz da cidade. Tem uma irmã que sempre ia visitá-la, mas por conta da pandemia, parou com visita, mas sempre elas se falam por chamada de voz ou vídeo. Procuramos fazer isso com os idosos para não perder o contato com o mundo exterior. Ela conta dos filmes, que ela fazia a filha e a Geny Prado, a esposa do Mazzaropi, era a mãe. A Rosa tem bastante histórias mesmo, é muito gostoso de conversar com ela e com todos eles no geral.
- Relatos de Kenia Marin, 44, Cuidadora, e Patrícia Arruda, 29, Técnica de Enfermagem.
Pedro
“O Pedro Ferreira mora no asilo há 24 anos. Ele tem 82 anos hoje, e em julho, faz 83. Ele veio morar aqui no asilo quando tinha 60 anos. Ficou viúvo, sozinho, era alcoólatra. Segundo informações que a gente colheu dele, ele bebia e a mulher dele também. Ele não sabe datas, mas desde muito moleque bebia. Aí ele se casou, teve oito filhos. E como ele e a mulher bebiam, quase não tinham dinheiro. Ele trabalhava em sítios, cuidando de roça, café e gado. O último emprego dele foi em Cerqueira César, mas ele voltou para Piraju e não trabalhou mais. Ele vivia bebendo e até teve uma passagem pela polícia por conta de um roubo de peças de carro e ficou preso por algum tempo, não sabe precisar quanto. E depois disso ele saiu, mas já tinha histórico da polícia sempre estar o acolhendo. Naquela época, era uma espécie de acolhimento. Ele bebia, estava para rua, a polícia pegava, levava pra cadeia, dava um banho, dava comida e soltava. Ele sempre esteve nesse balanço.
A esposa dele morreu muito jovem. Ela foi fazer um tratamento em São Paulo e não voltou. Ela faleceu e não teve nem velório, porque ela foi enterrada lá mesmo. Então, ele ficou muito triste. Conta que ficou muito entristecido nesse dia e ele comprou um litro de pinga e foi beber debaixo de uma árvore bem bonita. Ele conta também que uma vez uma filha pediu dinheiro a ele, mas não tinha Isso o deixou muito triste. O que ele fez? Ele pegou os mantimentos, alimentos da casa e foi vender. Então aí ele começou a fazer isso, inclusive pra comprar a bebida. Ele disse que tinha algumas pessoas que davam comida para eles. Então, ele ganhava alimento e mantimentos, e esse mantimento, ele vendia e fazia dinheiro disso para comprar a bebida e ia na casa dessas pessoas para comer e se alimentar. Ele fala também que passou por uma internação em Rubião e uma outra em Ourinhos para tentar recuperação por conta da bebida. Mas aí ele veio embora. E ele fala com muito carinho desses filhos, da esposa. Fala que sempre deu conselho para os filhos. Ele falou também que quando ele estava na cadeia que foi preso, ele teve uma cirurgia de hérnia umbilical pelo que eu entendi. E disse que tinha muita dor quando trabalhava e somente na cadeia que descobriu.
Então ele fez a cirurgia e ia fazer o curativo no hospital. Ele saía da cadeia, fazia o curativo e voltava. Nessa teve um senhor, que era conhecido dele, que ficou penalizado com a situação que vivia e o levou até o asilo. Então, ele entrou e, aqui dentro, ele ajudava em tudo. Ele fazia limpeza, ajudava na arrumação das camas, ele ficava responsável por isso. E agora, de cinco anos pra cá que eu estou aqui, ele que fazia tudo: buscar medicamentos para outros internos tanto no posto de saúde quanto na farmácia. As meninas pediam pra ele pagar a conta, então ele ia pagar, voltava com o troco direitinho. Ele era bem ativo, bem ativo mesmo. Infelizmente, chegou a pandemia e estamos fechados há mais de um ano, para ser mais preciso, há um ano e um mês, e ele não está saindo. Até então ele estava bem. Agora, parece que ele está um pouco mais cansado, até por causa da idade também. Ele está um pouco cansado, mas nos ajuda na hora da alimentação dos outros idosos. Ele arruma as mesas, ajuda a lavar os pratos, talheres, copos. Então, ele ajuda bastante ainda, sempre. Um querido!”
- Hedy Cássia Rinaldi, 50 anos, Enfermeira.
Como ajudar
Apoie o Asilo de Piraju e ajude a cuidar de pessoas como Rosa, Antonia, Mercedes e Pedro. Entre no site do Asilo e conheça as formas de doação. Confira: http://asilodepiraju.com.br/contribuir.asp
ISABELLA MARIN é repórter e bolsista do projeto “Registro da Memória e do Turismo na Estância Turística de Piraju: desenvolvimento das habilidades comunicacionais no ensino fundamental I e II” do Programa USP MUNICÍPIO