O furto
Tem causo que parece mentira e tem causo que convém parecer mentira pra preservar a identidade dos envolvidos (ou envolvidas, como se verá adiante).
A anedota que se segue aconteceu na ala feminina do asilo. Todo mundo sabe que em locais onde há grande número de pessoas do mesmo gênero acaba havendo uma tendência grande pra piadinhas e comentários safados sobre o sexo oposto. No caso do lar de idosos, uma única velhinha de quase 90 anos concentrava todo o potencial e toda a disposição da ala pra se falar de homem. Algumas colegas, mais puritanas, invocavam os santos ou soltavam impropérios quando a amiga relembrava, em voz alta e jocosamente, todos os homens que possuiu em sua vida tão comprida.
São essas ousadas senhoras “prafrentex”, protegidas – de certa forma – pela idade avançada, as capazes de resgatar, com suas piadas profanas, uma das funções primordiais do falo masculino: divertir as mulheres, ainda que por meio do deboche.
Mesmo sendo a alavanca primordial de todas as piadas sujas do repertório da velhinha que nunca se casara, mas vivera intensamente, os encontros com falos da vida real foram escasseando na medida em que a idade foi avançando, a saúde deteriorando e as limitações físicas vindo. Não tinha acesso a um membro pra mais de 20 anos; e dentro do asilo, então, o acesso foi impedido definitivamente.
Numa visita de despedida às amigas do asilo antes de uma viagem, perguntei o que cada uma queria de lembrança no retorno. Entre pedidos de docinhos e livrinhos de orações, a senhorinha protagonista dessas linhas não deixou por menos: “Um pinto!”
Como recusar o pedido de uma mulher quase centenária e tão destoante da caretice predominante nas instituições de caridade do interior de São Paulo? Parti, então, em busca do pinto ideal. Após torcer o nariz para uma grande variedade de itens que variavam de cores e tamanhos, optei pelo artístico que ia além da safadice e da vulgaridade escrachada: um pinto entalhado em madeira natural, preso a uma alavanca e que saltava de uma caixa também de madeira onde se lia a frase “o resto do finado”. Podia permanecer discretamente guardado na caixinha enquanto não estivesse passando de mão em mão em reuniões de idosas regadas a gargalhadas e besteirol. E mais: fazia referência ao amuleto da beata Perpétua na novela “Tieta”. Era boa representação do “pinto do Major”, um item de decoração pra qualquer noveleira.
Na entrega do presente, predominaram gargalhadas na ala feminina. Mas o que é bom dura pouco. Dez dias depois, em nova visita, perguntei:
– E o consolo?
A resposta foi surpreendente para um ambiente tão recatado:
– Roubaram.
A autora do furto do pinto jamais foi identificada. E o “resto do finado” sumiu para sempre.
As danadinhas, com medo que você pedisse a devolução do major, esconderam muito bem. Hehe.