Tempo

Toda segunda-feira a mãe segurava minha mão pela Avenida da Saudade, rumo à cidadela dos mortos. Depois, enquanto a mãe orava, ajoelhada na capela, eu cuidava das velas. Com o tempo contrai divertimento nessas coisas de cuidar do fogo que alimenta almas do além. Também aprendi a atirar pedras nas plaquetas de inscrição “perpétua” só para distrair. Foi bem depois que dei de brincar de esconde-esconde no entremeio dos túmulos com o filho do coveiro. Ainda lembro o nome do menino: Christopher. Nome de rapazola metido a besta!
E fiquei com o saco cheio desse moleque. No município todo mundo se chamava Tonho ou Chico e nenhum ostentava olho vazio na cara descascada. Achava Chris meio pasmado, mas depois perdoei. Em dias menos febris, sentava-me no túmulo do prefeito que governou o município lá pelas décadas de trinta. Noutros ouvia cânticos de tico-tico à sombra de uma cruz. De formas que obtive diploma pra falar com as coisas daquele outro mundo. Conversava até com a Rainha do Café que foi amante do prefeito por alguns anos.

Foto: Carlos Alberto Muzzile

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