Sentimento da tarde

As pombas vivem em sua bolha, falo dessas pombinhas originárias das matas e agora tão urbanas, sentadas de casal na fresta do galho para juntar o entardecer, o que lhes é usual. Coçar e beijar, eis o sentimento da tarde. Nesta árvore centenária, que abriga sabiás e pintassilgos, e que neste dia armou o galho para o pouso especial das mocinhas. Pombas não beijam pardais, nem humanos, pombas beijam pombas. Aliás o transgredir é raro neste universo. Também não sei porquê pousou em mim esse pensamento. Creio que é o que combina com a mansidão do rio, com a mansidão da árvore que nesta tarde contemplo, transgressões pesariam desnecessárias. O tempo é lento, descasca o tronco ao longo dos séculos, um trabalho generoso, na tarefa diária de sugar a seiva, transmutar o sol, exalar clorofila. Esticar o galho em um espaço infinito até secar para o pouso das aves. Esse galho que hoje sustenta o namoro. Viva o beijo das pombas.
Enquanto elas beijam, meninos cambotam no trampolim, famílias passeiam de cisne, rapazes vociferam jet sky, crianças deslizam toboágua.
E a brisa dança nas folhas.

 

* Carlos Alberto Muzille é escritor e ativista ambiental.