Filmes que mudaram o mundo
Como nunca assisti “Cidadão Kane” (Citizen Kane) – considerado por muita gente boa como o Maior Filme de Todos os Tempos – fui perguntar ao Reynaldo Caramaschi (que assistiu) o que ele achava. Ele me disse que achava um “filme muito chato” que só é famoso porque seu diretor, Orson Welles, inovou na hora de posicionar as câmeras para filmar. Vindo de alguém que tem o próprio cinema particular em casa, resolvi dar-me por satisfeito. Rosebud¿ Ai, não tenho saco para isso!
Minha editora me sugere a inclusão aqui de “A Paixão de Cristo” (A Passion of the Christ) de Mel Gibson, aquele em que Jesus apanha mais que cachorro sarnento. Como Gibson e seu pai são fanáticos da extrema-direita que negam o Holocausto judaico e o filme insiste em apontar os judeus como assassinos do Cristo, devo ressaltar que a presença do dito-cujo nesta lista só foi mesmo por mera cortesia. E por Monica Bellucci, que faz uma Maria Madalena assombrosa na película.
Quando a crítica resolve eleger o Melhor Filme de Todos os Tempos, inevitavelmente é sempre um do Hitchcock, com justiça. Atualmente, a bola da vez é “Psicose” (Psycho). Antes, por anos a fio foi “Um Corpo Que Cai” (Vertigo) que Hollywood já anunciou que vai refilmar, não sei exatamente para que. Pena que meu preferido do Hitch, o soberbo “Janela Indiscreta” (Rear Window) pouco entrou na lista. Mas Grace Kelly adentrando o apartamento de James Stewart com sua saia branca plissada enche de luz a cena toda: nem precisava de cenário ou holofote na hora de filmar.
O escritor alemão Thomas Mann escreveu “Morte em Veneza” (1912) onde um respeitado escritor vai até a cidade italiana e lá se depara com a Beleza Absoluta (na forma de um adolescente) e suas trágicas consequências. O texto de Mann nem sequer transpira o menor sinal de homossexualismo, já que os dois personagens nunca se falam ou tocam. O diretor italiano Luchino Visconti trocou a profissão do sujeito (virou maestro) e transformou o encontro numa caçada gay, no soberbo “Morte em Veneza”, onde um envelhecido Dirk Bogarde encanta-se com o tal pré-adolescente da nobreza polonesa – o mítico Tadzio (Bjorn Anderssen), lembrado até hoje pela sua androginia etérea – e passa a persegui-lo, não importando os micos que possa pagar pela obsessão. A crítica não perdoou Visconti, acusando-o de “deturpar uma obra de arte em nome da militância gay”. Ele ligou¿ Não sei. Se alguém souber, me avise.
Julie Andrews desceu cantando pelo gramado nos Alpes Austríacos (…the hills are alive, with the sound of music…) e os filmes musicais nunca mais foram o mesmo: “A Noviça Rebelde” (The Sound of Music), com suas três horas e tanto de duração ainda aproveitou para cutucar a invasão nazista ao pequeno país, já que a família Trapp (no filme) tem que fugir a pé, pelos mesmos Alpes, dos temidos carrascos da SS alemã. Uma trilha sonora com canções inesquecíveis ajudou a fazer do drama uma verdadeira obra de arte para quem ama os musicais, o que, infelizmente, não é muita gente.
Quando comprei meu primeiro DVD player (geringonça que nem existe mais), Delia Monteiro, minha chefa na época do “Jornal da Cidade” me perguntou que filme eu queria que ela ia me dar de presente. Respondi no ato sem pensar: “Ben–Hur” (na versão de 1959 com Charlton Heston, dirigido por William Wyler) para mim, até hoje, o Filme Perfeito. Essa “história dos tempos de Cristo” baseada no romance do general americano Lew Wallace (1880) ganhou 11 Oscars, feito que só seria igualado – mas nunca superado – muitos anos depois com o “Titanic” de James Cameron e “O Retorno do Rei” (The Return of the King), da trilogia O Senhor dos Anéis (Lord of Rings), de Peter Jackson. A corrida das bigas em “Ben-Hur”, cuja filmagem durou duas semanas, na raça e sem efeitos especiais (não existiam à época) é, ainda hoje, talvez a cena mais famosa do cinema mundial.
Federico Fellini, diretor italiano e notório ateu, debochou do cristianismo no perturbador “A Doce Vida” (La Dolce Vita), que começa com Cristo abandonando Roma (um crucifixo enorme deixa a cidade, levado por helicóptero) e termina com a morte do cristianismo (o personagem de Marcelo Mastroianni encontra, na cena final, uma arraia morta na praia: o peixe, como todos sabem, é um dos símbolos da religião iniciada por Cristo). No meio disso tudo, Fellini ainda tira sarro nas aparições da Virgem Maria, colocando um par de crianças endiabradas afirmando que viram Nossa Senhora em cima da mexeriqueira. As crianças, maldosas riem, a mídia enlouquece em torno delas e o Vaticano fechou a cara: excomungou o filme, proibindo católicos do mundo todo de assisti-lo, o que só acelerou o processo para transformá-lo em obra-prima.
Filmado em p & b, “La Dolce Vita” tem outros méritos: popularizou o termo “paparazzi” (fotógrafos de celebridades), já que o melhor amigo jornalista de Mastroianni no filme tem o sobrenome de Paparazzo, incluiu na cena final da praia o clássico de Perez Prado e sua orquestra, a rumba lenta “Patrícia”, de enorme sucesso mundial na época e imortalizou a Fontana di Trevi, em Roma, onde a personagem de Anita Ekberg entra de longo negro para se banhar.
O Brasil brilhou no Festival de Cannes com “O Pagador de Promessas” de Anselmo Duarte, que ganhou até o prêmio máximo da competição: a Palma de Ouro (1962). Depois disso, babau. O baiano Glauber Rocha quase chegou lá com “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, mas se saiu com um prêmio menor, se bem que Cannes sempre amou Glauber. Duarte, um diretor acadêmico, com seu prêmio, acabou irritando o recém – formado Cinema Novo do Brasil, o qual, à maneira da Nouvelle Vague na França, criticava os “defeitos” do cinemão tradicional e buscava uma nova roupagem cinematográfica. O barulho de nada adiantou e rendeu até alguns frutos: a atriz Norma Bengel, a prostituta na história do Zé do Burro encantou os europeus e lá se foi, de mala e cuia, fazer carreira no Velho Continente. Glória Menezes, vivendo a mulher do personagem principal, conseguiu mostrar que não era apenas “a esposa de Tarcísio Meira” e se firmou com atriz respeitada. Duarte, em compensação, nunca mais fez nada que prestasse. Será que foi praga do Cinema Novo¿
Hoje ninguém vai mais a cinemas, assistimos Netflix e outras plataformas em casa, Hollywood só faz sequências, reboots ou filmes de super-heróis, os grandes cineastas (principalmente os europeus) bateram as botas e o dito cinema-autoral acabou. Ao mesmo tempo, como a película é eterna, Julie Andrews sempre descerá os Alpes cantando, Janet Leigh sempre gritará de medo da sra. Bates no banheiro e a corrida de bigas em Ben-Hur continuará rodando. Aleluia!!!
* Carlinhos Barreiros é professor, jornalista e escritor.
FONTE:
https://www.farolnoticias.com.br/variedades/os-filmes-que-mudaram-o-mundo/
OBS: Matéria reproduzida com a autorização do autor