Testamento

“Não passei pela minha criança incólume.

Entre o sim e o não sempre fui o vão.

Fiz da cabeça o suporte radial da luz.

Dei asas ao Luna Park dos mistérios.

Busquei o dom dos hemisférios e o meu samurai de golpe único cortou as palavras antes que dobrassem a língua.

E nunca houve incertezas de encostar ao peito o queixo.

Trouxe na cabeça o elixir da imaginação.

Eterna e líquida possibilidade de um acender só de balançar.

Corri atrás de um tempo que não existiu.

Em verdade vos digo:

Fui somente aquele que de mim não desistiu.

Nunca fui em rotinas transmissível.

Operei por semelhanças ao beijo e algo de agradável espalhou-se pela minha boca.

Fui a esfera azul da vaga lembrança suspensa por milagres em espaços e equilibrada na gravidade do hálito vermelhos deste sol.

Houve dia de flores brancas.

Enquanto outros se arrepiaram no gelo.

Houve um caminhar das luas e uma tristeza assim de folhas secas ao chão.

Escorregando dias descalços na brasa das paralelepípedos nuas.

Tudo isso houve.

Mas a quinta estação fui eu.

Macerando o tempo em pó.

Andarilho de místicos ecos.

Não sei a quem cheguei.

Mas quando eu, mensageiro do meu desejo imortal, se de ida e agora para sempre esquecer-me deste varal.

Deixo aqui a minha alma virgem.

Quarando na varanda deste quintal.”

 

* Carlos Alberto Muzille é escritor e ativista cultural e ambiental