Uma crônica ambiental (ou não)
Dizem que devemos conhecer o passado para compreender o presente e construir um bom futuro, mas o passado oferece umas histórias lamentáveis que são de lascar. Mas como recordar é viver e como a indignação é a mola propulsora da ação, vamos relembrar um causo dos anos 90, em celebração ao mês do Meio Ambiente:
Em 1991, Lawrence Summers, então economista-chefe do Banco Mundial, teve um memorando vazado – antes da moda do vazamento de vídeos e fotos íntimas, vazavam cartinhas e documentos em que as pessoas diziam coisas polêmicas.
No documento, o economista propunha que a renomada instituição financeira que representava, incentivasse a migração das indústrias poluentes para os países pobres sob três argumentos: o primeiro era o de que a estética da poluição era algo que afligia somente a galera bem de vida. Pobretões do sul global – sul americanos, africanos e o escambau – não reclamariam de fumaça e de lixo tóxico em troca de uns empreguinhos que lhes pagaria uns salários de fome.
O argumento número dois era de que nós, pés-rapados da periferia do mundo, não vivemos tempo o bastante para sofrer dos danos gerados pelas fábricas poluidoras. Ou seja: para que condenar os idosos estadunidenses, canadenses, japoneses e europeus a doenças escabrosas e atrapalhar suas aposentadorias tranquilas se a gente aqui, no sul do mundo, morre de fome, de AIDS, de diarreia ainda na flor da idade, antes de desenvolver algum problema de saúde relacionado à poluição das indústrias que enriquecem os países do Velho Mundo?
Por fim, Summers considerava razoável transpor o lixo tóxico do mundo para os lugares pobres em razão de nossos salários baixos, pois matar gente com salário alto no norte era muita perda de bufunfa (que tecnocrata negaria que é mais conveniente matar pobre no sul do que matar rico no norte?).
Muita gente ficou indignada com o Sr. Summers, inclusive o então ministro de Meio Ambiente do Brasil, José Lutzemberger, que escreveu uma carta-resposta em que dizia: “se viesse [a proposta] de alguém insignificante seria ridículo, mas vindo de um professor de Harvard e de um homem na sua posição, é um insulto às pessoas pensantes de todo o mundo”.
Trinta e três anos depois, continuamos pobres e lascados por aqui, poluídos até o talo, ainda que desindustrializados pela política neoliberal. Só não somos mais indignados porque não temos memória.
Dedico essas linhas à memória da professora Maria da Conceição de Almeida Tavares, falecida esses dias, cujas aulas disponíveis no YouTube nos ensinam que o economista que não se preocupa com justiça social não passa de um tecnocrata alucinado.
* Naomi Corcovia é jornalista e ativista cultural e ambiental