Histórico

O CEARAS - Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual - foi criado em 1993 no Departamento de Medicina Legal, Bioética, Medicina do Trabalho e Medicina Física e Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A proposta de criação deste Centro teve sua origem nos estudos realizados pelo Prof. Dr. Claudio Cohen oriundos de sua tese de Doutorado publicada com o título O INCESTO UM DESEJO (COHEN, 1993).

Para sua tese, foi realizada uma pesquisa no Instituto Médico Legal, na qual as vítimas de violência sexual foram questionadas a respeito de sua relação com o agressor. Fator que não era anteriormente abordado nas avaliações do Instituto Médico Legal de São Paulo. Da amostra, 49,64% relataram conhecer o agressor e 22,55% foram vítimas de agressão sexual por parte de algum parente, sendo que 18,75% delas conviviam com o agressor na mesma casa. (Cohen,C.; Matsuda,N., 1990)

A pesquisa citada foi um fator propulsor para a criação do CEARAS. O Prof. Dr. Claudio Cohen, com base a estes dados, estruturou um Serviço com o objetivo de conhecer melhor e fornecer um atendimento em Saúde Mental para as pessoas envolvidas em situações de abuso sexual.

O CEARAS inspirou-se em algumas idéias do trabalho desenvolvido no Parents United e Parents Anonymous, principalmente a ideologia de um trabalho em parceria com a Justiça. No entanto, há muitas diferenças entre o sistema penal americano e o brasileiro.

Nos Estados Unidos, para a pessoa que praticou a violência sexual intrafamiliar, há a possibilidade de escolha entre se submeter a tratamento em Saúde Mental ou ir para a prisão. Se a opção for a terapia, esta tem os objetivos de transformar o comportamento individual, possibilitando ao indivíduo condições de retornar ao lar e conviver socialmente.

No Brasil, até o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não havia obrigatoriedade, por parte da Justiça, de encaminhar famílias com história de violência física e sexual para tratamento. Neste sentido, o CEARAS foi inovador no território nacional uma vez que previa a importância do atendimento em Saúde Mental às famílias com este tipo de queixa.

Inicialmente, foi pensado com meta do CEARAS fornecer atendimento em saúde mental a pessoas envolvidas em situações de abuso sexual previamente denunciadas à Justiça. Posteriormente, tendo em vista a especificidade do incesto, que configura a maior parte dos casos de abuso sexual relatados, optou-se pelo atendimento somente a casos de abuso sexual intrafamiliar. O CEARAS comprometeu-se a atender exclusivamente famílias incestuosas que tenham denunciado ou tenham sido denunciadas à Justiça devido à ocorrência de abuso sexual entre seus membros.

Neste sentido, a maioria dos encaminhamentos ao CEARAS são feitos pelos Juízes das Varas de Infância e Juventude dos Foros Regionais do Município de São Paulo ou cidades próximas. O contato direto com as famílias e mesmo com os profissionais do CEARAS para este encaminhamento é feito pela equipe técnica das Varas que é composta por psicólogos e assistentes sociais judiciários.

Entendemos que a complexidade do incesto não pode ser tratada apenas no âmbito legal ou de saúde mental, e sim no parceria destas duas linhas de trabalho. Todavia, vale salientar que o CEARAS não é um serviço de auxílio à Justiça, uma vez que não realiza perícias ou avaliações psicológicas com a finalidade  de descobrir se de fato o incesto ocorreu ou não. Tal tarefa destina-se às equipes técnicas do judiciário ou a outras instituições que realizam este trabalho.

O CEARAS caracteriza-se pelo atendimento familiar e pela articulação com a Justiça. Prioriza-se o atendimento familiar por compreender que o incesto é um problema que envolve toda a família e é muito mais abrangente do que a relação sexual entre alguns membros do grupo familiar. O vínculo com a Justiça é baseado na importância da lei social quando as leis familiares são transgredidas. A denúncia como pré-requisito ao atendimento deve-se ao fato de que, por um lado, representa, em algum nível, a possibilidade de busca de limite externo e a quebra do segredo familiar; este tipo de mudança é uma forma de viabilizar o processo terapêutico. Por outro lado, na ausência de uma denúncia judicial, esta deveria ser feita pelos terapeutas que tomam contato com este tipo de caso envolvendo crianças e adolescentes (como determina o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLECENTE), comprometendo a formação dos vínculos de confiança necessários ao atendimento.

Desde o início de seu funcionamento a equipe do CEARAS era composta por profissionais da área de Saúde Mental, principalmente psicólogos que trabalham segundo o referencial psicanalítico. Há a possibilidade de qualquer profissional da área de saúde mental com formação em psicanálise fazer parte da equipe fixa. Um exemplo disto foi a participação durante 4 anos de uma assistente social que atendia as famílias em terapia e não exercendo, portanto o modelo clássico do Serviço Social.

O CEARAS sempre ofereceu estágio a profissionais da área de saúde mental interessados nesta temática, com o objetivo de difundir a experiência do trabalho, capacitando profissionais para exercer esta função em outras instituições.

No início o estágio tinha a duração de um ano, com 20 horas de atividades semanais, sendo estas: atendimentos em Saúde Mental (individuais e familiares), supervisões individuais e em grupo e participação em grupos de estudos e pesquisas.

Atualmente, o estágio tem a duração de um ano e meio com uma carga horária de 12 horas semanais, mas mantém seus objetivos iniciais. A mudança de duração deveu-se ao fato de que os atendimentos passaram a ter uma duração limitada a um ano e meio e o estagiário poderia, então, participar dos atendimentos do início ao fim. A diminuição da carga horária possibilita que profissionais já com alguma experiência nas áreas de violência e/ou terapia familiar possam participar do estágio paralelamente a outro trabalho.

Os atendimentos em Saúde Mental realizados pelo CEARAS priorizam a terapia familiar.

O CEARAS oferecia atendimento em dois níveis a partir da triagem: individual; para quem cometeu abuso e para quem sofreu abuso, e familiar; para todos os membros da família. Com a experiência dos atendimentos, foi ficando cada vez mais claro que a questão do incesto tinha que ser compreendida como parte de uma dinâmica familiar, não havendo apenas um culpado e uma vítima e que o atendimento individual, proposto a priori, para estes era uma forma de estigmatização.

Notou-se, também, que a dupla estigmatizada na denúncia como agressor e vítima não eram necessariamente as pessoas com menor possibilidade de utilização de seus recursos internos, sendo que a possibilidade de confusão ou mesmo perturbação mental observadas independia destes rótulos. Como exemplo, poderíamos citar que a mãe, em casos de relações incestuosas pai e filha, ou os pais, em relações incestuosas entre irmãos, foram percebidos em várias famílias como figuras centrais na manutenção da dinâmica incestuosa, sendo, às vezes, necessário um atendimento individualizado para estes, mais do que para a dupla pai e filha, pois investir na estruturação emocional destes outros membros do grupo familiar parecia, em alguns casos, mais promissor no sentido de possibilitar mudanças na dinâmica familiar.

Assim, o CEARAS passou a priorizar o atendimento familiar, dirigido a todos os membros da família que estão envolvidos afetivamente, não obrigatoriamente a família biológica. No início, caso fosse percebida a necessidade de atendimento individual para algum membro da família, este era oferecido paralelamente ao atendimento familiar. A experiência dos atendimentos demonstrou que o fato de os terapeutas da família terem conhecimento da terapia individual nas supervisães, e vice-versa, poderia comprometer os vínculos e consequentemente o próprio atendimento, já que se trata de famílias que tem como características principais a confusão de funções e a quebra de vínculos de confiança. Logo se definiu a terapia familiar como a especificidade do CEARAS. A terapia familiar é realizada por dois terapeutas e a frequência dos atendimentos é semanal, sendo que os mesmos têm uma duração mínima de um ano e máxima de um ano e meio.

- Versão para impressão -